Opinião
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30 de outubro de 2020
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22:20

Uma chance à vida: Carta em Defesa do Guapuruvu e da Arborização de Porto Alegre

Por
Sul 21
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Uma chance à vida: Carta em Defesa do Guapuruvu e da Arborização de Porto Alegre
Uma chance à vida: Carta em Defesa do Guapuruvu e da Arborização de Porto Alegre
Guapuruvu teve todos os seus galhos cortados e ia ser derrubado na semana passada (Foto: “Parecer para interrupção de supressão de exemplar arbóreo de guapuruvú”, de Paulo Brack.)

Movimento em Defesa do Guapuruvu e da Arborização de Porto Alegre (*)

Na tarde do dia 24 de outubro de 2020, na Rua 24 de Outubro, nº 997, um grupo de pessoas reuniu-se em um movimento espontâneo da cidadania porto-alegrense, para evitar a supressão de um majestoso Guapuruvu (Schizolobium parahyba), de 26 metros de altura e de 1,3 metro de diâmetro. Supreendentemente, constatou-se que no local não haviam pré-requisitos que a lei exige (Lei Complementar 757/2015), como a autorização de corte, a placa de informação e presença no local do técnico responsável. Ao longo daquele dia, por meio das redes sociais, a notícia se espalhou e um número crescente de pessoas se posicionou em frente ao local para impedir a continuação do corte da árvore. No dia seguinte, em decorrência do impasse e tendo posse de pareceres preliminares de biólogos que apontavam falhas no laudo que indicava a supressão da árvore, a mobilização prosseguiu e foi ganhando dimensão, o que resultou em inviabilidade da continuidade do serviço local por parte da empresa responsável.

O objetivo inicial do movimento era impedir o corte do lindo Guapuruvu da 24 de Outubro, que também não apresentava riscos iminentes de queda, mas a motivação foi mais além: os manifestantes e seus apoiadores relatavam ter testemunhado vários casos semelhantes, que denotam um visível processo indiscriminado de cortes e podas em uma cidade que já foi considerada uma das mais arborizadas do Brasil.

Na manhã de segunda-feira (26/10), o movimento, com participação e apoio oficial da Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul/APEDeMA-RS, encaminhou documentos à Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade (SMAMS) e à Promotoria de Meio Ambiente do Ministério Público Estadual (MPE), solicitando outra análise do vegetal, considerando que o laudo, que embasou a autorização de supressão da árvore, foi realizado de forma contraditória e, de certa forma, superficial.

Reconhecemos que em novembro de 2019 um galho caiu sobre um carro, trazendo outros danos. Entretanto, também é verdade que um morador, vizinho ao prédio onde se localiza a árvore, protocolou um pedido de providências à SMAMS, há cerca de 4 (quatro) anos, alertando que havia um galho em situação de risco de queda, porém não obtendo nenhuma providência satisfatória.

De qualquer modo, o fato de um galho ter caído, não significa dizer que qualquer árvore de Porto Alegre, nas mesmas condições, esteja comprometida e deva ser suprimida. É fato que existem árvores com apodrecimento dos troncos, raízes e galhos que podem apresentar situação de risco, implicando em podas drásticas ou mesmo supressão total. Essas situações exigem maiores acompanhamentos por parte da SMAMS. Entretanto, o que se deseja é dar chance à vida, sobretudo as árvores antigas, belas e marcantes em nossa paisagem urbana.

Pelo princípio da precaução e pelo direito à informação, cobramos aqui, fortemente, a superação das atuais falhas na transparência e da fragilização do processo de análise, onde a SMAMS perdeu técnicos e espaço de decisão, principalmente após a flexibilização da LC 757/2015. Reivindicamos publicização da regularidade dos procedimentos legais, dos motivos, das metodologias empregadas, do conteúdo das análises e dos respectivos laudos técnicos de profissionais contratados.

Percebe-se, assim, que o incidente da queda do galho ocorreu por inobservância de um alerta que já havia sido dado. Provavelmente, se houvesse sido realizada uma poda de manutenção, o Guapuruvu estaria ainda em sua vitalidade máxima. Ainda que esse indivíduo não sobreviva à drástica poda realizada nesses últimos dias, o que somente um monitoramento adequado e isento poderia confirmar, a opinião formada a partir da iniciativa do Movimento é a exigência de que se resgate uma Secretaria de Municipal de Meio Ambiente com seu papel e sua excelência histórica. Para tanto, esta Secretaria deve retomar também, para si, parte importante das atribuições repassadas, de forma injustificável, à Secretaria Municipal de Serviços Urbanos e a serviços realizados hoje por empresas privadas.

Como agravante à situação de desproteção de nossa arborização, no ano passado o governo municipal publicou o Decreto Municipal nº 20.185/2019, revogando 78 (setenta e oito) Decretos Municipais referentes a cerca de 1000 árvores imunes ao corte (tombadas) em Porto Alegre, sem qualquer discussão prévia com a sociedade ou com o Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM). O MPE entrou com ação e obteve, até agora, reversão da decisão da Prefeitura.

O Movimento conclui, portanto, que há a necessidade de se fortalecer a estrutura da SMAMS com maior número de servidores municipais cada vez mais capacitados para um tema tão sensível e importante à população de Porto Alegre.

A população não quer simplesmente saber a quantidade de árvores podadas, suprimidas e a velocidade com que esses serviços foram realizados ao longo de períodos de gestão administrativa. Não se trata de números apenas: interessam as estratégias de prevenção de incidentes, fiscalização, saneamento de parasitas e outros agentes de enfermidades, bem como a qualidade técnica dos serviços prestados. É importante a seleção de espécies mais apropriadas, prioritariamente nativas regionais, com a retomada do Viveiro Municipal da SMAMS, locais de novos plantios para a substituição e a compensação mais criteriosa das árvores a serem suprimidas. É necessária a fiscalização de canteiros e calçadas que sufocam as bases das árvores, podas de manutenção e prevenção, que respeitem a sazonalidade dos indivíduos, a fauna arborícola, o controle de espécies vegetais exóticas invasoras, em áreas rurais e naturais, entre tantas demandas negligenciadas e urgentes.

Enfim, com o triste e emblemático episódio ainda em andamento para a definição do futuro do majestoso Guapuruvu da rua 24 de Outubro, este Movimento vem demandar o resgate, a aplicação e o respeito ao Plano Diretor de Arborização Urbana de Porto Alegre. Por uma cidade mais verde, biodiversa e mais humanizada!

Porto Alegre, 30 de outubro de 2020

Movimento em Defesa do Guapuruvu e da Arborização de Porto Alegre

Subscrevem essa carta:

Acesso – Cidadania e Direitos Humanos

ACOMAZS – Associação Comunitária dos Moradores e Amigos da Zona Sul

AGAPAN – Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural

AHCCH – Associação das Hortas Coletivas do Centro Histórico (P. Alegre)

AMBI – Associação dos Moradores do Bairro Ipanema

APEDeMA/RS – Assembleia Permanente de Entidades em Defesa do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul

ASFEPAM – Associação de Servidores da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler

Associação Moradores e Amigos da Auxiliadora

Atuapoa – Todxs Nós

CCD – Centro Comunitário de Desenvolvimento da Tristeza, Pedra Redonda, Vilas Conceição e Assunção

Coletivo Cidade Que Queremos

Coletivo ProsperArte

CEC/RS – Conselho Estadual de Cultura

CUT/RS – Central Única dos Trabalhadores do Rio Grande do Sul

DAIB/UFRGS – Diretório Acadêmico do Instituto de Biociências – UFRGS

Fórum Estadual de Entidades em Defesa do Patrimônio Cultural Brasileiro

Frente pelo Clima

Fundação Gaia

GADH – Gestão de Acervos e Direitos Humanos

Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental CNPq/UFRGS

Grupo de Voluntários do Greenpeace – Porto Alegre

GVC – Grupo Viveiros Comunitários – Extensão Bio/UFRGS

GUAYÍ – Democracia, Participação e Solidariedade

IAB/RS – Instituto de Arquitetos do Brasil Departamento do Rio Grande do Sul

InGá – Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais

Instituto Biofilia

IBDU – Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico

Instituto Econsciência

Luiz Armando Silva & Souza Advogados Associados

Marcha Mundial das Mulheres

MJDH – Movimento de Justiça e Direitos Humanos

Movimento Biomédic@ em Foco

Movimento Chega de Demolir Porto Alegre

Movimento Preserva Zona Sul

NAT/Brasil – Núcleo Amigos da Terra Brasil

NEJ/RS – Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul 4

ONG Madre Tierra

ONG Resistência Participativa/Despertar Coletivo

Preserva Belém Novo

Região de Planejamento 1 – Região Central de Porto Alegre

RENAP – Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares

Reciclagem Ksa Rosa – Organização de Preservação Ambiental

SAG – Sociedade Amigos do Guarujá

SindiBancários – Sindicato dos Bancários de Porto Alegre e Região

Sindecon/RS – Sindicato dos Economistas do Rio Grande do Sul

Sitio Verde Viver – Educação Ambiental

Socecon/RS – Sociedade de Economia do Rio Grande do Sul

UAMPA – União das Associações e Moradores de Porto Alegre

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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