Opinião
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16 de outubro de 2020
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10:18

Retomando a luta nacional (por Paulo Paim)

Por
Sul 21
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Senador Paulo Paim (PT-RS) | Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Paulo Paim (*)

É de elevada importância que a sociedade brasileira se mobilize para exigir o retorno da Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo, interrompida pelo atual governo. O Congresso Nacional precisa, urgentemente, pautar esse tema.

No ano de 2005, a Comissão Mista Especial do Salário Mínimo – Câmara e Senado – a qual fui relator, percorreu o país, dialogando e recebendo sugestões por meio de audiências públicas. Estivemos em quase todas as capitais.

O relatório final deste colegiado sugestionou mecanismos de reajuste de acordo com a inflação do período mais a variação do PIB dos últimos dois anos, extensivo às aposentadorias e pensões.

Paralelamente, os movimentos social, sindical e de aposentados se movimentavam em atos nacionais, realizando marchas em defesa da valorização do salário mínimo. Em 2006, houve um aumento expressivo e em 2007 um aumento real do mínimo.

Após muita concertação, isso já em 2011, foi sancionada pela Presidência da República a Lei 12.382, que teve como base o relatório da Comissão Mista Especial – criando, assim, oficialmente, a Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo.

Nos governos Lula e Dilma, o salário mínimo obteve os mais altos ganhos. Saímos de uma variação, de décadas, entre 50 e 80 dólares e ultrapassamos a marca de 100 dólares, alcançando cerca de 350 dólares. Fato inédito.

Isso só foi possível pela determinação política e econômica voltada para o desenvolvimento social e de forte combate à pobreza e à miséria. Sem dúvida, o país deu um enorme salto de qualidade na melhoria da vida de milhões de brasileiros.

Hoje ele está em R$ 1.045, um dos mais baixos do mundo, o que equivale a 186,6 dólares (câmbio de 14 de outubro). Com o fim da Política Nacional de Valorização, a tendência é que ele despenque ainda mais.

O salário mínimo é um poderoso instrumento de distribuição de renda, mesmo se considerarmos o trabalho informal. Funciona como referencial para valores pagos ao trabalhador, mesmo que esse não tenha carteira assinada. O aumento da renda faz aumentar o consumo e a produção, criando um círculo virtuoso.

Opera como gerador de emprego, propiciando uma melhora na situação do comércio local – mercados, padarias, bodegas, feiras, lojas – aplicando oxigênio na arrecadação dos municípios. Todos ganham. Direta e indiretamente mais de 100 milhões de pessoas dependem dele.

Estudo do Dieese, de 2014, mostrou que nas negociações coletivas de trabalho foram expressivos os impactos da política de valorização do salário mínimo. Os menores valores pagos às diferentes categorias foram afetados positivamente.

Também indicou que a elevação do salário mínimo aumentou o valor dos benefícios dos aposentados e dos pensionistas. Por preceitos constitucionais, ele constitui o piso da Seguridade Social.  Por lei também estabelece o piso do seguro-desemprego.

O país possui 35 milhões de aposentados do INSS; 70% deles sobrevivem com 1 salário mínimo, ou 24,5 milhões; 43% dos brasileiros com mais de 60 anos são arrimos de família; 64% dos municípios dependem da renda dos beneficiários. Vejam a importância da valorização do mínimo.

Um momento ímpar da Assembleia Constituinte de 1988 foi quando nós constituintes aprovamos o salário mínimo como direito do trabalhador; estabelecemos a unicidade do valor em todo o país e definimos que os gastos familiares de todos os brasileiros devem ser cobertos por ele.

Estamos falando das despesas com alimentação, educação, saúde, moradia, lazer, vestuário, higiene, transporte, entre outros. Para fazer essa cobertura, o Dieese calcula que o valor de setembro deveria ser de R$ 4.892,75 para uma família com dois adultos e duas crianças.

O valor idealizado pela Constituição Cidadã está muito distante, mas continuamos perseguindo, perseverando sempre.  Agora, acabar com a Política de Valorização do Salário Mínimo foi um erro crasso, imperdoável.

Os preços ao consumidor não param de subir: leite, ovos, carne, arroz, feijão, batata, tomate, banana, óleo, gás, luz, água, combustíveis. Os alimentos básicos estão tão caros que, somente em setembro, eles comprometeram 51,22% do salário mínimo.

O país não suporta mais os altos índices de desemprego, de pobreza e de miséria. Poderemos voltar ao Mapa da Fome. Existem 10,3 milhões de pessoas famintas e 44% das famílias rurais sofrem com insegurança alimentar, conforme o IBGE.

Além de tudo isso, a taxa de desemprego da população jovem de 18 a 24 anos está em quase 30%. Especialistas afirmam que, até o final do ano, poderemos ter quase 30 milhões de desempregados no Brasil. Cenário muito cruel.

O Institute of International Finance aponta que o crescimento da nossa economia em 2021 ficará abaixo da média global e da América Latina. Ou seja, teremos mais um ano perdido. O FMI projeta que o endividamento do Brasil, em 2020, será 101,4% do PIB. Se não bastasse, temos a maior concentração de renda do mundo.

É uma questão humanitária manter o auxílio emergencial de R$ 600 até o final deste ano e, da mesma forma, manter e expandir o programa Bolsa Família.

Precisamos também regulamentar a Lei 10.835/2004 (Renda Básica Universal de Cidadania), aprovar o PL 3.657/2020, que cria o 14º salário emergencial aos aposentados e, obviamente, resgatar a valorização do mínimo.

Temos pela frente um enorme desafio: sair desse caos social e econômico, enfrentar o descaso do governo para com as gerações presentes e futuras.  O combate a tudo isso não pode ser tolerante com a acomodação servil e política.

A retomada da luta nacional passa pela unidade das forças humanistas, populares, progressistas e em defesa do meio ambiente e pelo caminho reto e intransigente da Política Nacional de Valorização do Salário Mínimo – esteio histórico e transformador para alcançarmos um Brasil justo, igualitário e soberano.

(*) Senador Paulo Paim (PT/RS). Presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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