Opinião
|
6 de julho de 2020
|
13:21

Primeira-Ministra da Nova Zelândia comemora vitória da ação coletiva: “agimos como um time de 5 milhões” (por Antonio Lima)

Por
Sul 21
[email protected]
Primeira-Ministra da Nova Zelândia comemora vitória da ação coletiva: “agimos como um time de 5 milhões” (por Antonio Lima)
Primeira-Ministra da Nova Zelândia comemora vitória da ação coletiva: “agimos como um time de 5 milhões” (por Antonio Lima)

Antonio Lima (*)

Jacinda Ardern vem surpreendendo o mundo, desde sua eleição como Primeira-Ministra da Nova Zelândia, em 2017. Naquele ano, surgiu como nome novo do Partido Trabalhista (NZ Labour Party), substituindo o então líder do partido, Andrew Little, menos de dois meses antes das eleições. Agora, buscando sua reeleição em 2020, surpreende novamente. Mesmo em meio à Pandemia global de Covid-19, bate recordes como a Primeiro-Ministra com maior aprovação na história do país. E lança sua campanha destacando a vitória coletiva do país, na luta contra o novo Coronavírus, “como um time de 5 milhões”. Priorizando a unidade nacional, em discurso e práticas diferentes de outros importantes líderes mundiais.

Jacinda Ardern, Primeira-Ministra da Nova Zelândia (Facebook/Reprodução)

Neste sentido, é curioso como Jacinda surpreendeu a todos já em 2017, formando um governo inesperado e que superou uma hegemonia de três mandatos seguidos dos conservadores no país. Em uma reeleição que já era dada como certa na época. Entretanto, Jacinda trouxe um novo ar para o Partido Trabalhista naquele momento. E mesmo ficando atrás dos conservadores em números de voto no Parlamento, soube construir uma coalizão inédita com os Verdes (Green Party of Aotearoa NZ) e um partido de centro (NZ First) que já havia inclusive composto governo com os conservadores.

Assim Jacinda, então com 37 anos de idade, se tornava a Primeira-Ministra mais jovem da história da Nova Zelândia, e uma das mais jovens da história mundial. E sua lista de “surpresas” poderia ir adiante. Como quando se tornou a primeira líder mundial a amamentar em público durante uma Assembleia Mundial da ONU. Ou por sua atitude firme e ao mesmo tempo profundamente solidária quando do atentado cometido por um terrorista de extrema-direita contra muçulmanos, em Christchurch. Ou em sua resposta a explosão do Vulcão Whakaari. Mas sua liderança no combate ao novo Coronavírus talvez tenha justamente coroado seu novo perfil de liderança.

Este inclusive é um tema que merece futuras análises. Mas, em poucas palavras, Jacinda optou por uma resposta “rápida e firme”, em suas palavras. Desde janeiro seu governo já vinha monitorando a situação na Ásia, e posteriormente na Europa, sempre seguindo as orientações da Organização Mundial da Saúde. O primeiro caso confirmado na Nova Zelândia se deu em 28 de fevereiro. Já no início de março, as primeiras medidas públicas de isolamento já foram orientadas pelo governo no país. A partir de 16 de março, o isolamento de 14 dias passou a ser obrigatório a todos que chegassem a seu território. E na mesma data, Jacinda já solicitava à população que evitasse aglomerações e avisava que quanto mais frágil fosse a resposta coletiva, maior e mais longa seria a crise, inclusive econômica.

Já no dia 18 de março, o Ministro das Finanças Grant Robertson anunciou um Pacote Econômico histórico, de 6% do PIB, para manter empresas, empregos e renda para toda a população, incluindo imigrantes. No dia seguinte, foram proibidas reuniões com mais de 100 pessoas em todo território nacional. E anunciado a todo o país que indivíduos e empresas precisariam se preparar para medidas mais restritivas que em breve seriam necessárias.

Dia 21 de março, Jacinda anunciou o sistema nacional de alerta à Covid-19, inspirado nos sistemas de alarme para incêndios e desastres nacionais. Ele iria avançar no nível 1 ao 4, de acordo com o risco de transmissões e rigidez nas medidas de isolamento. Imediatamente o país entrava em alerta número 2, e todas as pessoas com mais de 70 anos ou comorbidades ficariam proibidas de sair de casa. O governo lhes garantiria auxílio financeiro se necessário, e sistemas de ajuda-mútua voluntária entre vizinhos foram acionados. A Primeiro-Ministra foi decisiva neste movimento, conclamando a população a agir de forma “brava e gentil”, firme, mas solidária.

Dois dias depois, Jacinda elevou o alerta nacional para nível 3, fechando todas as escolas e universidades, e anunciou que às 23h59 minutos do dia 25 de março todo o país entraria em lockdown por pelo menos 4 semanas, para segurar, “com firmeza e rapidez”, o avanço do vírus, como anunciado semanas antes. A própria Primeira-Ministra daria o exemplo, mantendo inclusive isolamento de sua filha única (de menos de 2 anos), que ficaria aos cuidados de seu companheiro. E um novo pacote de aproximadamente 20% do PIB foi anunciado para medidas de emergência.

O governo então negociou diretamente com empresas para garantir a manutenção dos empregos, e comprometeu-se a complementar salários onde necessário. Negociou com bancos para garantir que ninguém fosse despejado por atrasos no pagamento de financiamentos. As atividades do estado, bem como a maior parte das empresas, converteram seus serviços para atendimento online. Foi montado um comitê suprapartidário de resposta à pandemia, garantindo que 2/3 do comitê seria composto por membros da oposição.

No dia 29 de março a Polícia da Nova Zelândia lançou um serviço online para receber denúncias sobre pessoas ou empresas quebrando a quarentena. Durante este período, apenas serviços essenciais (como supermercados, farmácias e hospitais) poderiam abrir. E só poderia sair de casa uma pessoa por vez, e se comprovasse que estava indo até um destes serviços. Todos os ministros do governo e chefes do serviço público teriam um corte de 20% em seus salários. E de forma conseguinte, o então líder da oposição, Simon Bridges anunciou que faria o mesmo em seu salário.

Em 16 de Abril, a Primeira-Ministra  já possuía dados que lhe permitiriam anunciar as futuras regras quando reduzido o alerta nacional para o nível 3. Este entraria em vigor às 23h59 do dia 27 de abril, e teria a duração de 2 semanas. Neste período, os dados indicariam se o próximo alerta poderia ser reduzido ao nível 2 ou retornado ao 4. Para tanto, o engajamento coletivo de toda a nação seria ainda essencial. Assim, no dia 6 de maio Jacinda anunciou que no dia 11 o país poderia baixar seu alerta para o nível 2. Chamado de “uma versão mais segura do normal”, atividades recreativas e negócios poderiam ser retomados, mas com o reforço do distanciamento, higiene e registro dos clientes, e não mais de 100 pessoas reunidas.

A propósito, uma das grandes marcas da estratégia neozelandesa foi não apenas o isolamento das famílias, mas o controle sobre cada caso em particular. Todos com sintomas deveriam ser testados. E em casos positivos, se rastreavam todos os contatos e deslocamentos da pessoa. Tudo para evitar o espalhamento do vírus. Mas esta estratégia merece um aprofundamento específico em futuro artigo. Assim como as “10 regras de ouro” para o alerta nível 1, que seria iniciado em 9 de junho.

Com tamanho controle e unidade de ação, a Nova Zelândia foi capaz de, até 5 de julho, ter apenas 1533 pessoas infectadas e 22 mortes. Por comparação, tendo a Nova Zelândia uma população 42 vezes menor que o Brasil, seguindo seu exemplo, nosso país poderia ter tido menos de mil mortes pela Covid-19, e não as 65 mil atuais (apenas entre casos confirmados).

É por isso que Jacinda pode lançar uma campanha comemorando a atuação nacional vitoriosa de “um time de 5 milhões de pessoas”. Porque foi exatamente isso que ela construiu, e este parece ser o espírito que o país deseja manter no próximo período. Ao menos é o que indicam as últimas pesquisas, com aprovação de mais de 50% para seu partido (a maior da sua história), e aprovação pessoal da Primeira Ministra em 54%. Enquanto isso, seu principal adversário, Todd Muller, do Partido Nacional, aparece com 13%, após leve crescimento na aprovação de seu partido, segundo a mais recente pesquisa, lançada pela TVNZ 1 News, em 25 de junho.

(*) Mestre em Sociologia pela UFRGS e  Pós-graduação pela SIT/Nova Zelândia 

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora