Marcelo Sgarbossa (*)
No debate sobre ensino a distância na pandemia, a exclusão social escancara a impossibilidade de aplicar qualquer modelo para a educação pública sem disponibilizar internet livre para estudantes. Em Porto Alegre, no início de junho, o prefeito anunciou uma plataforma digital para cerca de 40 mil alunos da rede municipal de ensino, sem prover o acesso à rede mundial de computadores de forma gratuita.
Após 100 dias sem aulas presenciais, sem enviar orientações às escolas, o prefeito falou à imprensa que contrataria um pacote de dados com as operadoras de telefonia para acesso ao Córtex. Porém, quase dois meses após o anúncio, essa hipótese não se concretizou. As escolas receberam a ordem de implantar a plataforma, sem o pacote de dados, como meio de dar continuidade às aulas e manter o vínculo com alunos. Assim, como acontece desde que Marchezan assumiu a prefeitura, professores e diretores precisam se virar para implantar diretrizes impostas sem diálogo.
Pesquisa recente aponta que metade da população mais pobre (48% das classes D e E) não tem acesso à internet. Localizadas majoritariamente na periferia, as escolas municipais tem recebido relatos de que muitas famílias em situação de vulnerabilidade estão vendendo até o celular para garantir outras prioridades. Para além de ter o equipamento, a questão é acessar a rede sem custos.
É inegável que a internet é uma ferramenta que pode ser usada de modo muito positivo para ampliar conhecimento. O ensino remoto é um meio que complementa e reforça muitos conteúdos de forma combinada com o presencial. E sua implantação deveria estar em estágio bastante avançado – tanto na rede pública como privada, dado a irrefutável importância da conexão digital. Não deveria ser mais um fator de exclusão. E justo daqueles que já tem pouco.
Sem considerar os dados do IBGE deste mês, que apontam evasão escolar de 20% na faixa dos 14 aos 29 anos, na maioria de jovens pretos ou pardos. Soma-se ainda, na Capital, o déficit de mais de oito mil vagas na Educação Infantil.
Aliás, nesses quase quatro anos da atual gestão, a educação foi tratada como adversária, com um conjunto de imposições e ausência de assessoria pedagógica, alteração de rotinas, desmonte de laboratórios, fim do Ensino Médio, aumento de distância para alunos da EJA, mudança em métodos e normativas consagradas pelos bons resultados. Essas medidas desestruturantes contribuem para o adoecimento e licença saúde de cerca de 30% do quadro.
Se a inclusão digital e a educação pública de qualidade fossem prioridade, estes quesitos estariam presentes nas ações do gestor municipal. Mas, sem meias palavras, a cidade está à venda desde o primeiro dia de governo, com serviços já terceirizados na saúde, assistência social e educação! Estão na fila Dmae, Carris, Mercado Público, equipamentos de cultura, só para citar alguns. E a Companhia Municipal de Processamento de Dados – Procempa, instrumento público que poderia fazer a diferença para a internet livre e suporte a vários serviços.
A pandemia explicita características das prioridades dos governos. O prefeito tirou dinheiro da saúde para publicidade. A pedido da Bancada de vereadores do PT e do Conselho Municipal de Saúde, o Ministério Público de Contas mandou Marchezan parar de veicular propaganda para a reeleição com dinheiro do Fundo Municipal da Saúde.
A evidência de que serviços públicos são fundamentais para a vida, mais do que nunca, é o SUS. Sem ele, outras milhares de vidas seriam perdidas para a Covid-19.
Que esse longo período assolado pelo coronavírus contribua para a reflexão de que tipo de vida e sociedade queremos no pós-pandemia. Se desejamos governos que cortam e atacam o SUS e a educação pública, ou os que optam em cuidar da vida e reduzir desigualdades. São escolhas políticas. Se optamos por governos dedicados a proporcionar privilégios para os amigos, ou para a construção de cidades mais humanas, onde também se coloque a inclusão digital como um dos fatores para a cidadania.
(*) Marcelo Sgarbossa é vereador do PT em Porto Alegre
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