Opinião
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17 de julho de 2020
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12:55

Da lama ao caos: um ano e meio do Governo Bolsonaro (por Christian Velloso Kuhn)

Por
Sul 21
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Da lama ao caos: um ano e meio do Governo Bolsonaro (por Christian Velloso Kuhn)
Da lama ao caos: um ano e meio do Governo Bolsonaro (por Christian Velloso Kuhn)
Desde que foi eleito, Jair Bolsonaro cada vez se cercou mais de militares em seu governo. Foto: Marcos Correa/PR

Christian Velloso Kuhn (*)

Já nos encontramos no início do segundo semestre de 2020, passados 562 dias, e nunca um governo como o de Bolsonaro plantou tantas polêmicas e celeumas sem produzir nada de satisfatório e útil para o país. A sensação é a mesma de permanecer horas lendo mensagens no celular, que pouco acrescentam e informam tampouco. O governo Bolsonaro é uma completa perda do nosso tempo…e quiçá das nossas vidas.

Enquanto o país convalesce por causa do avanço da pandemia, o governo Bolsonaro está fechando pouco mais de um ano e meio com quase dois milhões de brasileiros infectados (equivalente à população da cidade de Curitiba, a 8ª mais populosa do país) e mais de 75 mil mortos (atrás apenas dos EUA em número de mortes) pela COVID-19, sem ministro da saúde há dois meses. O mesmo acontece na área da Educação, sem titular da pasta há quase um mês (embora seja difícil de afirmar que tenha havido algum desde janeiro de 2019). No Meio Ambiente, sofremos com uma forte aceleração no desmatamento de todos os tempos, implicando pedidos de impeachment do ministro Salles. Por sua vez, nas Relações Exteriores, assim como seus colegas, Ernesto Araújo coleciona falas constrangedoras e atos abstrusos, que comprometem inclusive nossas contas externas e relações diplomáticas com outros países.

Na economia, as perspectivas são completamente catastróficas. A atual projeção é de queda da atividade econômica de -6,1% (Boletim Focus do Banco Central) a -9% (FMI) no PIB, um resultado jamais visto desde o início do século XX. Caso tais números se confirmem, o PIB recuará de -5% a -8% nos dois primeiros anos do governo Bolsonaro, o pior desempenho do início de uma gestão em igual período. A taxa de desemprego elevou para 12,9% em maio/2020, ante 11,6% em fevereiro/2020, antes do início da pandemia. Não casualmente, essa era a mesma taxa registrada no último trimestre de 2018, o que demonstra que até a iminência do coronavírus, essa variável se encontrava estagnada. Desde a pandemia, já são 1,3 milhões de empresas fechadas temporária ou definitivamente, sendo que 523 mil (39%) devido à COVID-19, sendo mais de 99% de pequeno porte. Muito desses números na economia não se devem apenas à doença, mas à inércia e inépcia do ministro Guedes, no auge de sua petulância e incompetência, para controlar a crise econômica ocasionada por ela e retroalimentada pelo governo federal.

Outra estatística impressionante que talvez ajude a ilustrar o fracasso do atual governo são os 46 pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro, cerca de um pedido a cada 12 dias desde o início de sua gestão, em que o primeiro está há 491 dias em apreciação. Sem sombra de dúvidas, nenhum dos seus antecessores conseguiu um feito negativo dessa proporção na primeira metade de seu governo. De acordo com levantamento da Agência Pública, são 34 temas, sendo o mais recorrente a denúncia de intervenção na PF, acusação que partiu do seu ex-ministro da Justiça, Sérgio Moro. Desde a sua saída, foram 16 pedidos protocolados na câmara. Outros temas frequentes são “apologia à ditadura militar, presença em manifestações antidemocráticas, ataques à imprensa e a postura diante da pandemia do coronavírus”. Algum simpatizante bolsonarista poderia contrapor alienadamente que se tratam de ações orquestradas pela esquerda, algo que cai por terra quando se avalia que até mesmo ex-aliados de Bolsonaro protocolaram pedidos, tais como os deputados federais Joice Hasselman (PSL) e Alexandre Frota (PSDB). Com tantos atos insanos, Bolsonaro consegue inclusive induzir a união contra ele de adversários históricos da esquerda à direita, por pura questão de bom senso. Isso pode ser visto também em movimentos como Janelas pela Democracia, ou na recente carta escrita por ex-presidentes do Banco Central e ex-ministros da Fazenda dos governos Sarney a Dilma, receitando que a retomada da economia seja com preservação ambiental.

Não obstante, Bolsonaro tem mantido 33% de avaliação ótima ou boa de seu governo, segundo a última pesquisa do Instituto Datafolha de 28 de maio de 2020. Todavia, sua reprovação subiu para 43%, contra 38% em abril/2020 e 36% em dezembro/2019. Muito em virtude da resistência dessa minoria, apoiada por necroempresários que defendem a flexibilização da quarentena, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, vem contendo o avanço dos pedidos de impeachment, argumentando que não há apoio político suficiente para sua aprovação, esperando chegar o momento oportuno. Vale lembrar que por muito menos, a presidente Dilma teve seu mandato impedido por esse mesmo congresso quando havia cumprido igual período de governo. Tampouco se observa movimento diferente no STF, instituição que assiste a Constituição – a qual jurou ser sua guardiã – ser vilipendiada diariamente pelo chefe e demais membros do executivo. Nem mesmo as diversas e reiteradas denúncias de corrupção envolvendo Bolsonaro e seus filhos têm se mostrado eficazes para reduzir a sustentação do atual governo. Concomitantemente, estão em andamento oito ações de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão que correm no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem nenhuma prosperar até o momento.

Desse modo, somos obrigados, atônitos e impotentes, a assistirmos Bolsonaro e seus ministros asseclas desgovernando e desperdiçando recursos valiosos para mitigar os efeitos recessivos sobre o emprego e a renda e simultaneamente conter o avanço da pandemia, que mantém tendência ascendente no número de infectados e mortos por coronavírus. Com seu diversionismo cotidiano, estratégia adotada desde o começo do governo, Bolsonaro desvia a nossa atenção daquilo que é mais relevante para o país, apontando para o que o General Villas Boas descreveu como falta de um projeto nacional. Está por demais claro que o único projeto de Bolsonaro é sua permanência no poder, mesmo que à custa das vidas de centenas de milhares de brasileiros.

O presidente pouco se importa com essas inestimáveis perdas. O bolsonarismo, movimento acrítico e acéfalo, é a legitimação desse bolsocentrismo. Em meio a uma pandemia sem precedentes, Bolsonaro preconiza a caotização do caos e chafurda na lama do descaso com a população. Levitsky e Ziblatt (2018), no seu best-seller “Como as Democracias Morrem”, elencam quatro indicadores contendo 15 perguntas para definir o comportamento autoritário do líder de uma nação e quanto ele compromete o sistema democrático do país. Aplicados a Trump, o atual presidente norteamericano cumpre todos os quatro indicadores. Como não poderia deixar de ser, Bolsonaro também preenche todos os critérios.

Por conseguinte, dado esse cenário nefasto, a melhor solução se encontra nas mãos do presidente da Câmara, do STF e do TSE. A cada dia que se omitem por inação, agravam sua cumplicidade com os crimes de responsabilidade cometidos pelo autoritário presidente Bolsonaro. Quanto mais passa o tempo, maior será a tragédia e os sacrifícios que serão exigidos da população. Quando (e se) a pandemia passar, a indignação acumulada do nosso povo pode chegar a níveis incontroláveis. Provavelmente, até o final desse ano. Para o bem de nossa população, esperamos que não seja necessário e possível realizar um novo diagnóstico desse governo completando dois anos de existência.

(*) Professor e Economista. Doutor em Economia do Desenvolvimento na UFRGS, Instituto PROFECOM

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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