Opinião
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30 de junho de 2020
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14:18

Um mais um mais um serão milhões (por Luísa Gomes Rosa)

Por
Sul 21
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Luísa Gomes Rosa (*)

Por trás dos impulsos autoritários do Presidente da República, ultimamente barrados pelo Congresso e pelo Supremo Tribunal Federal, e do atual tensionamento entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, um projeto comum vem se consolidando com o amparo dos três poderes: o projeto de uma sociedade neoliberal marcada, concomitantemente, pela valorização do capital e pela precarização do trabalho.

Aliada às reformas trabalhista e previdenciária e à terceirização, a ausência quase completa de regulamentação acerca das condições de trabalho dos entregadores (e também dos motoristas) de aplicativos revela que, aos poucos, a ideia de Estado Social inserida na Constituição de 1988 vem sendo abandonada.

Reprodução/Facebook

Para completar o cenário desastroso que já vinha se desenhando, o ano de 2020 vem acompanhado pela pandemia do novo coronavírus e pela necessidade de isolamento social, que escancaram ainda mais as desigualdades que assolam o país.

E é neste cenário de aprofundamento do projeto de precarização do trabalho que os entregadores de todo o Brasil estão programando, através das redes sociais, uma grande manifestação para esta quarta-feira, primeiro dia de julho.

Diante do aumento da carga horária de trabalho e queda da remuneração, somadas à falta de itens básicos de higiene para prevenção da Covid-19, o movimento #BrequeNosApps reivindica o aumento do valor por quilômetro rodado e da taxa mínima, o fim dos bloqueios arbitrários e do sistema de pontuação, a concessão de seguro para furtos, roubos e acidentes, e o pagamento de auxílio para os entregadores contaminados pelo novo coronavírus.

A ideia de “autonomia” oferecida aos “colaboradores” das gigantes multinacionais da tecnologia já se revelou uma falácia, e a mobilização desta quarta-feira precisa ser um ponto de partida para a rediscussão da regulamentação destas atividades. O Estado Social eleito pelo legislador constituinte não comporta estas relações de trabalho, ao menos na forma em que estão postas no momento.

Já há exemplos no mundo de taxas de funcionamento para essas empresas, e o dinheiro arrecadado pode ser utilizado na adoção de medidas concretas que deem dignidade aos profissionais.

O sonho de um novo futuro trabalhando com aplicativos passou, e durou pouco. É hora de lidar com a realidade. Se é bem verdade que defendemos a Constituição Federal e os diretos nela assegurados, não nos esqueçamos: a livre iniciativa, um dos fundamentos da nossa ordem econômica, é precedida – e não por acaso – pela valorização do trabalho humano.

(*) Advogada

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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