Opinião
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27 de junho de 2020
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16:29

Escritores, jornalistas e política em tempos de coronavírus (por Jorge Barcellos)

Por
Sul 21
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Escritores, jornalistas e política em tempos de coronavírus (por Jorge Barcellos)
Escritores, jornalistas e política em tempos de coronavírus (por Jorge Barcellos)
Jair Bosonaro  (Reprodução/Youtube)

Jorge Barcellos (*)

Há um caso emblemático envolvendo escritores, jornalistas e política na pandemia. Em entrevista ao Jornal Folha de São Paulo, Lya Luft, uma das escritoras mais importantes do Rio Grande do Sul, disse estar arrependida de ter votado em Jair Bolsonaro “Não conhecia direito”, diz. Luft é apenas um exemplo das pessoas escolarizadas, com acesso a informação, com domínio da razão e figura pública que compõe parte da elite que ajudou a eleger o presidente Jair Bolsonaro. A reação de certa imprensa em sua defesa é interessante para revelar as alianças que tecem escritores, jornalistas e suas estratégias na disputa ideológica entre direita e esquerda no Brasil e como sua crítica pode ensinar algo nos tempos de pandemia.

O nó entre os atores dá-se pelo fato de que a arrependida Luft é articulista do jornal Zero Hora, que publicou uma matéria chapa branca sobre a declaração (disponível em https://bit.ly/3dB223t): reportagem vai da citação da declaração polêmica à seu livro mais recente, matéria de autoria da Folha Press e não detalha o debate que provocou nas redes sociais, e, além disso, o jornal não publicou nenhum artigo de opinião sobre o caso. O curioso, portanto, do ponto de vista da agenda jornalística, é publicar uma defesa de Luft (disponível em https://bit.ly/381g2SY) sem ter pautado antes os detalhes das críticas que a autora recebeu. A defesa, de autoria do jornalista David Coimbra, não detalha quais os autores e o que diziam sobre o arrependimento da autora. Tudo o que passamos a saber é através da opinião do jornalista, para quem Luft é mais uma vítima da patrulha ideológica “como a nuvem de gafanhotos que assola a Fronteira Oeste. Uns foram condescendentes, outros debocharam, muitos a insultaram.” O que considero interessante no debate é a forma como os termos são reelaborados, a agenda pública é ressignificada e as opções à direita e a esquerda são expostas, pois meu objetivo aqui é revelar as estratégias à direita que são utilizadas por determinados veículos de comunicação para encaminhar a opinião pública contra a esquerda.

Encontrei sete estratégias jornalísticas em seu discurso de ocultação do significado real do debate em torno do caso Luft que entendo que merecem debate. A primeira estratégia é divulgar generalizações. Generalizar é um fato perigoso no jornalismo, que vive do esclarecimento de posições. O jornalista poderia ter situado melhor quem critica Luft: não eram “ilustres desconhecidos” das redes sociais, ao contrário, eram pensadores importantes do panorama intelectual nacional, como o filósofo Roberto Romano, o sociólogo Rudá Ricci e o psicanalista Tales Ab’Sáber, que traziam avaliações sobre o significado de seu arrependimento. Romano argumenta que a responsabilidade de uma pessoa aumenta na medida de suas informações intelectuais; Ricci aponta a necessidade de abrirmos o debate sobre o arrependimento da direita que votou em Bolsonaro e Ab’Sáber aponta o problema do conservadorismo da escritora, mas reconhece que se trata de uma questão de classe repaginada. São argumentos importantes que o jornalista considera irrelevantes já que arrependimento é isso mesmo, ele mesmo não votou em Bolsonaro mas já se arrependeu do voto e justifica pela erudição “A palavra “voto” vem do latim. Significa promessa, desejo. Nem sempre se cumpre”. Outra generalização do jornalista que poderia ter aprofundado mais seus argumentos. Para começar, ao invés de usar uma definição de dicionário, poderia pesquisar mais porque voto não é algo assim tão simples de definir: Walter Costa Porto na obra Dicionário do Voto (Imprensa Oficial, 475 páginas) mostra que não existe esse singular “o voto”, somente o votante é singular, há quarenta e dois tipos de voto a se definir, sendo o voto secreto apenas um deles. Entender as características do ato de votar, seu significado histórico e a responsabilidade do eleitor sobre o gesto diz muito como exercemos nossa cidadania em relação a nossa comunidade.

A segunda estratégia é omitir temas fundamentais. Surpreende que na defesa que Coimbra faz de Luft não exista um pouco mais da história da conquista do voto feminino no Brasil. Há inúmeras obras a respeito, mas vou citar apenas uma, O voto feminino no Brasil de Teresa Cristina de Novaes Marques e Fabrizia Posada (Imprensa Nacional, 2019, há uma versão eletrônica em https://bit.ly/2VmeCgR) bem leve e de fácil leitura, como os artigos do jornalista. A diferença é que é possível entender como foi a longa jornada das mulheres para conquistarem o direito de votar. A exclusão feminina era a regra até o inicio do século passado e feministas de grande valor lutaram por ele e Porto, em sua História do Voto também defende o respeito a essa história: ele cita Stuart Mill para quem “Todos os seres humanos tem o mesmo interesse em ter um bom governo; o bem estar de todos é igualmente afetado por ele, e todos tem direito a uma voz para garantir sua porção de benefícios” – a citação retirada pelo autor de sua obra Considerações sobre o Governo Representativo, para ser exato (Brasília, Ed. UnB, 1981, p. 77). Porto lembra que o voto da mulher passou a ser debatido na Constituinte de 1890 e três deputados defenderam que ele fosse concedido “às mulheres diplomadas com títulos científicos e de professora”. Mesmo recusada, apontava que o legislador via como privilegiada as mulheres instruídas, com formação superior, como é o caso de Luft.

Foi somente o Código Eleitoral de 1932, elaborado no contexto do governo provisório, que estendeu às mulheres o direito ao voto. É verdade, entretanto, reconhece o autor, que mulheres já haviam se alistado em alguns municípios anteriormente, naquilo que denomina de “transição mansa e pacífica” do direito ao voto no Brasil. A Constituição de 1934 confirmou o alistamento feminino que se tornou uma conquista das mulheres e a Constituição de 1946, se quer se mencionava o sexo, resumindo-se ao sufrágio como dados aos maiores de dezoito anos. E ponto. Essa história de lutas não terminou por colocar nas mulheres das gerações seguintes o dever de honrar a luta de suas antepassadas? Essa história não é um pedido dirigido às gerações posteriores de mulheres para que fizesse um esforço a mais na hora da escolha do voto? Eu imagino que essas inúmeras militantes, se estivessem vivas, ficariam chocadas em saber que, tempos depois, uma mulher com as capacidades de Luft foi capaz de votar em um candidato declaradamente misógino como Jair Bolsonaro. Luft transformou a herança de uma geração, com seu voto, num voto “estéril” como denomina Porto, um voto “que não pode produzir frutos “(Porto, p.445).

A terceira estratégia é ressignificar o discurso criticado. Coimbra continua rebatendo criticas a Luft que seu jornal não publicou dizendo que não é obrigação da escritora votar nos candidatos dos críticos de esquerda. Aqui é o problema: não é verdade que o debate pedia o voto de Luft em Haddad: Luft foi criticada porque votou no pior candidato possível, pois é uma eleitora esclarecida e por isso não podia dizer que foi enganada por Jair Bolsonaro. Se tinha dúvidas, bastava consultar seus inúmeros amigos intelectuais que lhe ofereceriam outra opção que nem seria, afinal, Luft é… de direita. Ninguém esperava que uma escritora que publica artigos na Revista Veja com críticas ao MST, por exemplo, fosse fazer outra opção de classe, mas qualquer outra opção mais ao centro seria melhor que a opção por Jair Bolsonaro. Essa ressignificação da critica ocorre pela posição defensiva assumida pelo jornalista e o fato de que a sociedade tem o direito de fazer a discussão de seu voto a escritora é uma figura pública, maior de idade, cujas posições afetam a opinião pública.

Defendo que a crítica que deve ser feita, em primeiro lugar, não a ela, mas ao seleto grupo de apoiadores intelectuais arrependidos de seu voto, que inclui diplomatas e profissionais liberais, inclusive jornalistas que assumiram posições que levaram a eleição de Jair Bolsonaro e só depois, a Luft. É mais da velha luta ideológica expressa por atores, instituições, veículos de comunicação entre eles que constitui o caldo de cultura de nosso país. Há posições ideológicas em confronto, inclusive nas redações de jornais, no meio literário, na ciência e o problema é não serem assumidos, quando os atores não assumem suas posições, antes, as escondem. A eles deve vir a crítica, em primeiro lugar. Após, a Luft. Ela dizer que se arrependeu porque Bolsonaro mudou não é verdade. Ele não mudou, Luft não foi enganada. Se crítica o envolvimento do PT em corrupção, esqueceu que Bolsonaro já estava na lista de acusados de corrupção de Furnas em 2000 e na da JBS em 2014.

A quarta estratégia é atribuir qualificações à esquerda que não correspondem à realidade. A defesa de Luft por Coimbra revela a mitificação da esquerda por certos jornalistas. É o caso, por exemplo, da defesa da ideia de que a esquerda que se julga como moralmente superior, “Quem não está conosco, não nos apoia ou não nos aplaude é menor”. Essa simplificação esconde o fato de que os avanços críticos feitos ao neoliberalismo foram protagonizados por autores de esquerda, foi a esquerda que criticou, em primeiro lugar, a desigualdade social produzida pelas políticas neoliberais, sistema com o qual sugere estar comprometido o autor até os dentes. Não se trata de ser moralmente superior, mas criticamente superior. É só comparar com a produção de pensadores de direita: Roger Scruton, em Tolos, Fraudes e Militantes (Record, 2018) faz, por exemplo, uma leitura equivocada do pensamento do filósofo esloveno Slavoj Zizek, pois não o entendeu daí sua critica se fundamentar ao estilo do autor, e não os argumentos, pelo fato de que selecionou fragmentos de poucas obras de um teórico profícuo e profundo. Essa estratégia recusa reconhecimento da contribuição de grandes intelectuais de esquerda em defesa do bem comum, dos direitos das mulheres, do combate à desigualdade, da luta contra a precarização do trabalho que afeta, inclusive, jornalistas. Dica de leitura para o autor? “Assembly: a organização multitudinária do comum”, de Michael Hardt e Antônio Negri (Editora Politéia, 2018). Qual mito que oculta o autor: que jornalistas são superiores para analisar a sociedade do que teóricos do social.

Esse pressuposto fica claro na crônica do jornalista ”A profissão que tudo mundo quer ter” (disponível em https://bit.ly/3dE8iHH), onde fala de um jornalista chamado Mauro Torales, o Boró, para mostrar que até jornalistas tem medo de se expressar com as novas mídias, mas em nossos tempos “a vida e as opiniões do homem comum ficaram tão manifestas (…). Porque todos querem publicar o que pensam. Porque todos acham importante o que pensam” (grifo meu). Que esconde esse argumento? Coimbra diz que é o “século da exposição”, mas entendo que este conceito oculta seu desejo de que somente a opinião jornalística tenha valor. É essa perda de poder de emitir opinião que demais atores adquiriram que teme: ora, jornalistas que detém espaço em colunas de opinião nos jornais temem outros cidadãos ganhem espaço porque, afinal, é seu ganha-pão.

Em artigo recente (ZH, 26/6/2020) Eduardo Bueno, articulista no mesmo jornal, em certo momento deixa escapar o mesmo sentimento quando diz, “na minha opinião – que, aliás, sou paga para dar (ao contrário de quem a dá de graças nas “redes”)”, chiste que, como diz Freud, é revelador dessa reminiscência quase escravagista que considera o trabalho de um colaborador anônimo das páginas de opinião ou das redes um trabalho inferior, transformado em “opinião de segunda classe”, com menor validade, porque não se encontra… remunerada? Entendo, ao contrário, que vivemos num universo democrático, inclusivo e aberto a todas as manifestações de opinião. Até a pouco tempo, a imprensa reivindicava a liberdade de expressão como um de seus fundamentos: ao contrário, nossos ilustres articulistas revelam que possuem um “ditador interior” que diz que é a opinião de jornalistas é que importa, pois são pessoas “moralmente superiores” para emitir opinião, ao contrário dos cidadãos comuns, como se dissessem que “quem não reconhece nossa opinião, não nos aplaude, é menor”, e dai a redução às criticas que fazem demais cidadãos e aos intelectuais que fazem a declaração de voto de Luft.

A quinta estratégia é o reforço do corporativismo como regra. É que no caso de Luft, há mais no esforço de recusa das opiniões desfavoráveis a autora, para mim é mais do velho corporativismo que une os jornalistas do mesmo veículo e que é usado na critica a tantas categorias, como de servidores públicos e que se faz presente no discurso que defende Luft. Em resumo, poder-se-ia também dizer “se você não aplaude quem tem colunas de opinião ou você é canalha ou você é burro”. Nesse discurso, eu sou o ativista, o militante de esquerda que não percebe que a sociedade foi para a direita. É verdade quanto ao militante. Para Coimbra esta situação não foi provocada pela corrupção apenas, foi pela arrogância e presunção da esquerda “a intolerância dos que acham que podem julgar os outros.” Novamente o jornalista precisa ler mais os estudos a respeito. Desde que Luís Carlos Bresser Pereira enumerou sua tese de que a esquerda vence, mas não governa (disponível em https://bit.ly/3dEbjYx) a ideia da arrogância da esquerda se diluiu na coalizão de partidos que levou a esquerda ao poder. Há tantas clivagens, diferenças e projetos à esquerda como à direita. E não podemos dizer que Bresser Pereira é um autor de esquerda, não é mesmo? O problema é, como coloca o autor, se você está do lado de quem defende ideias ou de quem defende o capital.

A sexta estratégia é alterar as causas da mudança do eleitorado brasileiro para a direita. O jornalista retoma as apontadas para a vitória de Jair Bolsonaro pelo jornalista Marcelo Rech em 2015: violência urbana, corrupção, desejo de ordem, critica ao serviço público “funcionários já bem pagos que se valem de usuários humildes”, “casta intelectual que aponta o dedo para o pagador de impostos (…) integrante da elite branca, perversa, que não gosta de pobres e negros, que é fascista e racista (…). A mistura produz Jair Bolsonaro”, diz. Além dos inúmeros autores que já exploraram o tema, elas estão mal enumeradas porque autores já chegaram à conclusão de que seriam sucessivamente: antipetismo, rejeição à política tradicional, vontade de mudança, crise econômica, criminalidade e uso das redes sociais (whatsapp). O jornalista poderia ler a interessante obra de Maurício Moura e Juliano Corbellini A Eleição Disruptiva: Por Que Bolsonaro Venceu (Editora Record) que defende o significado da eleição de Jair Bolsonaro como a quebra do longo ciclo político nacional dominado pela rivalidade entre PT e PSDB a partir dos anseios do eleitor e a forma como esse eleitor estava se informando. Percebem que, no paradoxo da eleição, é a mídia que teve contribuição tão importante quanto o uso de redes sociais como as redes de whatsapp que desempenharam papel importante na eleição que o jornalista omite? O autor continua mesmo assim “Não foi Lya Luft quem elegeu Bolsonaro. Foram os críticos da Lya Luft.”.

Essa mudança das causas, alteração ideológica por excelência, pois culpa a esquerda por uma eleição trágica é falsa porque quem o elegeu foi… a direita!. Há inúmeras obras no mercado que tratam da contribuição do governo Lula e Dilma para desmistificar isso, e eu citaria apenas 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma (Editora Boitempo, 2013), com artigos, inclusive, de Luiz Gonzaga Beluzzo que enumeram os avanços dos governos de esquerda. Mas para o jornalista, é a esquerda que elegeu. Esse é o desvio que o jornalista pretende ao fazer a defesa do voto de Luft, ele retira o papel da direita nesse processo para dizer que a esquerda o elegeu porque é arrogante, etc. Mas ao fazer com tanta certeza, sem ao menos uma referência de estudo, pesquisas ou fontes, essa autoridade coloca a questão: quem é realmente arrogante? A ideia de difundida por certa imprensa de que a esquerda elegeu Bolsonaro é a assunção de que está à direita do espectro político, forma da direita transferir sua parcela de culpa nesse processo, inscrita nas páginas de jornal que nas sucessivas matérias que defendem políticas neoliberais, interesses empresariais, do grande capital, etc., etc. Por isso entendo que antes de criticar a escritora é preciso criticar a parcela intelectualizada da sociedade, profissionais liberais, que apoiaram o projeto neoliberal e com ele, dentro das alternativas politicas naquela eleição, ajudaram a permitir que a candidatura Jair Bolsonaro se efetivasse.

A sétima estratégia é a redução da responsabilidade do arrependido. O jornalista Rodrigo Casarin em artigo disponível em https://bit.ly/389a16w, assinala que Luft se aproxima dos escritores que apoiam posições autoritárias ”a história está cheia de escritores abraçados à carnificina e ao autoritarismo. Rachel de Queiroz defendia a ditadura militar. Gabriel García Márquez morreu passando pano para os crimes contra a humanidade cometidos por Fidel Castro. Jorge Luís Borges, que sempre me pareceu um palerma político, vivia sob o quepe dos oficiais argentinos que sequestravam, matavam e jogavam corpos de opositores no mar”. O crítico ao voto tornado público por Luft para o cientista político Rudá Ricci não pode ser considerado algo qualquer “a ingenuidade é uma doença e que seu voto foi de total irresponsabilidade “não se trata de real penitência, mas de autodefesa. Como pôde a escritora intimista dedicar seu voto ao político do discurso do ódio?”. Ricci afirma que Luft foi vítima de seu pensamento intuitivo, que entende a realidade sem mediação da lógica ou da análise. Intuitivo é mediado pela emoção, Luft queria uma resposta mágica. Simplificar tudo a uma má escolha está custando à vida de milhares de pessoas, não adianta admitir o erro como quem passa uma borracha, finaliza.

Minha conclusão é que existe um sistema recíproco de relações sociais, profissionais, argumentos discursivos e ideológicos que construídos para reduzir a importância de uma posição crítica contra o governo e de desculpabilizar os eleitores de Jair Bolsonaro que tem efeitos políticos significativos. Como se sabe desde Slavoj Zizek, uma estratégia da direita é dizer que não é de direita e que os termos direita e esquerda, ao contrário do que diz a direita, tem imenso valor no momento atual. Parcela do jornalismo faz isso e discutir esta atuação, denunciar a ressignificação ativa deste arrependimento da direita feita por certos veículos é importante para a construção de uma aliança de oposição ao presidente Jair Bolsonaro. A esquerda, por seu turno, pode reconhecer que mesmo certa parcela da centro-direita tem atores capazes de reconhecer que o país está um caos inclusive para eles. Isso inclui não minimizar o arrependimento de escritores cuja obra literária tem valor e que foram capazes de ceder ao impulso num dos momentos pessoais mais importantes de sua cidadania, o momento de votar. E

Eu não conheço pessoalmente Luft, ela é uma figura pública, e eu, um “zé ninguém”; ela tem milhares de leitores fiéis, eu posso contar os meus nos dedos, qualquer coisa que Luft diz repercute no pais, eu não passo de meia dúzia de likes nas redes sociais, mas o que importa é que Luft é uma figura pública para quem, além de reconhecer que um erro importa, entendo que deva ser passado o recado da importância de tomar uma postura ativa, é isso o que fará diferença em sua história. Esse é o ponto: é bom a direita arrependida reconhecer seu erro, mas é preciso mais. E Luft pode fazer mais. Não adianta tratar uma figura pública como a escritora como se fosse a nossa “tia” de direita “olha, coitada, ela se enganou, deixa ela, tudo mundo erra, não é mesmo?”. Não, se respeitamos sua obra, devemos ser capazes de lhe passar uma mensagem clara: ela fez uma grave escolha, não pode mudar seu voto em Bolsonaro, a autora de “As Coisas Humanas”, seu novo livro, fez uma … “coisa desumana”: votou num candidato misógino contra a herança da luta de mulheres pelo voto, num candidato que era o pior dos candidatos e se eu lhe pudesse dizer algo seria: “Lya, tudo bem, entendemos que você errou. Isso também acontece. Mas você tem a possibilidade rara de fazer duas coisas para corrigir seu erro: a primeira é que você pode, de agora em diante, defender a educação política – votar é cuidar da Polis e precisamos votar com mais cuidado do que você cuidou, não é mesmo? A segunda é que você pode se manifestar mais e se juntar aos milhares que hoje pedem a renúncia do presidente. Faça isso. Você se sentirá bem melhor”.

(*) Jorge Barcellos é historiador, Mestre e Doutor em Educação. Autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017) e “A impossibilidade do real: introdução ao pensamento de Jean Baudrillard (Editora Homo Plásticus,2018, é colaborador de Sul21, Le Monde Diplomatique Brasil, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a página jorgebarcellos.pro.br.

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