Opinião
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29 de abril de 2020
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19:01

Redes de cooperação e solidariedade garantem abastecimento de alimentos em tempos de pandemia no RS

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Sul 21
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Redes de cooperação e solidariedade garantem abastecimento de alimentos em tempos de pandemia no RS
Redes de cooperação e solidariedade garantem abastecimento de alimentos em tempos de pandemia no RS
Distribuição de cestas básicas para trabalhadores vulneráveis à pandemia do coronavírus. (Foto: CUT-RS)

Jairo Bolter, Chaiane Leal Agne e Jaqueline Haas (*)

Um colapso não planejado. Foi assim que a Pandemia do Coronavírus – covid-19 abalou o mundo, de Sul a Norte, atingindo países ricos e pobres. Nesse contexto, vários desafios são impostos à sociedade, que incluem os aspectos ligados ao debate do desenvolvimento humano, tais como: saúde, renda, educação, lazer, meio ambiente, alimentos, qualidade de vida e bem-estar, trabalho, produção, consumo.

Por um lado, os desafios provocam exclusões sociais e econômicas, especialmente nos grupos e nas classes menos favorecidas. Por outro, esses mesmos desafios podem impulsionar inovações, particularmente no que diz respeito à emergência do uso de tecnologias e ações coletivas, colaborativas e solidárias.

Dentre os aspectos do desenvolvimento, é oportuno considerar a questão da produção, do consumo e do abastecimento de alimentos. Considerando a realidade da agricultura brasileira e da diversidade dos perfis dos produtores e de seus canais de comercialização, há diferentes caminhos para que os alimentos cheguem até os consumidores. No contexto da pandemia, os mercados chamados “curtos” ou de “proximidade” estão sendo reconhecidos como os canais mais importantes na cadeia de abastecimento atual, tanto do ponto de vista econômico quanto do social.

No entanto, muitos desses mercados “tradicionais” fecharam, gerando transtornos e muitas dificuldades para produtores e consumidores. Pequenas e médias cooperativas ligadas à agricultura familiar e aos produtores agroecológicos, que antes comercializavam seus produtos junto às feiras locais e aos chamados “mercados institucionais” (especialmente o Programa Nacional de Alimentação Escolar), precisaram se reinventar neste período. Encontraram no mercado direto com os consumidores, um novo caminho para escoar a sua produção, garantindo segurança, renda e abastecimento do alimento à população local.

Com o propósito de conectar produtores aos consumidores, cooperativas, associações e organizações sindicais de trabalhadores urbanos passaram a atuar em conjunto visando o fortalecimento da agricultura familiar e a garantia de acesso da população aos alimentos.

Uma das primeiras iniciativas no RS, que posteriormente desencadeou outras ações, foi coordenada pela ADUFRGS Sindical, a Cooperativa GiraSol e a RedeCoop. As entidades em questão, assinaram em março de 2020 um termo de parceria, tendo como principal objetivo “garantir a segurança alimentar e nutricional dos associados da ADUFRGS, bem como proporcionar que os produtos produzidos pelos Agricultores Familiares cheguem aos consumidores de forma segura e organizada, por meio de um canal de comercialização online, justo e consciente”.

A parceria entre as entidades permite com que os Associados da ADUFRGS possam solicitar online e receber em suas casas produtos de distintos gêneros. Centralmente são oferecidos três diferentes produtos: uma cesta de produtos tradicionais da agricultura familiar; uma cesta de produtos agroecológicos; e/ou produtos diversos no sistema de pedidos E-commerce.

Nos primeiros 15 dias, a parceria das três entidades garantiu com que, aproximadamente, 15 mil quilos de alimentos saíssem das propriedades rurais e chegassem aos consumidores de forma segura e solidária. E a parceira não ficou restrita à Região Metropolitana de Porto Alegre, foi estendida também ao Litoral Norte do Estado. Diante da demanda de associados e consumidores, por meio da COOMAFITT, cooperativa ligada à RedeCoop, e em parceira com à UFRGS Campus Litoral, EMATER RS e o Curso de Especialização em Cooperativismo da UFRGS, a parceira foi colocada em prática na Região. A produção da agricultura familiar ganhou a versão delivery, pela qual os produtos passaram a chegar diretamente na comunidade Regional. Uma vez por semana os produtos são entregues diretamente na residência dos consumidores, que fazem seus pedidos por meio do aplicativo WhatsApp.

Outra ação recentemente desenvolvida, porém, no município de Cachoeira do Sul (localizado na região central do Estado) refere-se à iniciativa da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS) em parceria com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cachoeira do Sul e Novo Cabrais (STR), desenvolvida no final de março. Diante do contexto de suspensão das atividades acadêmicas, o projeto de extensão “Feira da Agricultura Familiar” evoluiu para a versão delivery, onde os agricultores utilizam os aplicativos: Whatsapp, Facebook e Instagram para a divulgação, recebimento de pedidos e como um meio de fortalecer o relacionamento com os consumidores. As encomendas são feitas semanalmente e as entregas duas vezes por semana. Segundo relato das famílias participantes, após três semanas da experiência, as vendas triplicaram em comparação com a versão presencial da feira. Além disso, a ação se constitui como um mecanismo que se mostra com potencial para a ampliação da visibilidade da agricultura familiar no município, fortalecida pela adesão dos consumidores e pela coesão das instituições envolvidas.

As iniciativas descritas não seriam possíveis sem que os agentes remodelassem os seus planos diante do cenário que se apresenta. Inicialmente, para a evolução das ações e das parceiras, as cooperativas, os produtores e os consumidores precisaram se apropriar de algumas tecnologias de informação. Além disso, a forma de comercialização delivery, difere da maneira presencial em vários aspectos, que vão desde as questões de comunicação com os consumidores até os fluxos logísticos. Nesse sentido, as organizações e os agricultores conseguiram em pouco tempo, aprender, estruturar, organizar e executar as etapas da cadeia produtiva, tendo em vista garantir aos consumidores um caminho direto para solicitação e aquisição de alimentos, limpos e saudáveis. Já os consumidores, após realizarem o pedido de forma virtual, têm a garantia que irão receber os produtos em sua casa, com a segurança e os cuidados necessários.

Neste momento, onde a solidariedade e a colaboração são cruciais, as plataformas colaborativas ganham força e relevância para diminuir a distância entre agentes. Com o aprendizado oportunizado pelo contexto, as plataformas podem se tornar um potencial para os mercados da agricultura familiar pós pandemia, constituindo uma importante ferramenta de produtores, comerciantes e consumidores. Além disso, tais ferramentas poderão garantir as organizações sociais, sindicais e as cooperativas um novo momento no que tange à reaproximação uma das outras. Aproximar os trabalhadores, bem como as suas organizações, está sendo fundamental para o sucesso de muitas iniciativas durante a Pandemia. Essa aproximação precisa continuar e poderá ser central inclusive para a reorganização da classe trabalhadora.

Por fim, cabe destacar que as entidades sindicais, cooperativas, associações, organizações sociais e os setores públicos e privados precisam se reorganizar em torno de um novo modelo de desenvolvimento, que seja economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente correto. Para tanto, é necessário criar condições para favorecer os espaços onde a colaboração e a cooperação estejam no centro das ações.

Ademais, o período nos ensina que precisamos urgente criar redes de cooperação e solidariedade não só para enfrentarmos períodos de crise. As organizações sociais, sindicais e cooperativas precisam do apoio do poder público e da iniciativa privada para criar estruturas que façam com que a produção da agricultura familiar, em especial os produtos orgânicos, chegue à mesa dos consumidores, por meio de canais de comercialização justos e solidários. Para tanto, é necessário organizar os fluxos de produção, agroindustrialização, armazenamento, distribuição e comercialização. As entidades ligadas à agricultura familiar em conjunto com as organizações dos trabalhadores urbanos, de pose da cooperação poderão assumir a linha de frente da organização desse sistema, como um todo, mas certamente precisarão do apoio dos poderes público e privado.

Jairo Bolter – Professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)/Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento (PGDREDES) e Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (GEPAD).
E-mail: [email protected]

Chaiane Leal Agne – Professora da Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS. Programa de Pós-Graduação em Gestão e Desenvolvimento Rural. Pesquisadora do Grupo de Estudos em Administração e Desenvolvimento Rural (GEADER).
E-mail: [email protected]

Jaqueline Haas – Professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) /Programa de Pós-Graduação em Dinâmicas Regionais e Desenvolvimento (PGDREDES) e Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agricultura, Alimentação e Desenvolvimento (GEPAD).
E-mail: [email protected]

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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