Opinião
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9 de abril de 2020
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17:34

Práticas científicas e Covid-19, a sociedade e uma escolha racional (por Miguel Ângelo Flach, Lavínia Schuler Faccini e Cristal Villalba)

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Sul 21
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Práticas científicas e Covid-19, a sociedade e uma escolha racional (por Miguel Ângelo Flach, Lavínia Schuler Faccini e Cristal Villalba)
Práticas científicas e Covid-19, a sociedade e uma escolha racional (por Miguel Ângelo Flach, Lavínia Schuler Faccini e Cristal Villalba)
Foto: Arquivo/EBC

Miguel Ângelo Flach, Lavínia Schuler Faccini e Cristal Villalba (*) 

Torçamos para que a Covid-19 passe longe de nossos familiares e amigos. Porém mais pessoas, inclusive algumas entre aquelas, precisam ceder aos resultados das pesquisas de estudiosos, cientistas e às autoridades de saúde, se possível as independentes de governos, e não a opiniões de aventureiros. Por quê? Porque os procedimentos teórico-práticos das ciências pressupõem e requerem universalidade ou abrangência não refutáveis por opiniões particulares. Ainda assim, o isolamento social horizontal como melhor metodologia para a supressão da Covid-19 parece estar colocado sob uma espécie de tribunal da razão popular.

Neste momento, em hospitais e laboratórios, médicos, infectologistas, virologistas e outros estão pesquisando e testando, além de vacinas, os efeitos de medicamentos imunossupressores (a cloroquina e a hidroxicloroquina, por exemplo) para tratar a Covid-19; a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) autorizou e estão se iniciando, nos Hospitais Albert Einstein, no Sírio-Libanês e na Universidade de São Paulo, testes clínicos com plasma de pacientes que já se recuperaram da Covid-19 em doentes em estado grave; pesquisadores mundo afora, e de universidades brasileiras, têm trabalhado na coleta, análise e projeção de dados epidemiológicos, desenvolvendo plataformas de acesso à informação; também, é calculada a evolução da pandemia e ela tem se comportado de forma que pode ser explicada por uma Função Exponencial, tendo em vista muitas macrorregiões ou países afetados. O cálculo com tal Função é parte muito útil e até fundamental para programas de pesquisa progressivos em diversas ciências, desde o século XVII até os dias atuais, e teve desenvolvimentos cruciais de G. Wilhelm Leibniz até P. G. L. Dirichlet, para citar alguns, e este último já no séc. XIX. No fazer das ciências que, juntas, estão para uma Big Science, teorias e práticas encontram nas respectivas comunidades científicas um árbitro mediador. Desde a sobreposição do Estado laico aos dogmatismos religiosos, ao longo da Idade Moderna e na contemporaneidade, a aproximação entre Estado e Ciência potencializou o desenvolvimento social nos mais diversos aspectos.

Atualmente, é crescente a fusão entre ciências e tecnologias e, em geral, portamo-nos como consumidores entusiastas dos produtos resultantes da tecnociência. Na área da Saúde, cirurgias minimamente invasivas, microcirurgias e telemedicina, do prontuário eletrônico ao monitoramento remoto. Todo aquele que necessita de atendimento de saúde no Brasil é beneficiado por pelo menos um entre tais produtos e suas respectivas técnicas. E, no entanto, as comunidades científicas, especialmente as da grande área de Ciências da Vida e da Saúde, assistem atônitas à ideologização política da recomendação técnica de isolamento horizontal diante da Covid-19.

Tal recomendação, que se tornou obrigação legal, não é consenso irretocável, mas, tecnicamente, não é o momento de flexibilizá-la. Enquanto todos aguardam resultados mais precisos em profilaxia e ou terapêutica para a Covid-19, a todos cabe a responsabilidade solidária pelo bem-estar comum. E, inclusive, por lembrar que este bem comum tem sido elevado a um patamar tão alto, ao longo de séculos, justamente a partir de produtos resultantes da atividade de cientistas e trabalhadores técnicos de diversas áreas. Pois bem, são esses mesmos que, predominantemente, agora solicitam o isolamento social.

Se você se percebe em meio a informações dispersas e ou contendas, escolha a emissora ou o canal de streaming que prefira assistir. Entrementes, se você tem visto lhe sugerirem que deveria escolher entre a vida ou a economia, considere a possibilidade de que isto seja um paradoxo exagerado (e, afinal, pode até sê-lo a depender da abordagem). Ainda assim, contudo, a sua escolha não mudaria o fato de que a segunda constitui apenas um dos aspectos da primeira.

Miguel Ângelo Flach é Professor e Doutorando USP em Teoria do Conhecimento e Filosofia da Ciência. E-mail: [email protected].

Lavínia Schuler Faccini é Professora Doutora do Departamento de Genética da UFRGS; Chefe do Serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). E-mail: [email protected].

Cristal Villalba é Mestre em Genética e Biologia Molecular (UFRGS) e Doutoranda do Centro de Terapia Gênica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). E-mail: [email protected].

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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