Opinião
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5 de abril de 2020
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17:52

Manifesto de professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM

Por
Sul 21
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Manifesto de professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM
Manifesto de professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSM
Posto de Saúde Modelo, Porto Alegre, cartaz de medida de prevenção contra Corona Vírus. Foto: Luiza Castro/Sul21

Manifesto de Professores do Departamento de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria (UFS) sobre a situação econômica e social do País

No momento em que se discute a oposição entre o Direito à Vida e o Direito ao Trabalho, em função do confinamento social recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), para enfretamento da pandemia da COVID-19 (causada por um tipo de Coronavírus), cabe lembrar que o Direito à Vida faz parte do rol de direitos defendidos pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e pela Constituição do Brasil de 1988. Esta última, no Art. 4º, diz que nas relações internacionais um dos princípios a ser seguidos é a prevalência dos direitos humanos. Além do mais, o Art. 5º garante aos brasileiros a inviolabilidade do Direito à Vida. Finalmente, o Art. 230 diz que cabe ao Estado amparar as pessoas idosas, garantindo-lhes o Direito à Vida.

Não há dúvidas de que a opção Direito à Vida (defesa da saúde) ou Direito ao Trabalho (defesa do emprego e da sobrevivência) é uma falsa dicotomia. O valor ético associado ao ser humano é incomparável ao valor econômico dos bens. Não há uma permuta possível entre esses dois valores. Além do mais, a premissa daqueles que defendem a tese de que a economia deve ser prioritária à saúde da população é falsa até na lógica econômica. Adam Smith (o fundador das Ciências Econômicas) já demonstrou, em 1776, na sua obra máxima “A Riqueza das Nações” que o valor econômico não existe em si mesmo, mas sim quando é produzido (direta e/ou indiretamente) pelo trabalho humano. Se não há trabalho humano, não há valor econômico.

Ressaltamos que a garantia do emprego e do trabalho além de ser a essência da Economia tem necessariamente um caráter ético e político-social. Isso significa que para defender o Direito à Vida temos que defender o Direito ao Trabalho, o que se traduz em políticas públicas para sustentar a sobrevivência das pessoas

O isolamento social, recomendado pela OMS e seguido pela maioria dos países, tem, sem dúvida, um impacto negativo e direto sobre a demanda agregada da economia. Essa retração na demanda, ao levar a uma retração da oferta, impactará negativamente a produção e a geração de renda. A economia terá seu nível de atividade caindo, aprofundando assim a crise econômica e social.

O importante economista inglês John Maynard Keynes, já demonstrou que, em situações de crise intensa, a lógica de funcionamento do mercado privado, por si só, não é capaz de recuperar os níveis de renda e emprego da Economia. Por quê? Porque os empresários privados e individuais ao tentar se defenderem da crise buscam a redução de seus custos e de seus gastos. O resultado disso é a queda, ainda maior, da renda agregada, uma vez que o menor gasto de uma empresa se traduz em menores vendas de empresa fornecedoras para aquela. Para o conjunto da economia, isso se traduz numa queda agregada de renda e emprego.

Nessa perspectiva, a recuperação da renda e do emprego numa situação de crise profunda somente é possível com uma rationale econômica diferente daquela que rege a empresa privada. A solução passa pela elevação do gasto que não depende da renda (receita) das empresas privadas gerada no âmbito do mercado. O gasto autônomo deve ser financiado por aumento da dívida pública, compra pelo governo de títulos privados ou públicos (injetando liquidez na economia) ou expansão monetária. Há que se implementar as políticas anticíclicas de cunho keynesiano, fundamentais nesse momento atual e naquele que se avizinha num futuro próximo para a economia brasileira.

Algumas medidas imediatas, nesse sentido poderiam ser elencadas, tais como:

políticas fiscal e monetária visando a diminuição das taxas de juros e a suspensão por meses da dívida dos estados da federação com a União, aliviando financeiramente pessoas, empresas, estados federativos e prefeituras. Além disso, faz-se necessário prolongar o pagamento de algumas contas básicas da sociedade, tais com água e luz, bem como de vários tributos que incidem sobre o setor produtivo.

políticas de fortalecimento da capacidade intervenção econômica do setor público, assegurando o potencial positivo de estimulo à economia que tem a ação direta do Estado nesse setor econômico. Entende-se que iniciativas governamentais de redução de salários dos servidores públicos poderiam exacerbar os efeitos desta crise e a economia de recursos financeiros seria mínima. Além disso, é premente a eliminação da Emenda Constitucional 95 (mais conhecida como PEC do fim do mundo), pois somente pela existência da mesma o SUS deixou de receber nos últimos anos centenas de bilhões de reais necessários agora para combater a pandemia, e além disso contribuirá decisivamente para a recuperação no nível de atividade econômica.

política social de renda básica de cidadania para os brasileiros mais pobres, acoplada à ampliação do investimento em saúde, educação e ciência e tecnologia, com o objetivo de fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) e pesquisas epidemiológicas.

políticas públicas de suporte a infraestruturas produtiva, comercial e logística adequadas para não prejudicar o desabastecimento de alimentos, combustíveis e outros bens de primeira necessidade para pessoas e empresas.

Os recursos para essas ações emergenciais não podem ser originados das reservas cambiais, pois tais medidas tornariam o país suscetível a ataques especulativos, mas devem ser oriundos dos recursos do tesouro. O risco de inflação neste momento é mínimo haja vista a situação de forte estagnação econômica. No plano ético e social, uma eventual elevação de preços é insignificante ante a sobrevivência das pessoas oportunizada por um poder de compra ofertado pelo Estado.

Caso medidas desta natureza não sejam tomadas, os efeitos desta crise serão muito maiores com aumento do desemprego, queda da renda e aumento das taxas de violência e mortalidade.

Cabe, portanto, nesse momento, que as autoridades brasileiras atuem com ética e que sejam estadistas, deixando de lado personalismos e bravatas que somente criam obstáculos desnecessários para uma estratégia urgente visando a garantir o emprego e a renda de cidadãos brasileiros, sobretudo para os mais vulneráveis frente à depressão econômica que se avizinha.

Santa Maria, 03 de abril de 2020.

Professores (as) do DERI – UFSM

Dr. Ademar Pozzatti Júnior

Dr. Adriano José Pereira

Dr. Bruno Hendler

Dr. Daniel Arruda Coronel 

Me. Elder Estevão de Mello

Dr. Günther Richter Mros

Dr. Igor Castellano da Silva

Dra. Irina Mikhailova

Dr. Júlio Cesar Cossio Rodrigues

Dr Júlio Eduardo Rohenkohl

Dra. Kalinca Leia Becker

Dr. Lázaro Camilo Recompensa Joseph

Dr. Orlando Martinelli Júnior

Dr.Reisoli Bender Filho

Dr. Ricardo Heli Rondinel Cornejo

Dra. Rita Inês Paetzhold Pauli

Dra. Sibele Vasconcelos de Oliveira

Dr. Sérgio Alfredo Massen Prieb

Dr. Thomaz Francisco Silveira de Araújo Santos

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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