Opinião
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6 de abril de 2020
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18:16

Carta aberta pela vida (Fridays for Future Brasil)

Por
Sul 21
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Carta aberta pela vida (Fridays for Future Brasil)
Carta aberta pela vida (Fridays for Future Brasil)
Integrantes do Fridays for Future Brasil estavam se encontrando todas as sextas-feiras, em atos em frente à Assembleia Legislativa, em Porto Alegre. Com a pandemia, continuam as ações via instagram. (Foto: Divulgação)

Fridays for Future Brasil (*)

Nessa semana, Zezico Guajajara, um líder indígena que lutou para proteger as terras e o lar de seu povo, a nossa floresta, foi assassinado. No ano passado, de fevereiro a dezembro, sete outros indígenas foram assassinados no Brasil, todos mortos em conflitos. Nesse mesmo ano, o desmatamento na Amazônia aumentou em 85%. Nós estamos diante de um genocídio e de um ecocídio. Os defensores do nosso planeta estão sendo caçados e mortos, suas terras estão sendo invadidas. Novamente, seus futuros estão sendo roubados, e com isso os nossos estão também. Segundo o Conselho Indigenista Missionário, em 2018 houve um aumento de 20% no número de assassinatos de indígenas, e, a partir do que está sendo visto, a tendência é que esse número aumente. De acordo com a ONG Global Witness em seu balanço anual, em 2018, pelo menos 20 ativistas ambientais foram assassinados no Brasil, colocando o país em quarto lugar no ranking dos que mais matam os defensores.

O fato é que quem age em prol da preservação ambiental está também protegendo toda a população, sem distinção de classe ou ideologia. Portanto, colocar em risco essas pessoas é atentar contra a sua própria vida, o que infelizmente muitos ainda não percebem, pois estão cegos pelo lucro que a destruição da natureza pode trazer. Que não se enganem, pois toda essa aparente segurança é curta. Ao longo dos anos, a consequência dessa exploração desmedida resultará em um mundo cada vez menos habitável, com o aumento da temperatura global, a poluição do ar e dos mares, a ocorrência frequente de catástrofes ambientais etc. Para isso ser evitado, muitas pessoas trabalham arduamente, e elas merecem respeito, dignidade e o direito de se expressarem sem risco de serem mortas. O que acontece é que, no momento atual, o que é evidenciado é que o governo muitas vezes promove essas agressões. No momento em que coisas como “cada vez mais, o índio é um ser humano como nós” são afirmadas por governantes, acontece um encorajamento de um discurso etnocêntrico e racista.

O abuso dos direitos humanos promovido pelo atual governo de Jair Bolsonaro, agravado pelo cenário de incêndios na Amazônia provocados pela ação antrópica, é uma das principais causas do aumento de refugiados climáticos no país, que não recebem devida atenção. Como prova, é possível observar que não há dados confiáveis ou recentes acerca dos números de refugiados climáticos no Brasil, pois não é de interesse governamental prestar apoio a essas pessoas ou mesmo tornar o local no qual elas vivem seguro e livre de intervenções de latifúndios, empresas, entre outros. No entanto, o impacto negativo ocasionado não pode ser somente descrito em estatísticas. São milhares de pessoas, como os povos indígenas, ribeirinhos e quilombolas, tendo sua cultura e história apagadas e vendo seus modos de vida mudarem radicalmente, além de terem negado o direito de expressarem suas vontades. É importante ressaltar que as consequências da degradação ambiental ultrapassam fronteiras, e, portanto, seus efeitos não são só sentidos em pontos onde a ação antrópica é mais intensa. Pelo contrário, o número de refugiados climáticos em potencial para um cenário futuro será estendido por todo o território brasileiro – e possivelmente por territórios internacionais – se não forem tomadas medidas públicas que diminuam significativamente a destruição dos ecossistemas.

As correlações entre desmatamento e os incêndios são intrínsecas. Os dez municípios da região amazônica que mais registraram queimadas representam 37% dos focos de calor e 43% do desmatamento detectado até julho. Os registros são maiores nos estados do Acre, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia e Roraima, onde vivem uma expressiva população dos povos indígenas. É também nessa região que vivem grande parte dos últimos povos isolados que existem no Brasil, conforme denunciou a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) por meio de nota publicada recentemente. É de máxima urgência avaliar e chamar atenção para a atual situação na Amazônia, no que se refere à destruição da flora e consequentemente de todos os sistemas que dependem e estão interligados a ela, como a fauna e os povos que habitam aquela região. A Floresta Amazônica é a maior do mundo, o que significa que ela exige medidas muito rígidas de proteção.

Entretanto, podemos observar que o contrário está acontecendo. Desde a eleição presidencial de 2018, o aumento da perpetuação de uma ideologia retrógrada, que prioriza o lucro acima da preservação ambiental, vem incentivando a degradação da Amazônia, realizada principalmente através do desmatamento, que tem como etapa muitas vezes os incêndios florestais. Em 2019, a área total desmatada na Floresta Amazônia foi igual a 172 milhões de campos de futebol. Estamos falando de uma área de 23 Bélgicas ou 17 Holandas, maior do que o território da França. Nesse ritmo, a floresta logo chegará a um ponto sem retorno. Mais recentemente, em janeiro de 2020, cerca de 284 quilômetros quadrados foram perdidos. Isso significa também o aumento dos incêndios, que, como comprovado em agosto de 2019, têm seus impactos registrados em toda a extensão territorial brasileira. Se o governo não souber impor leis mais eficientes de proteção ambiental, essa situação irá a piorar e as consequências serão sentidas por todos, sem exceções.

As comunidades indígenas estão na linha de frente na luta contra a emergência climática. Não é possível alcançar a justiça climática sem antes ter alcançado a justiça social, especialmente quando estamos falando sobre aqueles que protegem nossa biodiversidade e sofrem mais com os impactos das mudanças climáticas. Valdelice Veron, porta-voz dos guarani-kaiowá, alarmado com o desmatamento e a expropriação de suas terras, acusa Brasil de ecocídio, e diz “estamos vivos, mas estamos a morrer aos poucos”. A batalha pela segurança desses territórios é internacional – o que acontece na Floresta Amazônia irá eventualmente impactar o mundo inteiro.

Como se não bastasse o descaso com a segurança dos povos originários do Brasil, o governo federal tem feito ações ínfimas para tentar conter o avanço da pandemia do novo coronavírus nas comunidades indígenas. Em nota, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) alertou que doenças infeciosas introduzidas em comunidades indígenas tendem a se espalhar rapidamente e atingir quase que a totalidade dessas populações. No caso específico da COVID-19, o maior agravante é a falta de investimento na infraestrutura do sistema de saúde indígena, e isso pode ser observado nos estudos recentes do Núcleo de Métodos Analíticos para Vigilância em Epidemiologia (MAVE) da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Esses estudos alertam que, no estado do Amazonas, as regiões com mais probabilidade de disseminação do novo coronavírus são em Manaus e os municípios a jusante no Rio Amazonas, nos quais muitas comunidades indígenas e ribeirinhas se encontram. Outro grande problema é o desrespeito ao controle da entrada de não indígenas nessas comunidades, tanto para a prevenção da doença quanto para o respeito ao isolamento das comunidades que assim escolheram.

“Pode estar havendo, sim, pode – não estou afirmando – ação criminosa desses ‘ongueiros’ para chamar a atenção contra a minha pessoa, contra o governo do Brasil. Essa é a guerra que nós enfrentamos”. Essa foi a fala irresponsável do Presidente da República ao comentar os incêndios de 2019 na Amazônia. Esse tipo de discurso tem sido comum dentre os governantes do país – e isso deve parar, pois, ao invés de resolverem o problema de fato, tomam uma posição de ignorância, além de encorajar um discurso de ódio.

O Presidente Jair Messias Bolsonaro não possui mais dignidade necessária para ocupar a posição de representante da nossa nação, de chefe de Estado e de governo. Na prática, ao esconder-se nos meios de suas irresponsabilidades e incapacidades, transferiu para Rodrigo Maia a chefia do governo, transferiu para os tribunais, ministérios, e profissionais de saúde, a chefia do estado, quando é esse o cargo que deve prezar pelo seu povo. E deixa, em nível internacional, um vácuo na representação da brasileira. Um presidente que abandona seu próprio povo não pode permanecer no cargo. Um presidente que não responde à altura das crises que enfrentamos deve ser substituído. Um governo que sabota seu próprio povo merece ser banido para os confins da história, merece, tão somente, o repúdio, a abominação, da pátria. O homem que ocupa hoje a Presidência do Brasil, o mesmo que foi expulso do exército, quando brinca com a vida do povo brasileiro, comete lesa pátria, comete traição, e é indigno de sequer tocar na faixa presidencial. Bolsonaro não está na altura de ser símbolo de nenhuma ideologia, nem de esquerda, nem de direita, nem de progressista, nem de conservadora, mas sim, apenas, da idiotização, da barbaridade, da ganância pura pelo poder e pela atenção, da necessidade de se firmar herói. Mas nós lembramos, senhor Presidente, que sua ganância descabida e a qualquer custo por poder pode dar certo. E às custas de mortes, do colapso da economia, da morte do nosso povo, o senhor será, sim, um grande líder. Mas será líder das cinzas, de um país destruído, soberano de um povo devastado. Se esse homem não for parado já, se consagrará rei, mas rei das cinzas dos brasileiros.

Nem o Presidente, nem ninguém deste governo, está à altura dos brasileiros. O maior ato de Bolsonaro para conter esta crise, e que será seu mais nobre ato, será a renúncia. Bolsonaro, seja patriota, tenha zelo pela nossa nação, e renuncie à Presidência da República Federativa do Brasil.

(*) Essa carta é assinada pelo Fridays For Future Brasil, e foi redigida por: Abel Rodrigues (Brasil), Amália Buchweitz Garcez (Brasil), Grazielle Garcia (Brasil), Iann Coêlho (Brasil), Isabelle Axelsson (Suécia), Sônia Guajajara (Brasil), Valentina Ruas (Brasil), Vega Månsson (Países Baixos), Yaponã Guajajara (Brasil). Fridays for Future é um movimento popular iniciado em agosto de 2018 pela jovem sueca Greta Thunberg, de 16 anos.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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