Opinião
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14 de abril de 2020
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10:44

Capitalismo e coronavírus: por uma política da insurgência (por Roger Flores Ceccon)

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Sul 21
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Capitalismo e coronavírus: por uma política da insurgência (por Roger Flores Ceccon)
Capitalismo e coronavírus: por uma política da insurgência (por Roger Flores Ceccon)
Coronavírus (imagem meramente ilustrativa. Creativeneko/Shutterstock.com)

Roger Flores Ceccon (*)

Nos últimos anos, o Brasil foi cooptado por um conjunto de forças neoliberais e conservadoras responsáveis por sucessivas crises éticas, políticas, sociais e econômicas, produzindo um quantitativo cada vez maior de pessoas pobres, desempregadas e com trabalhos informais. Paradoxalmente, as forças neoliberais, que coadunam também ideologias patriarcais e racistas, elegeram o Estado brasileiro como inimigo da sociedade, delegando à lógica privada o status de salvadora de todos os males. Acentuou-se o contexto de pobreza diante do enfraquecimento do Estado brasileiro, justificado pela crise econômica.

A grande mídia e as redes sociais criaram discursos e produziram subjetividades acerca da necessidade das privatizações; e o aparato jurídico, conduzido por projetos de leis de governantes efetivaram a precarização do trabalho e da vida. As reformulações na CLT e na aposentadoria; a criação da PEC 95, que congela investimento público por 20 anos; o enfraquecimento de políticas sociais, como o Programa Mais Médicos, o Bolsa Família e a Farmácia Popular; o ataque e os cortes no financiamento da educação e da ciência, especialmente das Universidades Públicas; e a ânsia pela privatização do Sistema Único de Saúde são alguns dos inúmeros exemplos que simbolizam os tempos atuais.

A pandemia da COVID-19 abriu uma nova fissura nesta lógica e expôs ainda mais as fragilidades do regime neoliberal brasileiro. Essa crise atual, embora agudizada pelo Coronavírus, não inicia com a pandemia. A COVID-19 apenas coloca luz aos problemas sociais que temos experienciados à longa data, especialmente com a ascensão do neoliberalismo no Brasil e no mundo a partir da década de 1990.

Antes mesmo da pandemia tínhamos no país uma taxa de desemprego de 11,6% (mais de 12 milhões de pessoas), aproximadamente 40% da população estava no mercado de trabalho informal, a pobreza extrema somava mais de 13 milhões de pessoas, mais de 60 mil pessoas são assassinadas no Brasil por ano e uma grande quantidade de indivíduos estão em situação de rua.

O que temos, em suma, é uma crise passageira e uma crise permanente, com características distintas, como bem nos aponta o sociólogo Boaventura de Souza Santos.

A crise passageira atual, causada pela COVID-19, é explicada pelos fatores que a provocam, neste caso um vírus, sua forma de transmissão e os meios de prevenção e tratamento. Entretanto, na crise permanente, esta que nos assola à longa data, a própria crise transforma-se na causa que explica tudo. Por exemplo, a crise permanente é a causa para cortar verbas para a saúde, educação, segurança e assistência social. Para reduzir salários e privatizar. E isso impede que se explique sua causa. O objetivo da crise permanente é não ser resolvida, para justamente legitimar a concentração de renda e a destruição do Estado.

O Coronavírus, portanto, abriu uma caixa de pandora, cujo pânico centra-se na incerteza de quando vai acabar, se vai acabar e quais resultados irá deixar. Entretanto, impõe um cabo de guerra entre capitalismo versus pandemia, tendo em vista que a principal medida é o isolamento social e a quarentena, o que gera uma ruptura na lógica de produção, consumo e venda na qual centra-se o capitalismo. A medida mais sensata, que é o isolamento social da população à nível mundial, ao proteger vidas, gera crise, ruptura e bloqueio de uma lógica historicamente hegemônica.

Outra questão imposta pela crise passageira é a sensação de insegurança que as soluções encontradas para o enfrentamento da COVID-19 geram nas classes sociais mais abonadas, na elite, acostumadas com a sensação de segurança. Essa segurança pode ser representada na aquisição de planos de saúde, apólices de seguro, poupança, academias de ginástica, terapias psicológicas. Tudo isso inviabilizado atualmente, posto em xeque, no qual o vírus evapora a noção de segurança da noite para o dia, cuja própria etiologia da palavra pandemia é “Todo o povo”.

Um questionamento ético que pulsa neste momento é: Quais vidas são dignas de serem vividas e protegidas? Por exemplo, em vídeo publicado por grandes empresários brasileiros, visivelmente contra o isolamento, algumas vidas pouco importam. Não lhes afeta o fato de morrerem 6 ou 7 mil pessoas, desde que a economia seja preservada. São discursos que propõe a vitória do capitalismo contra o coronavírus.

Mas para sairmos com menos danos possível do problema que nos encontramos, precisamos de uma política de insurgência, contra hegemônica, que rompa com a noção neoliberal que nos foi imposta. Precisamos de um Estado forte como ética-política na busca por justiça social, principalmente em duas perspectivas:

  1. No campo da Seguridade Social, da educação pública, da segurança pública, da redistribuição de renda e da redução das desigualdades. E isso passa pela taxação de grandes fortunas, reforma tributária, reforma política, suspensão de pagamento de juros bancários e dívidas externas, proibição da venda de patrimônio público, entre outros.
  2. Fortalecimento do Sistema Único de Saúde, que de fato compreenda saúde não como uma mercadoria, mas como um direito inalienável.

Para finalizar, eu diria que não sairemos desse cenário da mesma maneira que entramos. Apostaria em duas saídas:

A primeira, pouco provável, é conseguirmos romper com o sistema capitalista e neoliberal de exploração, opressão, miséria e acúmulo de renda, no qual o Brasil vivencia há muitos anos. E encontrarmos outra forma de vivermos em sociedade, mais solidária, justa e ética.

E a segunda, que é a mais provável ao que tudo indica, é nos rendermos ao capitalismo, nos dobrarmos de joelhos, durante ou após a pandemia. Durante assistiremos centenas de vidas ceifadas pela pandemia, e o país ainda em crise. E após a pandemia, a acentuação da exploração, para reduzir os danos que a elite brasileira sofreu com a pandemia.

Façam suas apostas. Quem viver, verá.

(*) Pós-doutorando em Saúde Coletiva.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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