Opinião
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26 de abril de 2020
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11:28

A demissão de Sérgio Moro (por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo)

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A demissão de Sérgio Moro (por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo)
A demissão de Sérgio Moro (por Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo)
Sergio Moro e Jair Bolsonaro (Foto: Carolina Antunes/PR)

Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo (*)

Simbolicamente, a demissão de Sérgio Moro do governo Bolsonaro marca um momento da maior importância: é a consolidação de um movimento de desconstituição da polarização política entre o bolsonarismo e o petismo, que se verifica desde o segundo turno das eleições presidenciais, com a disputa entre Bolsonaro e Haddad.

Primeiro com os governadores, especialmente Dória, Leite e Witzel, depois com Mandetta, e por fim e estrondosamente com Sérgio Moro, o que se verifica é uma divisão importante no bloco de poder que se constituiu com a eleição de Bolsonaro.

A partir de agora, fica de um lado o bolsonarismo raiz, cada vez mais sustentado pelas bases das igrejas neopentecostais e pelos setores sociais mais vinculados ao aparato de controle punitivo e repressivo, desde as polícias e setores das Forças Armadas, até as milícias e as comunidades que controlam em determinadas regiões do Brasil. E de outro lado, alguns setores da alta burocracia estatal (juízes, promotores, carreiras diplomáticas), do empresariado (incluindo empresas de mídia) e do agronegócio, e aquilo que sobrou da classe média urbana, que começam a se dar conta de que o custo de ter colocado Bolsonaro na Presidência da República é muito alto.

Este é um fenômeno da maior importância. Primeiro, porque permite que a dinâmica das próximas eleições municipais seja pautada por posicionamentos diante da pandemia e a sua gestão pelos municípios, desde as questões sanitárias até as de retomada do desenvolvimento econômico e de geração de emprego e renda. E segundo, porque com isso retira o debate político do âmbito de temas ligados à corrupção ou a escolhas morais, ou em torno de um debate anacrônico entre capitalismo e comunismo, e coloca o foco na capacidade de gestão e na visão sobre as relações entre Estado e sociedade, em um momento em que no mundo todo se reconhece a necessidade de substituir o ideário neoliberal de enxugamento do Estado e liberalização econômica, por políticas estatais que garantam tanto o desenvolvimento econômico como o bom funcionamento dos sistemas de saúde, educação e segurança pública. Importante reconhecer, neste sentido, que lideranças importantes do PSDB, como os governadores Dória e Leite, e o prefeito Nelson Marchezan, tiveram destaque pela rápida adesão à necessidade do isolamento social, atendendo as recomendações da OMS e da melhor ciência médica, e com isso cresceram na crise.

Para que a ruptura do bloco político que dava sustentação a Bolsonaro produza os resultados esperados no sistema político, é preciso que se superem determinadas pautas da esquerda, como a prisão do Lula ou o impeachment de Dilma. As críticas à operação Lava-Jato foram feitas, e no debate jurídico-processual todos sabem que houve atropelos evidentes a direitos e garantias de acusados, de forma seletiva, o que levou inclusive à aprovação pelo Congresso e posterior sanção presidencial da figura do juiz de garantias. O que não impede também que se reconheça o mérito dessa e de outras operações da Polícia Federal no desvelamento das formas de corrupção e desvio do dinheiro público, tradicionais no Estado brasileiro. Da mesma forma, é sabido que Dilma reforçou a lógica de funcionamento republicano das instituições policiais, e pagou o preço por isso com a perda de sustentação no Congresso (além de problemas de gestão e do esgotamento do projeto lulista para dar resposta às novas tensões sociais que emergiram em 2013).

É preciso avançar, reconhecer que o novo bloco de poder que se articula, parte de forte base empresarial, angaria adeptos entre quadros da administração pública preocupados com a boa gestão da máquina pública, e abertos neste sentido à pauta de uma reforma do Estado, e a amplos setores das sobreviventes classes médias urbanas, que se decepcionaram com a face obscura e com a crise de ideias das gestões petistas, mas que, se um dia o fizeram, não estão mais dispostos a hipotecar seu voto a um presidente miliciano.

Sobre o que sobrou no governo, além do núcleo olavista dos filhos do capitão e seus amigos (Araújo, Weintraub, Damares, Salles), foram o Posto Ipiranga, bastante desprestigiado e deixado de lado pelo novo PAC, mas ainda como avalista do país para investidores internacionais, e os militares, que atuam como grupo e dispõem de um espaço no governo federal que não mais tinham desfrutado desde o final da ditadura militar. Entre a militância bolsonarista, que tem produzido núcleos cada vez mais adeptos de táticas fascistas de ação direta, como a intimidação da mídia ou de qualquer um que se oponha ao mito, a defecção da figura do juiz herói é um golpe duro.

Dito isso, a melhor forma de enfrentar esse triste episódio da política brasileira, da configuração de um governo com viés fascistizante, é a partir de agora centrar a agenda política no #forabolsonaro, diante do conjunto de atos que configuram motivo suficiente para um processo de impeachment por crime de responsabilidade, mas também pelo conjunto da obra, como já foi argumentado contra outra governante, especialmente pela forma como tratou da pandemia. Todos os democratas, de liberais a coletivistas, e todos os interessados no desenvolvimento do país e dos necessários instrumentos institucionais para que isso ocorra, terão, obviamente diferenças sobre como enfrentar um conjunto de questões, mas poderão a partir de agora restabelecer um espaço de debate público no Brasil que há muito se perdeu, que nos permita encontrar, democraticamente, as soluções tão necessárias para os vários problemas que temos que enfrentar como Nação, e de esvaziar o discurso populista e o fanatismo político que tem marcado a política brasileira no último período.

(*) Sociólogo e Professor da Escola de Direito da PUCRS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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