Opinião
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28 de março de 2020
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12:55

Sobre a carreata das SUV em Curitiba (por Alfredo Attié)

Por
Sul 21
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Sobre a carreata das SUV em Curitiba (por Alfredo Attié)
Sobre a carreata das SUV em Curitiba (por Alfredo Attié)
Reprodução/Youtube

Alfredo Attié (*)

Alguém filmou uma carreata em Curitiba. Curitiba é uma cidade que fica no sul do Brasil, capital do Estado do Paraná. Já foi conhecida pelas ideias de urbanismo implementadas pelo arquiteto Jaime Lerner, e elogiada por isso. Hoje, lamentavelmente, recebeu a alcunha de “República de Curitiba”, isso por se ter instalado ali uma concepção que vou chamar de “novo-rica” do direito.

Na filmagem, o que se via eram vários automóveis, do tipo conhecido por SUV, que é a sigla por meio da qual, nos países de língua inglesa, são denominados os “sport utility vehicle”, quer dizer, um veículo esportivo utilitário. SUV pode ser uma caminhonete (ou carrinha, no português de Portugal) ou um utilitário fechado, de várias marcas.

Um preço baixo de um desses utilitários fechados seria algo como 120 mil reais.

O valor do salário mínimo mensal decretado em fevereiro de 2020, portanto, o salário mínimo “do ano”, é de R$ 1045,00.

Segundo dados de outubro de 2019, divulgados pelo IBGE, o rendimento de aproximadamente 60%, dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros é inferior a esse salário mínimo. Ou seja, 54 milhões de pessoas vivem com menos de mil e quarenta e cinco reais por mês.

A média de salário dos trabalhadores e trabalhadoras totais é de R$ 2234,00.

Supondo que um trabalhador ou uma trabalhadora que quisesse comprar uma SUV pudesse separar alguma coisa desses valores para pagar uma prestação de uma dessas SUV empregados no buzinaço filmado em Curitiba, digamos, 10% do salário, ele ou ela demoraria (vou tomar o valor da média nacional, apenas para garantir uma hipótese, digamos, otimista) 538 meses para pagar apenas o preço, ou seja, 44 anos. Claro que com os juros, taxas de financiamento e outras coisas mais, esse tempo (somente imaginário, claro), seria estendido por pelo menos o dobro. Observo que a expectativa média de vida do brasileiro é de 76,8 anos, e da brasileira, 79,9 anos – isto é expectativa média, pois, por exemplo, em São Paulo, essa expectativa varia de 80 anos, para bairros de classe média alta, para menos de 40 anos, em bairros periféricos de classes pobres.

Ainda assim, uma das pessoas filmadas, no interior de um SUV, na carreata e buzinaço de Curitiba, carregando uma bandeira do Brasil, ainda gritou: “Queremos voltar a trabalhar, estamos com fome”(sic)
Essa mulher apoiava o mote de Bolsonaro e dos que dizem que economia é algo diferente de cuidar de vidas humanas.

Essa gente quer se apropriar do Brasil e de seus símbolos.

Para essa gente, a morte de brasileiros e brasileiras pela contaminação do coronavírus não significa nada.

Para essa gente, o Brasil não significa nada.

(*) Presidente da Academia Paulista de Direito. Publicado originalmente na página do autor no Facebook.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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