Opinião
|
17 de março de 2020
|
20:22

Salve-se quem puder. Coronavírus em tempos de anteprojeto no Brasil (por Jaqueline Brizola)

Por
Sul 21
[email protected]
Salve-se quem puder. Coronavírus em tempos de anteprojeto no Brasil (por Jaqueline Brizola)
Salve-se quem puder. Coronavírus em tempos de anteprojeto no Brasil (por Jaqueline Brizola)
Posto de Saúde Modelo, Porto Alegre, cartaz de medida de prevenção contra Corona Vírus. Foto: Luiza Castro/Sul21

Jaqueline Brizola (*)

Nos últimos dias, as notícias da propagação do coronavírus na China e Europa vêm preocupando todo o mundo quanto aos potenciais riscos de uma pandemia para países, cujo sistema de saúde, carece de investimentos, como é o caso do Brasil. Enquanto os chefes de Estado de diferentes partes do planeta estão em estado de alerta, utilizando-se de todo arsenal possível para frear um vírus até então desconhecido e para o qual não existe vacina, o atual presidente do Brasil brinca com uma das situações mais graves de saúde pública que nossa civilização enfrenta neste início de século, incentivando manifestações antidemocráticas, aglomerações e minimizando os sérios riscos que corre a população.

O despreparo de Jair Bolsonaro para ocupar o cargo mais importante do executivo fica ainda mais evidente neste momento de crise, isto porque ao observar o avanço da epidemia em países como a Itália, que já contabiliza a impressionante cifra de 2000 mortos, ou as medidas levadas a cabo na Espanha, onde o presidente decretou estado de alarme, proibindo a população de sair as ruas e fechando todo o comércio do país até que se contenha os casos, era de se esperar que um chefe de Estado digno, que manifestasse o mínimo de respeito para com a população que o elegeu, viesse a público imediatamente anunciar as medidas que seu governo elencou para salvar a vida das pessoas.

Mas, ao contrário disso, o que vemos é um comportamento bizarro, de quem em um primeiro momento afirma que o caso nem é tão preocupante assim e, logo depois, incentiva e participação de pessoas em manifestações que pedem o fechamento do congresso, em clara afronta à Constituição federal, em um momento delicado para a saúde pública em todo o mundo, onde a regra é isolar-se para evitar novos contágios. Frente a essa situação, a sensação que temos é de “salva-se quem puder” e, ao que tudo indica, é isso mesmo o que irá acontecer, caso o executivo não cumpra com seu papel e busque soluções imediatas para a crise.

Duvidando da ciência e apostando no slogan “Deus acima de todos” é possível que alguns integrantes do governo pensem que a epidemia de coronavírus não passa de mais um castigo divino, e, neste caso, deixa que Deus resolva, já que o presidente e seus ministros não tem o mínimo de qualificação para isso, a se ver pelo tipo de política pensado pelo governo para o controle de natalidade: “sexo só depois do casamento” disse a ministra Damares. O que esperar de pessoas com uma capacidade cognitiva desta envergadura para pensar políticas públicas de saúde em um momento de grave crise epidêmica como esse que estamos vivendo?

Ao longo das últimas décadas vimos o país avançar em termos de saúde pública, contemos doenças importantes, como a poliomielite, que fora um grave problema para as famílias brasileiras até a década de 1990, expandimos o Sistema Único de Saúde, construímos uma agenda de vacinação das mais completas do mundo, ampliamos o atendimento básico de saúde com a chegada dos médicos cubanos. Em um país onde a desigualdade de renda é abissal, garantir um sistema capaz de oferecer assistência gratuita e de qualidade para uma parcela significativa da população foi uma conquista sem precedentes.

Paralelo aos resultados que produzimos na área da saúde, a ciência e tecnologia também avançaram. Ainda que de forma insuficiente, o conhecimento produzido nas Universidades brasileiras levou nossos pesquisadores a serem reconhecidos e aceitos em outros centros de pesquisa ao redor do mundo, fabricamos, desde a Fiocruz e seu Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz) vacinas contra a Meningite ou o Rotavírus humano, doenças que causam estragos, principalmente entre as crianças, firmamos nossa presença como produtores de conhecimento ao invés de meros receptores. Além disso, são da USP as duas cientistas que desvendaram o genoma do coronavírus, graças a elas, ficará mais fácil para pesquisadores de todo o mundo chegarem a tão desejada vacina contra essa nova modalidade de vírus da gripe.

Diante deste cenário, poderíamos estar mais confiantes para enfrentar o Corona vírus, caso o presidente e seus ministros não fossem implacáveis em desacreditar a ciência brasileira ou em cortar verbas do SUS. Qualquer chefe de Estado estaria orgulhoso das cientistas que produziram conhecimento em tempo recorde sobre o COVID 19, qualquer outro, minimamente comprometido com um projeto de país, chamaria as investigadoras e seus respectivos programas de Pós-graduação e ofereceria recursos para que ampliassem a pesquisa, Bolsonaro, entretanto, não mencionou qualquer palavra sobre o tema, ignorou por completo e foi ocupar-se de convocar os fanáticos, que ainda o apoiam, para aglomerarem-se em favor da ditadura, do AI- 5 e de tudo que mais atrasado possamos acessar no início do século XXI.

Quem pagará por tamanha irresponsabilidade? Eis a pergunta que não quer calar. Após a PEC 95, que congelou os gastos em educação e saúde, e que foi aprovada ainda no governo Temer, não há dúvidas que o plano das elites brasileiras em desestabilizar por completo os serviços públicos poderá levar nosso país a uma situação de caos generalizado. E, neste caso, os conselhos para que as pessoas não se assustem e sigam suas vidas normalmente deveriam ser substituídos por outros, que orientassem a população de forma correta quanto as medidas que devem ser tomadas para que os casos não aumentem e para que nosso sistema de saúde tenha condições de atender os doentes de coronavírus, além dos demais pacientes, que padecem de outras enfermidades.

Mas, em meio à crise sanitária que afeta o mundo inteiro, temos um senhor que brinca de ser presidente, tendo delírios de poder, como diria Marcia Tiburi, sonhando em ser o ditador todo poderoso capaz de fechar o congresso, o STF, o SUS, as Universidades e o que mais lhe impedir de ir adiante com seu excepcional anteprojeto para o país.

Enquanto o mundo civilizado pensa alternativas para conter a crise e salvar a vida das pessoas, estamos sozinhos, ironicamente, reféns do destino, esperando, quem sabe, um milagre, que garanta ao povo brasileiro alguma proteção, que evite um desastre de maiores proporções, porque políticas públicas racionais e baseadas em evidências, neste momento, é pedir demais para o atual presidente.

(*) Jaqueline Brizola é mestre em História pela UFRGS e doutoranda em Estudos Históricos da Ciência e da Comunicação científica na Universidade de Valencia – Espanha.

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora