Opinião
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29 de março de 2020
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10:59

Quarentena no País da desigualdade social (por Paola Carvalho)

Por
Sul 21
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Quem tem o direito à quarentena no país das desigualdades? (Foto: Luiza Castro/Sul21)

Paola Carvalho (*)

Está confirmado mundialmente e recomendado pela Organização Mundial de Saúde, que o isolamento social é a única arma que temos para segurar a disseminação do vírus, o esgotamento imediato dos sistema de saúde e as milhares de mortes. Na forte campanha #fiquememcasa, acertada e incentivada por pesquisadores, infectologistas, imprensa e todos os analistas das curvas de disseminação do vírus no mundo, precisamos nos questionar: Quem tem o direito à quarentena no país das desigualdades?

Os seis bilionários do Brasil, concentram juntos a mesma riqueza que os 100 milhões mais pobres do país, ou seja, a metade da população. A quarentena desses seis bilionários poderia ser de 36 anos para esgotar o equivalente ao seu patrimônio, se gastassem, juntos, um milhão de reais por dia (Dados da Oxfam). São eles: Jorge Paulo Lemann (AB Inbev), Joseph Safra (Banco Safra), Marcel Hermmann Telles (AB Inbev), Carlos Alberto Sicupira (AB Inbev), Eduardo Saverin (Facebook) e Ermirio Pereira de Moraes (Grupo Votorantim). E pasmem, o setor financeiro foi o primeiro socorrido!

Em contraponto aos 36 anos de quarentena que os milionário brasileiros poderiam cumprir, os outros 100 milhões de brasileiros e brasileiras, trabalhadores informais, autônomos, desempregados, que acumulam dois ou três trabalhos para garantir sustento, precisam de medidas imediatas. A fome já era uma realidade, pois no Governo Bolsonaro, período em que tivemos o maior corte de beneficiários do Bolsa Família da história do pais, mais de 1,3 milhão de famílias, acompanhada do desfinanciamento da saúde, educação e assistência social, aprofundados pela EC95. Agravada severamente pela falta de medidas imediatas, confusão de orientações e descompromisso do governo federal, que vem colocando os mais vulneráveis em desespero.

Após mobilização histórica, foi aprovada uma Renda Básica Emergencial na Câmara dos Deputados, de R$600,00 por pessoa, podendo chegar a R$1.200,00, em famílias com dois adultos que cumpram os critérios e em famílias chefiadas por mulheres, pelo período de três meses, podendo ser prorrogado. Muito melhor do que aquela proposta apresentada pelo governo (que alcançaria muito menos gente com apenas R$200 mensais, o CoronaVaucher)! Projeto que seguiu para votação no Senado, com previsão de votação em 30 de março e posterior envio ao Governo Bolsonaro, para sancionar e regulamentar.

Isso mesmo, para ganhar vida, terá que ser executada sob o comando de Bolsonaro, Paulo Guedes e Onix Lorenzonni. O que exigirá de todos e todas nós, permanente mobilização, organização e acompanhamento, forçando imediato implemento! Sendo que, até agora o governo não reconheceu a aprovação para 100 milhões de brasileiros, nem deu sinais concretos de como fará a implementação.

Nas comunidades, favelas e vilas, não está sendo permitido o direito de isolamento e proteção, aos moradores de rua então, nem se fala. Aos que tem moradia, muitas vezes um cômodo acolhe a família inteira, a recomendação de lavar as mãos com água e sabão, é desmontada pela falta de abastecimento e saneamento, somadas a falta de dinheiro para comprar sabão. Álcool gel, além de escasso, é artigo de luxo nos dias atuais. Mas o pior, o muito pior, é a fome e a incapacidade de se planejar, de saber quando virá a ação efetiva dos governos.

A falta de ações concretas em âmbito nacional, estadual e de muitas das nossas cidades, demonstram a cada dia não conhecer a vida real, não conhecer as condições do povo brasileiro. E aqui no Rio Grande do Sul não é diferente, as ações até agora são solidárias (muito necessárias), mas é no Estado, que devemos encontrar caminhos concretos de atendimento social e econômico, de alento aos mais pobres e de respostas que as nossas especificidades exigem. Porém, nem mesmo o pedido do Deputado Valdeci Oliveira para apresentar o Programa Emergencial de Renda Básica no Rio Grande do Sul, foi acolhido pelo Governador, ação que poderia ser realmente imediata.

No entanto, no país das desigualdades, recai sobre os ombros dos pobres fazer a economia girar, mesmo que isso signifique as suas vidas. Afinal, quanto vale a vida dos pobres não é mesmo?

Abre-se um tempo novo, aquele em que conseguimos, finalmente, popularizar o debate da Renda Básica, mesmo que eu ainda sonhe com ela universal e incondicional. Mas precisamos popularizar e aproximar a população ao debate de uma tributação mais justa, do fim dos paraísos fiscais e da cobrança de tributos sobre dividendos no Brasil. Ou se quiser, de perder o medo de falar de taxação das grandes fortunas!

Quem sabe assim, ao invés de 36 anos de quarentena para seis famílias, possamos garantir uma quarentena digna para toda a população, em reais condições de dignidade e subsistência! É fundamental reconhecer que os níveis de desigualdade no Brasil são inaceitáveis, mas, mais do que isso, é possível de ser mudado!

Por enquanto, lutaremos com todas as forças para que a população tenha o direito de viver!

Por enquanto, lutaremos com todas as nossas forças por uma Renda Básica, inicialmente emergencial no Brasil e no Rio Grande do Sul!

(*) Assistente Social, Diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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