Opinião
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25 de março de 2020
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02:32

Portaria 34: necropolítica em meio à pandemia (por João Gabriel Maracci e Sofia Favero)

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Sul 21
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Portaria 34: necropolítica em meio à pandemia (por João Gabriel Maracci e Sofia Favero)
Portaria 34: necropolítica em meio à pandemia (por João Gabriel Maracci e Sofia Favero)
Foto: Luiza Castro/Sul21

João Gabriel Maracci e Sofia Favero (*)

As notícias já conhecemos há dias. A Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) anunciou, de surpresa, um dia antes da abertura do cadastramento para novos bolsistas de mestrado e doutorado em universidades de todo país, uma portaria que retira dos programas de pós-graduação cerca de 30% dos financiamentos para suas pesquisas – reformulando as portarias 18 e 20 (20/02/2020) e a de número 21 (26/02/2020). Ao fazer isso, a CAPES, de modo arbitrário, impôs a redução de bolsas de pós-graduação a programas que já haviam divulgado listas de aprovação.

Na prática, a medida prejudica diretamente os alunos ingressantes, dado que o corte se impôs sobre as bolsas que seriam implementadas às novas investigações. A CAPES, agência do Ministério da Educação, informa em nota que a portaria não se trata de um “corte”, mas sim de uma nova “distribuição” dos recursos, ainda com acréscimo de novas cotas. Contudo, nenhuma informação é disponibilizada acerca das instituições a que tais recursos teriam sido dirigidos, nem sequer os critérios utilizados para tanto, ilustrando uma ausência de debate com a comunidade acadêmica. De fato, o “esclarecimento” da CAPES apenas cita alguns institutos de pesquisa e a valoração das categorias de excelência (notas 6 e 7 segundo os critérios da agência).

No entanto, abundam programas de pós-graduação de todo o país, com excelência nacional e internacional, bem como aqueles que vinham ascendendo nas últimas avaliações, que relatam a perda da maior parte ou de todos os financiamentos anteriormente disponibilizados. Esse processo faz com que programas recentes tenham uma maior instabilidade e necessitem encarar a quase inviável missão de manter suas pesquisas sem subsídio. Se não crescem, não recebem auxílio. Se não recebem auxílio, não crescem. A Portaria 34 inaugura um ciclo vicioso de impossibilidades.

É importante ressaltar, nesse sentido, que as universidades já contavam com um número específico de bolsas, que havia sido distribuído entre os alunos de acordo com seus processos seletivos. Por essa razão, os ingressantes tiveram de firmar um termo de compromisso com a CAPES, que implica, por exemplo, a ausência de qualquer outro vínculo empregatício. Com o resultado das aprovações, não foram poucos aqueles que mudaram de cidade, firmaram contratos de aluguel, compraram passagens aéreas e abandonaram seus empregos para honrar o compromisso com a agência de fomento. Compromisso esse que se mostrou unilateral e sem qualquer contrapartida da mesma.  Tudo isso, somado à pandemia do Covid-19, faz com que tais pesquisadores vejam-se impossibilitados de continuar onde estão, mas também de voltar ao lugar de onde vieram. Temos de lidar com o prejuízo financeiro causado pela CAPES, quando ela exige a mudança para a cidade onde se situa a instituição de ensino, além dos cancelamentos de voos e previsões de fechamentos dos aeroportos. O quadro é de ampla instabilidade e ansiedade compartilhadas por estudantes de todo Brasil.

Vale salientar que, no contexto atual da pandemia, medidas de proteção à população devem ser tomadas, ao invés dos cortes que têm sido observados. Todavia, as bolsas não representam somente a segurança de que os pesquisadores terão meios de sobrevivência durante a crise do Covid-19, mas que também poderão custear seus estudos e investigações em um momento crucial à ciência brasileira – país que atualmente dobra os casos da doença a cada dois dias. Esta deveria ser a oportunidade para fortalecermos nossas redes com as instituições de ensino e pesquisa, e não para cortar investimentos em áreas tão estratégicas e importantes para a nação.

Assim, o raciocínio que informa: “por causa do Covid-19, precisamos cortar investimentos em educação” daria lugar ao reconhecimento de que “justamente” por causa da pandemia é que necessitamos fortalecer as pesquisas. Se assumirmos que os contratos estabelecidos entre os PPGs e os pesquisadores fez com que eles se mudassem e abandonassem seus empregos anteriores, para que pudessem realizar suas pesquisas, então estaríamos reconhecendo que essa decisão arbitrária da CAPES faz com que eles se encontrem diante de um regime de governo que os considera descartáveis. Isso causa consequências graves e imediatas às suas vidas, carreiras e sua saúde – caso, é claro, estejamos lendo a situação com a necessária solidariedade imposta pela pandemia e sua consequente crise financeira e política.

A portaria 34 foi um golpe nos programas de pós-graduação, que receberam com surpresa o corte nos financiamentos já acordados com a instituição meses antes. Mas, acima de tudo, foi um desrespeito e uma irresponsabilidade com os pós-graduandos, que organizaram suas vidas face à aprovação nos processos seletivos, recebendo, como um susto, a confirmação de que aqueles resultados eram apenas ilusórios. Dessa forma, torcemos para que a CAPES revogue a decisão de implementar seus cortes em um momento que exige da nação uma postura de aliança com a produção científica, não dando as costas aos jovens pesquisadores, de diferentes áreas, que têm pensado, através da educação e do conhecimento, meios de reinventar o Brasil.

(*) João Gabriel Maracci e Sofia Favero são mestres pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente, tentam continuar seus estudos de doutorado frente à crise promovida pela CAPES.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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