Opinião
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29 de março de 2020
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17:26

O vírus que mata economistas liberais (por Paulo Niederle)

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O vírus que mata economistas liberais (por Paulo Niederle)
O vírus que mata economistas liberais (por Paulo Niederle)
O ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Paulo Niederle (*)

Steve Bannon, um dos gurus de Donald Trump, aguarda ansiosamente algum tipo de contraprova para o Communist Vírus Injected into Democracies, o famigerado Covid. Assim como Eduardo Bolsonaro, um dos seus maiores fãs, ele precisa que a culpa seja dos chineses. Se eles tiverem razão, além de salvar as democracias capitalistas ocidentais, poderiam explicar porque, aparentemente, este vírus “mata” mais economistas neoliberais do que idosos e portadores de imunodeficiências somados. No entanto, “razão” não é o forte de Bannon e Bolsonaro.

Desde que se difundiu globalmente, o Covid tem atacado com particular virulência a linhagem de economistas deixada por Ludvig von Mises, Friedrich Hayek e Milton Friedman. Aqueles que ainda não morreram, estão confinados em suas casas e não arriscam sair para não chamar a atenção. O experiente ministro da economia desapareceu; largou o Posto Ipiranga no meio da crise. Até mesmo os jovens do movimento liberal brasileiro não arriscam dar as caras nestes tempos de pandemia. À primeira vista, aquilo que os comunistas tentaram por décadas, finalmente foi alcançado com esta nova “arma” biológica.

Parece que nenhum liberal infectado sobrevive nestes tempos sem se abraçar em Keynes. Nestas épocas eles lêem As Consequências Econômicas da Paz, livro escrito há exatamente um século, mais do que a própria bíblia. Rezam dia e noite para que o Estado resolva a crise, salve os empresários, gere empregos. Clamam por um novo Plano Marshal para salvar a sociedade capitalista ocidental da ameaça comunista.

Talvez por conta da febre alta dos mercados, aqueles em situação mais crítica querem que o Estado derrame dinheiro para salvar os bancos e os investidores do colapso do sistema financeiro. Sempre expostos a muitas tensões, agora mais do que nunca estes pobres agentes precisariam ser acalmados por uma boa dose de dinheiro público injetado diretamente nos órgãos do sistema que já absorvem os lucros da economia há vários anos.

Mas não se enganem. Como keynesianos pouco praticantes que são, se tudo der certo, a febre baixar e o vírus desaparecer, estes economistas logo deixarão de freqüentar os cultos da socialdemocracia. A santíssima trindade liberal voltará à cena e a velha ladainha da mão invisível do Deus Mercado ecoará novamente. No entanto, quiçá já não terá a força de antes. Afinal, não se sai nem mesmo de uma “gripezinha” destas sem algumas seqüelas.

Durante algum tempo, os economistas liberais infectados não terão plenos pulmões para clamar novamente pelo fim do Estado. Durante alguns anos a economia necessitará de um Estado forte, seja para sustentar o setor industrial, seja para afastar o risco sempre presente de uma convulsão popular em decorrência da explosão de enfermidades sociais que nunca foram preocupação para os liberais: pobreza, fome, desemprego, desigualdade…

Para todos aqueles que nunca foram suscetíveis a este tipo de lógica perversa e desumana, a questão mais importante depois de salvar vidas, inclusive as destes liberais moribundos, é não deixar que suas insanidades coloquem novamente em risco a vida dos outros. Não esqueçamos que foram eles que destruíram os anticorpos do sistema; que atacaram o SUS para ampliar os lucros dos planos privados de saúde; que destruíram as políticas de emprego, renda e seguridade social para diminuir os custos dos empresários; que avançaram contra o serviço público, incluindo até mesmo a pesquisa pública que, neste momento, é a única alternativa que lhes resta.

Enquanto eles se escondem em busca das mais insanas teorias sobre o vírus comunista, aqueles que ainda possuem um pouco de razão tentam de todas as formas contribuir para salvar vidas, seja cinco mil ou apenas uma. O esforço vale à pena. Ao mesmo tempo, buscam criar os meios para que, depois de curados, esses liberais enfermos não continuem a destruir os anticorpos que a sociedade necessita para proteger-se das novas epidemias que virão.

(*) Paulo Niederle é professor de Sociologia Econômica e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UFRGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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