Opinião
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18 de março de 2020
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11:56

É preciso ficar em casa e garantir a renda das famílias (por João Vicente Godoy,Nicolas Alcântara e Júlia Lanz)

Por
Sul 21
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Rua dos Andradas, em Porto Alegre, já ficando esvaziada ao fim da tarde de terça-feira (17). Foto: Luiza Castro/Sul21

João Vicente Godoy,Nicolas Alcântara e Júlia Lanz (*)

O Brasil abriu os olhos para o coronavírus nesta semana. No entanto, nada adianta ter aberto os olhos sem tomar medidas que de fato são necessárias para um país tal como o nosso frente a essa calamidade. É verdade que algumas importantes medidas estão sendo tomadas. Mas não são suficientes.

Estamos em um momento estratégico para evitar a evolução da pandemia por meio do isolamento domiciliar, porém os metrôs da cidade de São Paulo continuam lotados, bem como os ônibus em todas as cidades brasileiras. Ao mesmo tempo, trabalhadoras/es informais como as/os ambulantes precisam vender para ter o que comer e pagar suas contas, o jovem precisa encontrar trabalho e renda em um contexto no qual a taxa de desemprego entre os jovens chega a quase 30%. Enquanto isso o alimento está caro como nunca antes, aluguel, gás, luz e água não param de aumentar. As taxas de IPTU foram reajustadas em muitas capitais de maneira pouco progressiva e muitas vezes regressiva, ou seja, afetando negativamente a classe trabalhadora, esta que está em grande parte submetida ao trabalho informal. A suspensão da cobrança das taxas de água, luz, gás, à exemplo do que fez a França, devem ser imediatas. As parcelas do IPTU devem ser canceladas enquanto durar a pandemia. E transferência de renda direta para a população é uma solução importante, que já está em vias de ser implementada nos Estados Unidos.

As ruas já começam a esvaziar, com a suspensão de aulas e alguns locais de trabalho permitindo trabalhar de casa, mas a tendência é piorar, levando em conta a grande maioria que não tem essa possibilidade. Sendo assim, a renda de muitos será drasticamente reduzida, a exemplo de ambulantes, serventes de pedreiro, quem trabalha em restaurantes, em bares, espaços culturais, academias e mesmo aplicativos de transporte e alimentação. Então é importante perceber que a quarentena é um privilégio. Então, como se isolar se há a necessidade de trabalhar para garantir renda? Como trabalhar sem clientes?

Uma proposta para garantir o pagamento dos funcionários dispensados em função da limitação de acesso aos estabelecimentos, bem como pelas orientações governamentais de isolamento social, seria uma contrapartida pública para renegociação de eventuais dívidas que empresas possuam com os cofres municipais, estaduais e federais e, se necessário, redução de impostos recolhidos. Tudo isso na condição de garantia total da permanência dos empregos. Outro ponto fundamental em relação aos estabelecimentos que permanecerem abertos é a fiscalização permanente do PROCON em relação ao preço das mercadorias, penalizando locais com preços abusivos conforme os termos da Lei.

Não podemos nos esquecer que com o fechamento dos espaços culturais a classe artística também fica completamente fragilizada economicamente. É necessário que se construa opções para que possam se manter em casa como toda a população e ao mesmo tempo ter uma renda mínima garantida. Neste tema, precisamos envolver e pensar em conjunto com as entidades que representam os produtores culturais, artistas, entre outros, qual seria a melhor forma de comprovar atuação desses profissionais na área fora do período do coronavírus e assim garantir um modelo de renda, seja um salário mínimo, um fundo cultural ou outro modelo a ser construído coletivamente.

Outra situação são trabalhadoras/es que se mantém em serviço, porém em condições que nesta pandemia se tornam insalubres. Isto ocorre com caixas de supermercados, cobradores e motoristas de ônibus, trabalhadoras/es da construção civil e diaristas. Há casos de trabalhadoras domésticas não dispensadas do serviço quando patrões entram em quarentena. Essas trabalhadoras, depois de passar o dia em contato com pessoas possivelmente infectadas necessitam utilizar o transporte público e voltar para sua família, colocando toda uma população em risco por conta do luxo de uma classe média alta e dos ricos do nosso país.

A outra opção dessas trabalhadoras/es é não ir trabalhar correndo o risco de demissão e, consequentemente, de não conseguir sustentar a família. Neste momento, profissionais de saúde e da segurança pública, são imprescindíveis e vale lembrar que estes possivelmente estarão sob exposição do vírus. Além de que a continuação do serviço de profissionais da segurança pública se torna ainda mais necessária no momento em que os espaços públicos estão esvaziados.

No caso do transporte público é necessário o aumento da frota para evitar superlotação, além de higienização dos ônibus a cada viagem realizada e disponibilização de álcool gel para todos os seus usuários. E para evitar o crescente ainda maior do desemprego com a redução do emprego formal e informal devido ao COVID-19, a ampliação do valor e da cobertura do programa Bolsa Família se torna urgente e necessária.

E, por fim, defendemos a urgente revogação da Emenda Constitucional do teto de gastos (EC 95), que ao tramitar em 2016 era conhecida como PEC do fim do mundo ou PEC do Teto. Somente com a revogação vamos interromper o congelamento do orçamento destinado aos investimentos sociais do país, como nas áreas de saúde e assistência social que serão vitais nesse período de enfrentamento e reconstrução em consequência da pandemia. Quando retomamos 21 bilhões de reais para a saúde e mais o orçamento de assistência social, estaremos melhor preparados para lidar com a situação do desemprego e reorganizar o orçamento federal, estadual e municipal para lidar com a pandemia.

Não há uma única solução e também é um momento difícil de julgamento sobre quais são as melhores possibilidades. Mas opções existem e precisam ser tomadas urgentemente pelos poderes públicos, além das medidas que já vem sendo tomadas.

(*) João Vicente Godoy, engenheiro hídrico e mestrando em recursos hídricos e saneamento ambiental; Nicolas Alcântara, mestrando em Políticas Públicas e Júlia Lanz, jornalista. Os 3 autores compõe o coletivo de juventude Fora da Ordem.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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