Opinião
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28 de março de 2020
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11:15

Coronavírus: Bolsonarismo e conflito no seio da classe média (por Daniel Alem)

Por
Sul 21
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Coronavírus: Bolsonarismo e conflito no seio da classe média (por Daniel Alem)
Coronavírus: Bolsonarismo e conflito no seio da classe média (por Daniel Alem)
 Foto: Luiza Castro/Sul21

Daniel Alem (*)

Recente pesquisa divulgada pelo Datafolha demonstrou que a imagem do presidente Bolsonaro sofreu considerável desgaste nos setores mais ricos do país. Entre os que possuem uma renda superior a 10 salários mínimos, 51% avaliam que o desempenho dele, em relação ao surto do novo coronavírus, tem sido péssimo ou ruim. Ou seja, o desgaste ocorreu no setor da sociedade brasileira que deu sustentação política e foi decisivo na condução de Bolsonaro à Presidência, a chamada classe média.

Mas a corrosão da popularidade de Bolsonaro, sobretudo em sua base de sustentação, vem acontecendo há certo tempo. Nas redes sociais, onde o presidente sempre teve um ótimo desempenho, as interações positivas a respeito dele vem caindo fortemente, como apontaram os estudos também recentes da FGV e da Quaest Consultoria. Essa queda veio acompanhada no mundo real de panelaços, pedidos de impeachment e críticas da maioria dos governadores.

Há fortes indícios de que o derretimento da imagem do presidente na base política não foi resultado de um único motivo. Durante os primeiros meses do ano 2020, esse setor social sofreu algumas perdas que podem explicar aquele desgaste, a saber: alta do dólar; queda da bolsa de valores, e; descuido do governo em relação a pandemia do covid-19.

A partir de agosto de 2019, o dólar deu uma arrancada que acabou encarecendo vários produtos e serviços da cesta de consumo dos integrantes daquela parcela sociedade (viagens internacionais, eletroeletrônicos, determinadas vestimentas etc.). O dólar saiu da casa do R$ 3,77, naquele período, para alcançar os R$ 5,14, prejudicando o padrão de consumo da classe média e criando uma insatisfação muito grande.

Além do problema cambial, a classe média viu cair por terra a estratégia usada para manter os seus ganhos financeiros, ao migrar da renda fixa para aplicações em renda variável. Entre o final de 2018 e o momento de eclosão da crise do covid-19, em fevereiro de 2020, o número de investidores pessoa física na bolsa de valores saltou dos 813 mil para quase 2 milhões. Esses novos investidores se defrontaram com uma queda acumulada da bolsa de 45,03%, em 2020. E ao perderem dinheiro e poder de compra, ao longo dos últimos tempos, acumularam prejuízos e descontentamentos bem no governo que ajudaram, de modo crucial, a eleger.

Em meio ao aumento da insatisfação mencionada, o surto do coronavírus caiu como uma bomba na aprovação de Bolsonaro, como mostrou a pesquisa Datafolha. Com o dólar nas alturas, coube a uma parcela da classe média importar o vírus (por meio de suas viagens internacionais, a exemplo da comitiva presidencial que retornou contagiada dos EUA). De fato, o início do surto tem se concentrado nas regiões mais ricas do país. Por isso o presidente foi muito criticado ao desdenhar do surto bem quando as famílias desse segmento social se viam impactadas pela possibilidade do contágio com o covid-19.

O ápice da insatisfação com Bolsonaro ocorreu quando ele convocou, sendo atendido por parte classe média, uma manifestação para todo o país em apoio ao seu governo. Como se a convocação já não fosse um atentado a saúde pública, por conta da aglomeração em um momento de alastramento do vírus, o presidente resolveu se reunir e confraternizar com os manifestantes, mesmo tendo a suspeita de ter sido contagiado pelo covid-19 nos EUA.

Ou seja, o desgaste de Bolsonaro em sua principal base de sustentação política, ocorreu por questões concretas ligadas a elementos econômicos e potencializados pela inabilidade do governo em tratar da pandemia do novo coronavírus. Esse desgaste tem potencial para isolar o presidente, o que causaria um melancólico final de governo ou mesmo um final antecipado.

Não parece, porém, que Bolsonaro vai encarar a perda de sua principal base de apoio sem lutar. Sabedor que a política de isolamento, paradoxalmente, atende aos clamores da classe média em relação ao combate do covid-19, mas também traz enormes custos econômicos, o presidente tem usado a narrativa de que os efeitos maléficos do isolamento serão maiores que os benéficos. Diante das perdas econômicas que vinham sendo acumuladas com a alta do dólar e queda da bolsa, Bolsonaro sabe que um novo prejuízo com os efeitos econômicos do isolamento pode fazer com que a classe média venha a relativizar a necessidade de um combate mais duro à pandemia do novo coronavírus. Não é à toa que o discurso do presidente comece a encontrar eco nessa parcela da sociedade.

O momento atual, portanto, é de uma disputa no interior da classe média, em que os efeitos sanitários e econômicos da pandemia serão, a todo momento, calculados. Dessa disputa é que se definirá a manutenção da classe média como principal base de sustentação política do bolsonarismo, ou não.

(*) Mestre pela UFBA e Doutorando na UERJ em economia.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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