Opinião
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19 de fevereiro de 2020
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10:54

Prefeito que não valoriza a cultura não merece estar lá (por Everton Gimenis)

Por
Sul 21
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Prefeito que não valoriza a cultura não merece estar lá (por Everton Gimenis)
Prefeito que não valoriza a cultura não merece estar lá (por Everton Gimenis)
Ato em defesa da Cinemateca Capitólio. Foto: Luiza Castro/Sul21

Everton Gimenis (*)

Quando alguém se candidata a prefeito de uma cidade, o mínimo que se espera é que conheça a cultura deste lugar, respeite-a, incentive todas as formas de manifestação, construa e mantenha equipamentos que permitam sua difusão. Infelizmente, não é o que acontece com o Prefeito Nelson Marchezan Jr. em relação à Cinemateca Capitólio e nem às demais expressões da cultura popular de Porto Alegre. Ele não se importa com a arte e com a cultura de nossa cidade, tanto que logo em seu primeiro ano de mandato, acabou com o incentivo financeiro ao carnaval, que já era aquém do necessário.

Outro forte ataque neste setor foi no ano de 2018, quando a Prefeitura deixou de ser uma das principais patrocinadoras da Feira do Livro de Porto Alegre, como ocorria anteriormente. Pior que isso, ainda decidiu cobrar um aluguel de R$ 180 mil reais pela utilização do espaço público. Graças à pressão popular daqueles que amam a Feira do Livro que está aqui desde 1955, o prefeito foi obrigado a desistir da ideia de estrangular este que é um dos maiores eventos literários a céu aberto da América Latina, tão importante para a cultura gaúcha.

Três anos se passaram, chega o período pré-eleitoral, e é neste momento que o prefeito decide então retornar com os repasses às escolas de samba porto-alegrenses. Não é um absurdo? É preciso dar um basta à essa falsidade! Marchezan se elegeu para governar durante quatro anos, mas só trabalha no último, às vésperas das eleições.

Continuando o histórico de ataques ao setor, a gestão municipal de Porto Alegre já tem um novo alvo neste ano: a Cinemateca Capitólio! O caráter social do teatro está ameaçado porque a Prefeitura pretende privatizar a sua gestão sem maiores explicações. Nós não podemos deixar que isso aconteça, meus amigos. É necessário resistência na cultura. Digo isso por que, como dirigente do SindBancários, tive a oportunidade de participar de diversas iniciativas de promoção da cultura na Casa dos Bancários, e ajudar a planejar e realizar o CineBancários. Isto me deu experiência suficiente para afirmar que sim, é possível fazer diferente! É urgente exigir diálogo, tomar as ruas e defender o Capitólio, pois ele é um patrimônio do povo porto-alegrense, percebam:

A Cinemateca Capitólio, originalmente conhecida como Cine-Theatro Capitólio é um centro cultural localizado no coração de Porto Alegre. Tem imenso valor artístico e é guardião de um acervo raro. Fora do Rio Grande do Sul, apenas os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo possuem cinematecas. Evidentemente, capitais de países que atraem milhões de turistas por ano, como Paris, Nova Iorque e Berlim são dotadas dessa ferramenta pública de educação e cultura.

Para entendermos melhor sua importância em nossa capital, precisamos contar como o Capitólio surgiu e sobreviveu. Assim, poderemos descortinar o contexto histórico que precedeu as ameaças de terceirização promovidas pelo governo municipal. O teatro nasceu em uma das décadas mais conturbadas do século XX. É importante lembrar, que o Cine-Capitólio, apelido carinhoso dado pelos mais chegados, já encontrava-se edificado antes mesmo da finalização da Avenida Borges de Medeiros, ou seja, houve um tempo em que já era possível enxergar seu prédio, mas não era possível avistar o final da histórica avenida.

Foi construído no ano de 1928, no nosso querido Centro Histórico, coração de Porto Alegre, antecedendo à crise financeira global de 1929. Quando inaugurado, o Capitólio já era de uma magnitude, deslumbrante para as construções da época. Arquitetado pelo engenheiro Domingos Rocco, o centro cultural possuía requintes luxuosos e se tornou uma grande referência artística na nossa cidade. O salão principal chegou a ter a capacidade de abrigar cerca de mil e trezentas pessoas. O Capitólio operou ininterruptamente durante 66 anos, até que, depois de amargar baixos níveis de bilheteria, fechou as portas em 1994.

Um ano depois, durante a Administração Popular, sob a liderança de Tarso Genro – PT, a prefeitura projetou novos planos para o teatro e os concretizou: declarou o Capitólio patrimônio cultural do Estado do Rio Grande do Sul e adquiriu o velho prédio. Em 2001, a comunidade cinematográfica gaúcha demonstrou à Prefeitura a intenção de transformar o Cine-Teatro em uma Cinemateca. Em 2004, sob a gestão do prefeito João Verle – PT, iniciou-se um processo de revitalização e criação de um espaço de guarda da memória audiovisual do estado. Com a mudança de comando na capital, este processo tardou, até que, finalmente o teatro foi reaberto em 2015, com o patrocínio público da Petrobras.

Enquanto esteve na prefeitura, o PT, comprovou que a arte e a cultura de uma cidade podem e devem ser valorizadas e respeitadas. Mais do que isso, provou que vale a pena revitalizar, reformar e readequar as estruturas que mantém um centro cultural desta magnitude em funcionamento. Tudo isso, sem terceirizar responsabilidades e muito menos entregar este patrimônio às mãos da iniciativa privada.

Quero lembrar que, paralelamente à história do Capitólio, o CineBancários também estará completando os seus 12 anos de atividade em outubro próximo. O cinema, localizado na General Câmara, a tradicional Rua da Ladeira, a poucos passos do Theatro São Pedro, foi uma iniciativa para criar uma janela do Brasil e para o Brasil. Ou seja, mostrar a nós mesmos a verdadeira cara do nosso país.

Na direção do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, sempre nos preocupamos em dar formação cultural, política e social, não só aos bancários sindicalizados, mas a todos os cidadãos porto-alegrenses que, através do CineBancários, podem expandir seus horizontes para além das realidades estreitas dos filmes demasiadamente comerciais.

Inaugurado em 2008, o CineBancários contou com uma bilheteria de quase 140 mil espectadores em mais de 250 lançamentos de filmes brasileiros e latino-americanos. Em onze anos de funcionamento, a sala exibiu as produções nacionais mais significativas do período, como Aquarius, Que Horas Ela Volta?, Mãe Só Há Uma, O Processo, A vida invisível, Bacurau, Divino Amor, Greta, entre tantos outros. E está prestes a fazer o lançamento exclusivo do filme Marighella dirigido por Wagner Moura, com Seu Jorge, Adriana Esteves e Bruno Gagliasso no elenco.

Portanto, é possível, sim, sonhar e realizar! E é notável que a atual gestão de Porto Alegre tenha um entendimento completamente diferente do nosso, já que, sob o comando do prefeito tucano, decidiu terceirizar a gestão do teatro com uma proposta de contratualização que será publicada oficialmente no Diário Oficial no mês de março.

Marchezan seguiu o mesmo manual de outros governos autoritários, já que a medida está sendo tomada sem diálogo e à toque de caixa, deixando funcionários, frequentadores e artistas perplexos por não encontrarem justificativas para tal atitude. Portanto, com a Cinemateca Capitólio prestes a completar cinco anos de funcionamento, desde a sua reinauguração, nos resta fazer muito barulho e tomar as ruas para evitar que a Prefeitura continue desprestigiando a cultura dos porto-alegrenses. É possível fazer diferente! Temos que exigir isso!

Afinal, resistir também é papel da cultura!

(*) Presidente do SindBancários e Vice-presidente da CUT/RS

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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