Opinião
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10 de fevereiro de 2020
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12:42

Parceria público-privada ou presente de pai rico? (por Gerson Almeida)

Por
Sul 21
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Parceria público-privada ou presente de pai rico? (por Gerson Almeida)
Parceria público-privada ou presente de pai rico? (por Gerson Almeida)
Ato contra a terceirização da Cinemateca Capitólio. Foto: Luiza Castro/Sul21

Gerson Almeida (*)

Com pompa e circunstância, o prefeito Marchezan e seus secretários Luciano Alabarse, da cultura, e Thiago Ribeiro, das chamadas parcerias estratégicas, lançaram o Edital de terceirização do Atelier Livre e da Pinacoteca Rubem Berta. Há, ainda, vários outros equipamentos e serviços da cidade que o governo Marchezan quer entregar: o Mercado Público, a Iluminação Pública, a Cinemateca Capitólio, etc. O governo chama essa terceirização de “parceria”, assim como chama a sua incompetência gerencial de “busca de maior eficiência e economicidade”.

O discurso se pretende moderno, mas não passa de uma abordagem tecnocrática e maculada pela vulgaridade ideológica em voga no país, na qual tudo o que é público passa a ser identificado como ineficiente; enquanto a gestão privada é colocada no panteão da eficácia. Esta é a chave cínica que busca legitimar a entrega do patrimônio e das responsabilidades públicas para o interesse privado.

O governo, assim, não possui outra motivação que não seja a de se desresponsabilizar da produção de políticas públicas culturais, mas não deixará de transferir recursos do Orçamento para os “parceiros”. As políticas culturais serão formuladas privadamente, mas continuarão a serem financiadas com recursos públicos.

Será esta uma interpretação exagerada? Vejamos.

O Edital de Chamamento Público nº 002/2020, estabelece que a PMPA aportará o valor de R$ 5.376,498,00 ao longo de cinco anos (item 4.3), cujas “parcelas serão reajustadas anualmente pelo IPCA ou índice que venha a substituí-lo”. (item 4.7). No entanto, “Não será exigida qualquer contrapartida da Organização da Sociedade Civil selecionada” (item 4.5).

Além disto, “Os valores descritos no item 4.3 estão sujeitos a alterações conforme o art. 57 da Lei Federal nº 13.019, de 2014” (item 4.4).

E qual é o teor do artigo mencionado?

O Art. 57, prevê que “O plano de trabalho da parceria poderá ser revisto para alteração de valores ou de metas, mediante termo aditivo ou por apostila ao plano de trabalho original. (Redação dada pela Lei nº 13.204, de 2015).”

Ou seja, a prefeitura financiará e reajustará anualmente os valores, sem o contingenciamento e escassez de recursos sempre alegados nesta gestão, não cobrará contrapartidas e, ainda, poderá decidir pela alteração dos recursos que repassará para a Organização Social financiada. Um verdadeiro presente de pai rico.

Depois de três anos de governo, Marchezan e seus secretários usam e abusam do argumento da ineficiência do serviço público como justificativa para a terceirização. Ora, mas não é exatamente esta a responsabilidade dos gestores, eleitos para qualificar e oferecer melhores serviços e políticas públicas?

Falham vergonhosamente nas suas incumbências, ou o descaso e inépcia são o método escolhido para melhor obter o intento de transferir ao capital privado áreas de grande interesse público, que já mostraram o quanto podem ser eficientes quando minimamente apoiadas pelos governantes?

O Atelier Livre, por exemplo, é resultado de uma longa luta de artistas e da sociedade civil, que se empenharam para dotar a cidade de um local de produção artística e de ensino não formal de arte. Já com sessenta anos, o Atelier foi idealizado como um espaço inclusivo e aberto à comunidade, portanto, público e livre. Tão bem sucedida é a sua trajetória, que é difícil encontrar algum(a) artista gaúcho que não deva ao menos parte da sua formação ao Atelier Livre.

Com menos tempo de história, mas construída igualmente num processo de lutas relevante, a Cinemateca Capitólio rapidamente se tornou um espaço único para a preservação da memória audiovisual do nosso estado. Além disto, entre tantas outras características, é um caso de grande sucesso na iniciação e formação de público juvenil, oriundo das escolas da cidade.

É inquestionável, portanto, que o Atelier Livre e a Cinemateca Capitólio, assim como a Pinacoteca Rubem Berta, o Mercado Público Municipal e tantas outras instituições que o atual governo quer entregar para a iniciativa privada, são instituições culturais que conferem à Porto Alegre uma riqueza imaterial nunca mensurada pela indigência presunçosa desses gestores.

Isto não pode continuar.

(*) Sociólogo

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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