Opinião
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24 de fevereiro de 2020
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12:43

Não é não! (por Vitalina Gonçalves)

Por
Sul 21
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Vitalina Gonçalves (*)

O carnaval é a grande farra do povo. O nosso instante de catarse. Há quem afirme que no carnaval desnudamos nossa alma. Momento em que o sagrado e o profano se embaralham, num sincretismo tipicamente brasileiro. A criatividade elaborada artesanalmente transborda de forma grotesca e exagerada. Corpos fantasiados se comunicam através do irônico e expõem visceralmente o contraditório do cotidiano. No carnaval o corpo em excesso, travestido e vibrante deixa de ser uma mercadoria, nega-se a ser pecado e se torna corpo em festa, corpo em balanço.

Vitalina Gonçalves (Divulgação)

Joãosinho Trinta, no final dos anos 80, trouxe para avenida um Brasil empobrecido e maltrapilho. Precisou explicar sua contestação para interlocutores escandalizados e acostumados com imagens glamourosas. Ele provocou o reencontro do carnaval com seu passado burlesco de protesto e resistência. Trazido para os trópicos por colonizadores foi antropofagizado por colonizados e escravizados. O samba e o rebolado negro se impuseram.

O carnaval brasileiro se enriqueceu com uma diversidade anárquica e auto-organizada por baixo, comprovando que quando o espaço público democrático se esvazia os tambores da cultura falam mais alto. Escolas de samba, blocos e foliões prometem um grande carnaval. Preparemo-nos para ouvir as vozes de protesto e esperança. “Brasil esquece o mal que te consome, que os filhos do planeta fome não percam a esperança em seu cantar” (Mocidade). “Não tem futuro sem partilha nem messias de arma na mão” (Mangueira). “Dignidade não é luxo, nem favor. O rio pede socorro. É terra que o homem maltrata” (Unidos da Tijuca).

A indignação de muitos de nós será extravasada. Rosto negro não pode ser discriminado, sangue índio não pode ser derramado, corpo de mulher não pode ser violentado. Recusaremos o país da desigualdade. Não se pode elogiar a brutalidade e diplomar a estupidez. As mulheres nos ensinarão que o corpo não é propriedade. Diremos ao presidente que não é não, que temos uma Constituição e queremos a democracia de volta.

(*) Professora e secretária-geral da CUT-RS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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