Opinião
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18 de fevereiro de 2020
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16:12

Megamineração ameaça o Rio Grande do Sul (por Marcos Todt)

Por
Sul 21
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Megamineração ameaça o Rio Grande do Sul (por Marcos Todt)
Megamineração ameaça o Rio Grande do Sul (por Marcos Todt)

Marcos Todt (*)

A vitória de Jair Bolsonaro na eleição presidencial de 2018 significou a chegada ao poder de uma nova direita ultraconservadora cujo radicalismo se faz presente também na área ambiental. Pela primeira vez, ex-ministros do Meio Ambiente de diversos matizes políticos se uniram para denunciar o desmantelamento da agenda ambiental. O presidente em pessoa ataca ONG’s e ativistas, afirma que gostaria de confinar os ambientalistas na Amazônia, defende abertamente a mineração, e seu ministro do meio ambiente foi condenado em primeira instância por favorecer ilegalmente empresas mineradoras.

Em meio a esta conjuntura, apenas no Rio Grande do Sul há mais de 150 projetos de mineração. Os projetos podem ser alavancados pela recente aprovação de um novo código ambiental estadual, proposto a partir da lógica de que a legislação existente prejudicava a necessidade de crescimento da economia, e pelo discurso adotado pelas mineradoras, prometendo emprego e renda.

Um dos projetos de mineração em andamento, o Mina Guaíba, expõe Porto Alegre e Região Metropolitana a uma catástrofe. Destacam-se também, pela magnitude, outros três projetos, todos eles documentados no Atlas Global de Justiça Ambiental: Três Estradas, Caçapava do Sul e Retiro.

Projeto Mina Guaíba

A apenas 16 km do centro de Porto Alegre e em meio a áreas de preservação ambiental, a mineradora privada brasileira Copelmi, associada a capital estadunidense e chinês, pretende instalar a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil. Embora a proximidade com o centro da capital do estado, os estudos de impacto ambiental contratados pela empresa desconsideraram Porto Alegre na análise de impactos.

A previsão é de extração de reserva estimada de 166 milhões de toneladas do mineral em área de mais de 4.300 hectares. A mina ficaria a apenas 1,5 km do rio por onde passa mais de 80% da água da cidade, com alto risco de contaminação do lençol freático por metais pesados. Diversas famílias seriam expulsas de seus territórios, incluindo agricultores responsáveis por uma das maiores produções de arroz agroecológico da América Latina. Seria a troca de arroz sem veneno por carvão, em plena batalha da humanidade contra o aquecimento global.

Projeto Três Estradas

A empresa australiana Águia Resources Limited, ligada ao grupo canadense Forbes & Manhattan, afirmou que Bolsonaro é “pro mining” e pretende extrair fosfato a céu aberto, com barragem de rejeitos, em Lavras do Sul. O município pertence ao bioma pampa e possui mais de 85% de campos nativos. Há o temor de que o modo de vida presente no bioma e suas paisagens sejam descaracterizados pelas cavas e pelas enormes pilhas de estéreis. Na região há mais de 4 mil famílias que produzem em assentamentos da reforma agrária e diversas populações tradicionais.

Recentemente, o Conselho Nacional de Direitos Humanos recomendou a anulação da Licença Prévia já concedida ao projeto. Dentre os motivos, constam o fato de a empresa ter oferecido vantagens econômicas a agentes públicos e a existência de dois pareceres técnicos firmados por pesquisadores de universidades da região que apontam omissões e erros graves no Estudo e no Relatório de Impacto Ambiental (EIMA/RIMA).

Projeto Caçapava do Sul

Outro empreendimento que coloca em risco o bioma pampa, prevê a extração de cobre, chumbo e zinco às margens do Rio Camaquã, em Caçapava do Sul. A responsável pelo projeto é a Nexa Resources S/A, empresa de capital aberto com matriz em Luxemburgo e ações negociadas nas bolsas de Toronto e Nova Iorque nascida da união entre a Votorantim Metais (Brasil) e a Milpo (Peru).

Além do risco de contaminação dos recursos hídricos pelos metais, a agricultura, pecuária e ovinocultura devem ser afetadas. Na região, considerada uma das sete maravilhas naturais do Rio Grande do Sul, há sítios que integram o patrimônio geológico brasileiro. A localidade já sofreu com gravíssimo acidente provocado por vazamento de mercúrio, no início dos anos 1980. Com razão, há resistência ao projeto em municípios vizinhos, que fazem parte da mesma bacia hidrográfica.

Projeto Retiro

Em São José do Norte, a empresa Rio Grande Mineração S/A, associada a capital canadense, pretende extrair ilmenita, rutilo e zirconita em região considerada de alta prioridade no mapa do Ministério do Meio Ambiente, entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. O projeto coloca em risco a produção agroecológica e a pesca artesanal, atividades importantes na região.

Há ações civis públicas do Ministério Público Federal, uma delas denunciando a violação do direito à informação e à participação pública no processo de licenciamento ambiental, e forte oposição da população local ao projeto. Em 2019, uma proposta de lei proibindo a mineração no município, sugerida pelo movimento “Não Queremos mineração em São José do Norte” foi aprovada pela Câmara Municipal e sancionada pela prefeita. Mas a população segue mobilizada, pois a mineradora não desistiu de suas intenções.

Comitê de Combate à Megamineração

Diante deste quadro que pode provocar colapso social e ambiental no estado, foi fundado, em 2019, o Comitê de Combate à Megamineração no Rio Grande do Sul (CCM/RS). Com o slogan “Sim à vida, não à destruição!”, o objetivo inicial era conscientizar a sociedade de que a luta contra a megamineração não é responsabilidade somente de entidades ambientalistas.

A estratégia deu certo. O CCM/RS unificou uma variedade grande de entidades que não costumavam atuar em conjunto. Já conta com cerca de 120 organizações, incluindo associações ambientais e de classe, sindicatos, grupos estudantis e de agricultores e grupos de pesquisa.

Essa articulação colocou em outro patamar a mobilização social contra a megamineração no estado e, em alguma medida, superou a tentativa de marginalização do ativismo imposta pela atual hegemonia política no país. O CCM/RS tem lançado manifestos, vendido camisetas, promovido e participado de debates, apresentado contestação aos EIA/RIMA e realizado atividades de mobilização. Essas atividades trabalham conjuntamente questões como críticas ao modelo de desenvolvimento hegemônico e lutas em torno da cultura, território e lugar.

(*) Marcos Todt é doutorando em Ciências Sociais na PUCRS e Diretor de Formação para o Bem Comum na APCEF/RS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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