Opinião
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18 de fevereiro de 2020
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19:49

Força-tarefa de Combate aos Feminicídios: porque o Estado tem obrigação de agir! (por Jeferson Fernandes, Ariane Leitão e Antonia Martins)

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Sul 21
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Força-tarefa de Combate aos Feminicídios: porque o Estado tem obrigação de agir! (por Jeferson Fernandes, Ariane Leitão e Antonia Martins)
Força-tarefa de Combate aos Feminicídios: porque o Estado tem obrigação de agir! (por Jeferson Fernandes, Ariane Leitão e Antonia Martins)
Crescimento de 233% dos feminicídios no RS em 2020 preocupa força-tarefa. (Reprodução/Facebook)

Jeferson Fernandes, Ariane Leitão e Antonia Martins (*)

Iniciamos o ano de 2020 com números assustadores relativos às mortes de mulheres no RS. O crescimento de 233% dos feminicídios em nosso estado indica o que já vínhamos alertando desde o fim da Secretaria Estadual de Políticas Para as Mulheres: ou investimos em políticas públicas de prevenção contra a violência doméstica e intrafamiliar (pois atinge também as crianças e adolescentes) ou o número de mortes de mulheres será cada vez maior!

Em 2019, quando chegamos na presidência da Comissão de Segurança e Serviços Públicos da Assembleia Legislativa, já nos primeiros dias de trabalho, começamos a receber inúmeros pedidos, vindos dos movimentos de mulheres e feminista, para que tivéssemos especial atenção ao tema dos feminicídios, que já se apresentava em linha ascendente. Assim, formamos um Grupo de Trabalho-GT dirigido por essa Comissão, em parceria com os movimentos sociais, para discutir ações voltadas ao enfrentamento deste crime.

Nossa mobilização cresceu; e a disposição em fazer um trabalho compromissado com os direitos humanos de mulheres e meninas, em parceria com todo Poder Público, criou a Força-tarefa de Combate ao Feminicídios no RS. Uma ação interinstitucional, junto com a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, além dos sistemas de segurança e Justiça, que percorreu todo o estado ouvindo autoridades, população, sobretudo as mulheres, para apontar um diagnóstico, apontando os principais desafios no combate às mortes violentas de mulheres pela condição de gênero.

Foram 7 (sete) encontros regionais, 2 (duas) reuniões técnicas locais, dezenas de autoridades ouvidas e centenas de mulheres. Estivemos em Brasília, a convite da Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados; apresentamos nosso trabalho como exemplo para ações semelhantes nos parlamentos. Pautamos na agenda pública a importância das políticas públicas para as mulheres, provando que os governos, ao negligenciarem estes direitos, acabam cúmplices na aplicação de uma política de morte, que é o que enfrentamos no Brasil e no RS.

O presidente Jair Bolsonaro recentemente anunciou o corte total de verbas para ações de enfrentamento à violência contra mulher, acabando com o maior programa da história do país neste sentido que foi a Casa da Mulher Brasileira. Ao ser indagado sobre tal decisão, disse que não era necessário dinheiro para reverter este cenário dantesco de mortes, que coloca o Brasil como o 5º país do planeta que mais mata mulheres, mas sim a mudança da postura da mulher, em uma nítida posição de culpar as vítimas pela violência machista que sofrem.

No RS, o governo Leite seguiu os passos de Sartori: reduziu drasticamente os valores para aplicação em políticas públicas para as mulheres. No entanto, Leite foi ainda mais cruel do que Sartori. Disponibilizou apenas R$ 20 mil reais para este objetivo. O Programa “RS Mais Seguro” não conta com uma linha sequer sobre o enfrentamento a este crime; e o Departamento de Mulheres, que já não dava conta das demandas referentes à maioria da população do RS, que são as mulheres, ficou fechado durante quase todo o ano de 2019.

O movimento inaugurado pela Força-tarefa de Combate aos Feminicídios é principalmente uma iniciativa de denúncia. Afinal, se os indicadores dos demais crimes decaíram, por que as mulheres seguem morrendo? E por que os crimes apresentam maiores requintes de crueldade? Tanto a invisibilidade das mulheres por parte dos governantes, quando se trata dos recursos públicos, como o momento histórico brasileiro, que autoriza e estimula a violência, o machismo e a misoginia estão entre as respostas. Os fatores culturais que impõem uma política de ódio às diferenças, associados à ausência de políticas públicas que garantam a emancipação das mulheres a partir de condições mínimas de acesso à moradia, renda, trabalho, saúde e educação para elas e seus dependentes, são elementos centrais que devem ser enfrentados para romper com o ciclo da violência e vencer a morte de mulheres.

Além disso, pela escuta das mulheres estado afora, observamos a ausência de Casas Abrigo para atender as vítimas de violência como um fator determinante para a ocorrência dos feminicídios, bem como a necessidade da ampliação das Patrulhas Maria da Penha e das Delegacias Especializadas; formação para agentes mulheres e melhores condições de trabalho, além de participação ativa do sistema de Justiça, para que mulheres que denunciam a violência não percam a guarda dos seus filhos e nem tenham de conviver com agressores por conta da guarda compartilhada obrigatória. Também destacamos a necessidade de atendimento aos agressores em programas específicos, como forma de enfrentar a reincidência e especialmente ações educativas ligadas à inclusão do debate sobre violência contra mulheres e meninas nos currículos escolares, priorizando a escola no processo de prevenção à violência doméstica e intrafamiliar.

A parceria estabelecida pela Força-tarefa fez com que R$ 3 milhões fossem disponibilizados através de emendas parlamentares das deputadas estaduais, beneficiando diversos equipamentos da rede de atendimento às mulheres. Comemoramos ainda a atuação das parlamentares federais, que trazem para o RS 8 (oito) viaturas para utilização nas Delegacias Especializadas. Além disso, a Patrulha Maria da Penha ganhará mais agentes formadas para atuar em um dos programas mais importantes na prevenção aos feminicídios. Oferecemos à sociedade gaúcha o Atlas do Feminicídio, um espaço de consulta de indicadores sobre as mortes de mulheres, proporcionando um melhor entendimento do tema, para assim combatê-lo. E ainda está em produção uma publicação que trará diagnósticos e perspectivas de enfrentamento ao crime.

Assim, iniciamos um novo ano de trabalho, com a certeza de que o Estado não pode seguir apenas lamentando o número crescente de feminicídios e de que é preciso agir! A Força-tarefa seguirá atendendo aos chamados, mobilizando mulheres e autoridades, pautando a imprensa e exigindo respostas reais do poder público, para o enfrentamento à barbárie que assola a vida das gaúchas e de famílias inteiras, que sofrem com a violência doméstica. Nenhuma mulher a menos!

(*) Jeferson Fernandes é Deputado Estadual e Presidente da Comissão de Segurança e Serviços Públicos da AL. Ariane Leitão é Advogada e Coordenadora da Força-tarefa de Combate aos Feminicídios. Antonia Martins é Professora e Assessora Técnica da Força-tarefa de Combate aos Feminicídios.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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