Opinião
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18 de fevereiro de 2020
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16:51

Eleições de Porto Alegre: A unidade das esquerdas ou a proximidade da última barreira (por Alex Cardoso)

Por
Sul 21
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Eleições de Porto Alegre: A unidade das esquerdas ou a proximidade da última barreira (por Alex Cardoso)
Eleições de Porto Alegre: A unidade das esquerdas ou a proximidade da última barreira (por Alex Cardoso)
Foto: Luiza Castro/Sul21

Alex Cardoso (*)

A disputa eleitoral na capital inicia muito antecipada para os partidos políticos progressistas e movimentos sociais. Prévias, coligações, construção de alianças e programas entre outras pilastras que todo pleito eleitoral se debruça na intenção de vencer fazem parte do cotidiano dos militantes políticos e sociais, filiados ou não a partidos políticos e movimentos sociais, trazendo a tona um movimento reverso quanto a eleições no país, ou seja, diferente de outras eleições, em Porto Alegre o objetivo é participar para além do voto.

Os últimos 32 anos de gestão da prefeitura deixaram muito aberto as diferenças nas formas de governar, após 16 anos de governos progressistas, seguida de 16 anos de governos liberais. Havendo um grande anseio de retorno, da retomada da cidade por um governo progressista. Mas qual partido, qual nome, qual chapa, qual programa venceria estas eleições diante desta atual conjuntura política?

Se as respostas a estas perguntas, não forem diferentes das respostas das eleições passadas, consequentemente levarão mais uma vez à gestão municipal, um governo liberal, deixando mais uma vez partidos progressistas com a oposição, cada vez com menos opositores. Não tem como ter um resultado diferente se as decisões e ações forem as mesmas. A Câmara de Vereadores, também deve entrar nesta disputa, vistas que os governos liberais, normalmente tem majoritariamente mais vereadores, os quais facilitam a ampliação dos projetos governamentais.

 Historicamente é um momento ímpar na conjuntura, principalmente movida pelas últimas eleições, que tiveram eleitos governos liberais no estado e no Brasil. Distante destas disputas das eleições existe aquela disputa que ninguém deseja entrar. Ela não traz ascensão social, holofotes, nem mesmo racionalmente está dentro de um desejo.  É aquela do fim do mundo, do fundo do poço, última barreira, linha da vida/morte. Seria como a concordância e aceitação de que sua vida não faz diferença, não tem nenhuma utilidade, um peso morto, ou pior, um obstáculo para a sociedade avançar. Se deixar de existir, não faria falta.

A reciclagem em Porto Alegre serve como um dos vários exemplos que podem receber destaque nesta análise, pois ela surge nesta linha tênue entre vida/morte e por muitos anos, foi resgatando pessoas do fim do mundo, às incluindo, lhes reconstruindo as formas mais elementares da dignidade humana, sendo por muitos anos este resgate à vida, uma forma de inclusão do ser humano, dando-lhes um novo pulsar, viver e ter a dignidade de sua vida, deixando pra trás, muito longe, esta linha da vida/morte que consequentemente apagaria sua luz.

Do encerramento e fim do lixão  da zona norte nos anos 90 à implantação da coleta seletiva em conjunto com a construção de associações autogestionárias de catadoras e catadores, com a geração direta de 800 postos de trabalho, de economia de recursos públicos e recursos naturais num processo vivo de participação popular e democracia que extrapolaram os singulares votos, transformando a cidade de Porto Alegre na cidade da cidadania.

A catação de materiais recicláveis de Porto Alegre tornou-se uma das experiências de organização social coletiva bem sucedida, um verdadeiro e revolucionário processo de inclusão, democracia, participação, mobilização social, nivelamento de classes (o gerador e o catador se encontram nos resíduos – com mútuo reconhecimento e principalmente valorização econômica-social) estando o governo municipal como principal agente indutor dividindo socialmente o protagonismo entre catadores e geradores de resíduos.

Organização social, trabalho coletivo, economia solidária, democracia direta, engajamento social, referência e empoderamento da mulher, entre tantos outros objetivos progressistas se encontraram e evoluíram dentro da política pública da reciclagem de Porto Alegre, com ela muitas outras políticas se concretizaram, a exemplo do Orçamento Participativo, Fórum Social Mundial, os quais incluíram Porto Alegre no mapa mundial como cidade modelo de inclusão unindo centro-periferia de forma participativa. Ser um delegado do Orçamento Participativo era sinônimo de poder popular, poder deliberativo. Era um poder de escuta e de fala dos anseios da cidade.

Atualmente 20 organizações de catadores agonizam na cidade, com rendas inferiores a um salário mínimo, enquanto empresas privadas lucram milhões de reais, coletando resíduos com caminhões tecnológicos e contêineres que não geram postos de trabalho, transportando com um contrato milionário os resíduos a 120km da capital, pagando milhares de reais para uma empresa privada enterrar tudo num aterro sanitário. A reciclagem é com certeza um dos vários espelhos da capital onde podemos perceber os retrocessos e onde estão os investimentos públicos, visando lucro e consequentemente, exclusão social e marginalidade.

Estes últimos 16 anos nos afastaram destas conquistas. Porto Alegre é mais conhecida pela violência exponencial, pela exclusão social, pelo fechamento de modalidade de ensino como o EJA (Educação de Jovens e Adultos), da perseguição de municipários, de leis antissociais como a da proibição da circulação de carrinhos e carroças, do que uma cidade humana, participativa, inclusiva. Os governos liberais que dominaram o cenário político municipal e as eleições fizeram nada mais nada menos do que aumentar a distância centro-periferia. O centro é da especulação e a periferia é da exclusão.

Este cenário forjado pelos anos de governos liberais somado as últimas disputas eleitorais, força os partidos progressistas a se unirem, numa unidade da esquerda, entretanto ainda estão longe de compreender a necessidade e o próprio sentido da palavra unidade, afastados então, dos reais problemas sociais enfrentados pelos marginalizados da cidade, quais beiram a linha tênue de fim de mundo, de última barreira, da vida/morte. Neste cenário encontra-se catadores de materiais recicláveis, moradores em situação de rua, ambulantes, municipários, moradores das periferias, usuários de transporte coletivos, trabalhadores de aplicativos, entre tantas outras categorizações.

Para a retomada da cidade, a unidade das esquerdas não tem que estar apequenada na unidade meramente de partidos políticos, mas sim do coletivos dos movimentos sociais em conjunto com partidos políticos progressistas, não tem que estar diluída numa única eleição, mas num planejamento de retomada do estado e do país, não está em cima de um nome salvador, mas sim em vários militantes e mobilizadores sociais e suas organizações. A unidade das esquerdas em Porto Alegre tem que romper a apatia e a individualidade dos partidos políticos, suas mazelas, tem que lhes tirar da zona de conforto, romper a lógica individualista, centralista e antidemocrática, tem que extrapolar o corporativismo partidário e ensaiar uma base para uma real democracia participativa, muito além de um simples governo de coalizão. Talvez aqui encontramos uma das principais perguntas destas eleições:

Estamos dispostos a lutar coletivamente, numa unidade de esquerdas para vencer as eleições ou manteremos nosso corporativismo alinhado a um mero e distante desejo – que beira ao sonho – de retomada da cidade de Porto Alegre, colocando em risco a acentuada e visível linha tênue do fim do mundo, vida/morte muito mais visível para milhares de perseguidos, marginalizados e excluídos da cidade?

Sem querer agradar a um específico partido político ou movimento social, humildemente solicito a colaboração bem como partidos e movimentos sociais se debrucem para responder a esta pergunta. A saída para este lugar onde estamos se dará pelas várias mão que constroem e resistem nesta cidade. Se a resposta fosse simples e individual, com certeza teríamos variadas e diferentes, mas longe e talvez até muito tarde para que pudesse se tornar realidade.

Compas, é preciso responder coletivamente esta pergunta e evitar a dura escolha entre votar em Fernanda Melchionna (PSOL), Manuela D’Avila (PCdoB) Juliana Brizola (PDT) Priscila Voigt (UP) e etc…

Vamos juntas e juntos reconstruir nossa Porto Alegre, humana, democrática, inclusiva, solidária e principalmente unida, respeitando todas as singularidades e diferenças que possamos ter bem como aquelas que podemos superar.

Vamos, avante unidade das esquerdas, entre a vida e a morte, prefiro a vida!

(*) Cooperativa dos Catadores de Materiais Recicláveis da Cavalhada – ASCAT, da Central de Cooperativas de Catadores de Porto Alegre e Região Metropolitana – Rede CATAPOA, e integrante da Equipe de Articulação Movimento Nacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21


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