Opinião
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1 de fevereiro de 2020
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10:20

Ciclo político eleitoreiro: o pacote de Marchezan (por Christian Velloso Kuhn)

Por
Sul 21
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Reajuste aprovado pelo Comtu precisa ser ratificado pelo prefeito Melo| Foto: Joana Berwanger/Sul21
Reajuste aprovado pelo Comtu precisa ser ratificado pelo prefeito Melo| Foto: Joana Berwanger/Sul21
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Christian Velloso Kuhn (*)

Quando um eleitor analisa as suas opções de voto, é natural que considere o seu próprio bem-estar. Pensando nisso que alguns governantes, previamente às eleições, manipulam oportunisticamente instrumentos de política econômica para influenciar o desempenho de variáveis relevantes, como PIB e Inflação, criando um clima econômico favorável a sua reeleição, promovendo ajustes nessas variáveis nos meses seguintes às eleições. Esse fenômeno é denominado na teoria econômica de Ciclo Político e pode ocorrer em nível estadual e municipal.

Assim, quando FHC deixou para maxidesvalorizar o câmbio apenas em janeiro de 1999, mesmo depois da crise russa de agosto de 1998, que exigiu uma elevação substantiva na taxa de juros para compensar a forte fuga de capitais, reduzido significativamente as nossas reservas cambiais, demonstrou a sua preocupação com a sua reeleição em outubro daquele ano, incorrendo em ciclo político.

Porém, os governantes não manejam apenas instrumentos de política econômica para buscar influenciar os resultados eleitorais. Figueiredo, em maio de 1982, às vésperas das eleições que formariam o colégio eleitoral responsável pela escolha do primeiro presidente civil em 1985 – desde a ditadura de 1964 – lançou um programa FINSOCIAL, uma contribuição que tinha por objetivo financiar investimentos de caráter assistencial em alimentação, habitação popular, saúde, educação e amparo ao pequeno agricultor. Ainda, deixou para anunciar um empréstimo junto ao FMI após apenas 11 dias decorridos das eleições de novembro daquele ano. Mesma prática incorrida por FHC nas eleições de outubro de 1998, quando anunciou acordo com o fundo pouco mais de um mês depois. Costumo chamar esse tipo de evento de Ciclo Político-Institucional.

Por isso, quando governantes lançam programas previamente a eleições, devemos suspeitar das verdadeiras intenções por trás desse tipo de prática. O lançamento do pacote de Marchezan, em ano eleitoral, quando as pesquisas o colocam em terceiro lugar, e muitos eleitores estão descontentes com os valores de IPTU cobrados nesse ano, dá margem para essa espécie de interpretação. Obviamente, não podemos desprezar possíveis méritos, qualidades e efeitos positivos das medidas propostas. Permitir que os passageiros de ônibus obtenham uma redução de aproximadamente 50% na tarifa até o ano que vem é algo que merece ser debatido e avaliado.

A análise do impacto dessa e das outras propostas do pacote precisa ser realizada conjuntamente, com cuidado, o que requer tempo adequado para a resposta de questionamentos e avaliações dos vereadores e demais membros da sociedade diretamente afetados. Seria de bom tom que a prefeitura de Porto Alegre propusesse uma Consulta Pública sobre o pacote, como fez para os sistemas de transporte compartilhado (bicicletas, patinetes, etc.). Se um assunto menos impactante mereceu uma consulta à população, por que não usar o mesmo instrumento para uma proposta bem mais abrangente e polêmica?

A imposição de apreciação do pacote a toque de caixa pela Câmara de Vereadores, dada a dimensão de suas propostas, sem acompanhar um estudo técnico que as embase e sem ouvir os agentes que serão beneficiados ou prejudicados, justamente num ano eleitoral, ao mesmo tempo em que é um desrespeito aos vereadores e à população, dá margem para a interpretação de que sua intenção seja mais de cunho eleitoreiro do que voltada à prestação de melhores serviços aos portoalegrenses. Não cabe analisar separadamente a validade e inovação das propostas. O prazo exíguo para avaliação, a carência de estudo técnico e o período em que estão sendo encaminhadas, são indissociáveis, também fazem parte do mesmo pacote.

Mas há uma saída para suspender tal suspeição. Basta o prefeito anunciar que abandona a sua candidatura à reeleição em favor da aprovação do pacote, juntamente ao lançamento de consulta pública para que as propostas possam ser devidamente avaliadas pela população. Com isso, desconfiguraria a possibilidade de ocorrência de um Ciclo Político-Institucional e desarmaria os críticos da postura antiética do prefeito. Se seu intento é realmente proporcionar mais bem-estar à população, valeria o sacrifício de sua candidatura pelo bem que espera proporcionar caso seja aprovado esse projeto.

(*) Professor e Economista. Doutor em Economia do Desenvolvimento na UFRGS. Instituto PROFECOM.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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