Opinião
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27 de janeiro de 2020
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10:23

Sejamos nós as revolucionariEs do nosso tempo! Corpos trans e travestis são resistência! (por Natasha Ferreira)

Por
Sul 21
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Sejamos nós as revolucionariEs do nosso tempo! Corpos trans e travestis são resistência! (por Natasha Ferreira)
Sejamos nós as revolucionariEs do nosso tempo! Corpos trans e travestis são resistência! (por Natasha Ferreira)
Foto: Luiza Castro/Sul21

Natasha Ferreira (*)

Desde o final da ditadura nos anos 1980, com a operação Tarântula, que buscava o extermínio das travestis, sabemos o quanto nossos corpos e nossas expressões são subversivas para a sociedade cisnormativa.

As pessoas “T” (travestis, transexuais e transgêneros) resistem ao tempo e às opressões de um período de muito obscurantismo político. Período esse que muitos tentam relembrar quando homenageiam torturadores.

Em 2014, na disputa presidencial, a candidata do PSOL, Luciana Genro, inaugurou um debate necessário em rede nacional: o Brasil é o país que mais mata pessoas trans/travestis no mundo, mas afinal o que os governos têm feito de forma real para que possamos ter as nossas liberdades garantidas?

A verdade é que tivemos poucos avanços nos anos de progressismo brasileiro. O direito de retificar nossos nomes foi garantido somente em 2019 pelo STF. Importante lembrar que hoje não somos mais taxadas de doentes mentais, a transexualidade foi retirada das patologias do Código Internacional de Doenças (CID) e as nossas identidades são reconhecidas pelo Estado.

Mas nesses anos todos a evasão escolar de pessoas “T” aumentou drasticamente. O SUS, que todEs nós pagamos, nunca atualizou sequer a ficha de atendimento básico, respeitando pelo menos nossa identidade social.

Na campanha de 2018, Bolsonaro usou da onda de ódio, criada por ele mesmo, para distribuir as chamadas fake news.

Fomos atacadas com muita força na campanha eleitoral, onde acusavam e acusam até hoje as escolas de terem doutrinação LGBT. E a pauta “T” foi alvo central da disputa política com a farsa da “ideologia de gênero”, dentre mamadeiras com genitálias e livros ensinando ou propagando uma “agenda gay”.

Com a vitória eleitoral dos setores mais conservadores e parasitários  da sociedade nós sentimos logo de cara que seríamos atacadas, agora pelo governo mesmo, sem escrúpulo algum. Neste cenário de incertezas e onde pessoas Ts são perseguidas a mando dos ditos “cidadãos de bem”, um efeito rebote precisa ser destacado: a nossa luta central é contra o capitalismo!

Hoje o Brasil lidera o ranking de mortes da população T, lidera a evasão escolar, lidera o número de travestis que estão em situação de rua. Ao mesmo tempo lideramos o ranking de acesso à pornografia com mulheres trans e travestis. Essa contradição revela bem o quanto a moralidade social proferida pelo atual presidente é tóxica, nos deixando cada vez mais na margem.

O mercado de trabalho é cada vez mais uma lenda para nós, pois a exigência capitalista nos exclui automaticamente, afinal quantas de nós estão em escolas ou conseguiram concluir o Ensino Fundamental?

Por anos o Estado decide quem tem direito de viver e quem luta para sobreviver.

Mas nem tudo é espinho, afinal sempre lutamos por coisas mínimas e agora a luta se agiganta.

Precisamos romper com a lógica do capital financeiro, conservador e anti-minorias sociais. Este sistema nos tem como pessoas de segunda classe, onde servimos como estatísticas de barbáries. Ou nos sobra apenas as ruas e esquinas na busca por dias melhores. As poucas de nós que conseguem o mínimo de dignidade estão sozinhas e muitas vezes caem no conto da meritocracia: se eu consegui as outras também conseguem.

Importante ressaltar que os meritocráticos não reconhecem o abismo da luta de classes no Brasil, e por vezes acabam culpando quem foi mandada embora de casa ainda jovem, sem escola, sem casa e sem dignidade nenhuma.

Em Porto Alegre o vereador Roberto Robaina contribuiu na luta para garantir o Ambulatório Trans, política de muita resistência em meio ao desmonte do SUS. A nossa deputada Luciana Genro é hoje referência nas lutas LGBTs. Ela presidiu a Comissão Especial para Análise da Violência Contra a População LGBT, tivemos o relatório aprovado por unanimidade em uma histórica conquista na Assembleia conservadora gaúcha.

Precisamos identificar quem está na luta lado a lado com a gente. JuntEs podemos enfrentar Bolsonaro e impor derrotas a essa onda do ódio e intolerância.

Ser uma pessoa T anti-capitalista não é mais uma simples escolha,  é uma necessidade. Conectar a luta pelos nossos corpos e buscar um Estado mais humanizador só é possível rompendo com a lógica sistêmica e anti-povo.

Nossos corpos são políticos, nossas lutas são justas e nossos sonhos são por igualdade.

TRANSforma tua indignação em luta!

(*) Ativista dos direitos humanos e defensora da comunidade LGBT. Estuda Gestão Pública e constrói a Setorial LGBT do PSOL-RS e a Emancipa Mulher. É assessora parlamentar da deputada estadual Luciana Genro, sendo a primeira mulher trans nomeada para um cargo na Assembleia Legislativa.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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