Opinião
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17 de janeiro de 2020
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22:24

Por uma esquerda unida na eleição para a prefeitura de Porto Alegre em 2020 (por José Ovidio Copstein Waldemar)

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Sul 21
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Por uma esquerda unida na eleição para a prefeitura de Porto Alegre em 2020 (por José Ovidio Copstein Waldemar)
Por uma esquerda unida na eleição para a prefeitura de Porto Alegre em 2020 (por José Ovidio Copstein Waldemar)
Prefeitura de Porto Alegre. Foto: Luiza Castro/Sul21

José Ovidio Copstein Waldemar (*)

Em 2016, se unidos, PT e PSOL teriam ido para o segundo turno contra Marchezan, em Porto Alegre. Em 2018, PT e PDT, mesmo unidos, não estariam no segundo turno estadual, numa eleição em que Bolsonaro ganhou de Haddad em Porto Alegre.

O primeiro ano do governo Bolsonaro tem sido um desastre para a população. O governo avança com uma política de terra arrasada, contida em certa medida pelo congresso e STF. Todos na esquerda concordam que vivemos numa situação excepcional. Porque então esta incapacidade da esquerda de se unir já no primeiro turno, aumentando as chances de ter um candidato progressista no segundo turno? Os mais antigos conhecem a brincadeira de que a esquerda só se une na prisão.

Hitler ganhou porque o Partido Socialista e o Comunista se dividiram. Na guerra civil espanhola, a desunião entre republicanos, comunistas e anarquistas facilitou a vitória de Franco. Mais recentemente, na França, pela primeira vez, não houve partido de esquerda no segundo turno. Se estivessem unidos, o PS e a Frente de Esquerda França Insubmissa teriam ido para o segundo turno como o partido mais votado. Nenhum dos dois partidos de esquerda quis ceder a cabeça de chapa para o outro. Chegamos ao ponto de ficar contentes quando forças tradicionais de centro-direita como Macron ganham de Le Pen, a “Bolsonaro” francesa. Atualmente, na Península Ibérica, temos governos progressistas porque lá a esquerda conseguiu fazer acordos eleitorais e programáticos.

As eleições de 2020 são decisivas para preparar a presidencial de 2022. Para isso, soluções não convencionais são necessárias. Como entender que nossas lideranças não conseguem chegar a um acordo, sendo que está mais claro do que nunca que o principal adversário é a direita e a extrema-direita e não os demais partidos de esquerda?

Em Porto Alegre, existe uma longa história de conflito entre o PT e o PSOL. Muitas mágoas, ao longo de mais de uma década, levaram a uma desconfiança mútua, mesmo que muitas críticas que o PSOL fazia ao PT nacional eram as mesmas que o PT gaúcho também fazia ao “campo majoritário” petista. Em anos recentes, o PSOL cresceu em Porto Alegre e o PT diminuiu. Em 2016, Raul Pont teve 16% dos votos e Luciana Genro, 12%. Atualmente, o PSOL tem três vereadores e o PT tem quatro.

Os dois partidos precisam sentar e se escutar com profundo respeito sobre as desavenças passadas. Este método de colocar face a face partes que tem diferenças e desconfianças, mas que tem um objetivo mais nobre em comum, já tem sido utilizado em várias situações, com bons resultados, inclusive medido por pesquisas acadêmicas. Exemplo disso são grupos de israelenses e palestinos que buscam conseguir a paz em dois estados independentes e grupos pró e contra aborto nos USA, que não tem interesse em fomentar violência entre eles.

A conversa serve para desdemonizar a outra parte, as diferenças não desaparecem, mas de ânimo desarmado fica mais fácil se chegar a um acordo.

Ganhar no segundo turno em Porto Alegre ainda é somente uma hipótese. Mas se formos unidos para o segundo turno e perdermos, isso ajuda a consolidar um campo de esquerda unido e mais forte para o futuro, o que já não é pouca coisa. Se desunidos não passarmos para o segundo turno, as recriminações de ambos os lados poderão aumentar a desunião. Esse é mais um argumento para a unidade. O que estamos esperando?

Práticas para a construção de uma “frente ampla democrática de esquerda”

Neste momento que tem como prioridade a construção de uma “Frente Ampla das Esquerdas”, precisamos instrumentos para que as divergências normais entre pessoas e partidos possam ser conversadas em um clima democrático, de pluralismo e companheirismo, buscando o que nos conecta e não o que nos separa. Na teoria as afinidades são muitas e o difícil não é construir um programa comum, como já fizeram as Fundações dos Partidos de Esquerda em 2018, enfatizando a luta pela Democracia, direitos humanos, proteção ambiental e desenvolvimento econômico com mais igualdade social. O difícil é a divisão do campo progressista – bastante comum na história da esquerda – em boa parte devido a disputas pessoais, de espaço, entre lideranças, tendências e partidos. Lutas pelo poder e posturas autoritárias não diferenciam lideranças da esquerda dos políticos tradicionais. Isso faz parte do condicionamento humano.

Conhecemos os “caudilhismos, caciquismos e diferentes tribalismos”, que imperam há séculos na humanidade, dentro e fora dos movimentos progressistas. Hoje já sabemos que mudanças sociais, como no Socialismo Real, desacompanhadas de transformações mais profundas na “cabeça e coração” das pessoas, ou então mudanças pessoais sem transformações sociais e culturais não asseguraram o estabelecimento e continuidade de novas formas de convivência social. Uma nova sociedade democrática precisa de um movimento duplo, simultâneo, de mudanças pessoais e sociais de longa duração.
Mas as conquistas sociais do século XX estão ameaçadas pela presente onda mundial de regressão civilizatória, e a esquerda e o campo progressista têm urgência em se unir e resistir, buscando prioritariamente o que nos conecta, não o que nos separa, reforçando os valores comuns, a unidade e a coesão.

A ciência da Psicologia pode contribuir para isso oferecendo dinâmicas grupais que já se mostraram eficazes na formação de redes democráticas solidárias.

O Diálogo Colaborativo é uma destas técnicas grupais que propicia uma conversa construtiva. Tem muito em comum com os princípios da Comunicação Não Violenta e os Círculos da Paz da Justiça Restaurativa.

Mantendo o foco escolhido pelo conjunto dos participantes, evita o autoritarismo, o personalismo e outras questões pessoais que comumente sabotam o bom funcionamento dos grupos. Seguida nas suas intenções ela oferece uma nova vivência de participação e liderança, e pode auxiliar no longo prazo a construir um campo progressista forte para além dos partidos, mandatos ou tendências. As dinâmicas procuram fortalecer os vínculos positivos através de pequenas mudanças pessoais e grupais. Valoriza a participação e é radicalmente democrática. Como geralmente é uma nova experiência, seguir as INTENÇÕES detalhadas abaixo é essencial para o aprendizado. Ao priorizar as capacidades de escuta, empatia e colaboração, torna mais fácil evitar a dissociação entre um discurso progressista e atitudes conservadoras.

Intenções para o funcionamento do grupo

Escutar profundamente, com curiosidade, procurando abrir mão de ideias preconcebidas. Se vamos para reuniões já com ideias fixas, não aprendemos a escutar. Quando chega nossa vez de falar procuramos ser espontâneos, assim evita-se ficar pensando no que se vai dizer e se pratica a escuta profunda. É importante o esforço para realmente compreender o ponto de vista do outro. A prática regular da escuta profunda, com foco na respiração, ajuda a manter o equilíbrio emocional do grupo.

Fala só quem tem a palavra, e procura-se ser conciso, possibilitando a todos participar, se for o caso mais de uma vez. Pode-se usar um “microfone metafórico”, só fala quem o tem na mão. Cada pessoa em princípio deve participar, assim seu tempo está garantido, sendo que se pode abrir mão da participação.
Falar a favor e não contra, dar uma opinião é melhor do que falar categoricamente, abrindo mais espaço para o diálogo. Opinamos sobre o que pensamos ou é necessário fazer, ao invés de falar sobre o que está errado e o que precisa ser consertado. Assim se evita conflito desnecessário e assumimos responsabilidade pelas transformações que queremos.

Falar da experiência por trás da ideia. Uma opinião é uma narrativa que se enriquece se contamos as experiências que a formaram. Evita-se mencionar quem não está presente, mas se alguém for mencionado “não deveria se ofender” caso estivesse presente. Dizemos que estamos falando do “coração”, quando usamos a primeira pessoa – linguagem do Eu- falando o que sentimos, sem precisar atacar ninguém. Esta técnica pode ser usada com grandes grupos, mas para seu aprendizado funciona melhor com grupos de dez a vinte pessoas. É importante a coordenação por alguém com experiência no método.

Assim como somos condicionados para o individualismo e a competição, novas experiências grupais conduzem para relações humanas mais generosas e altruístas.

BIBLIOGRAFIA ABREVIADA

DEMARZO, M; CAMPAYO, J. Mindfulness, Palas Athena: São Paulo, 2015.
RICARD,MATTIEU A Revolução do Altruísmo,Palas Athena São Paulo 2016.
ROSEMBERG, M. Comunicação Não Violenta, Ágora: São Paulo, 2006.
ZIMMERMAN, J. COYLE, V. The Way of Council. North Bergman, NJ: Bramble Books, 1996.

(*) Psiquiatra, integrante do Coletivo Esquerda Unida em POA.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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