Opinião
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26 de janeiro de 2020
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15:28

Bolsonarismo: movimento ou neologismo? (por Christian Velloso Kuhn)

Por
Luís Gomes
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Bolsonarismo: movimento ou neologismo? (por Christian Velloso Kuhn)
Bolsonarismo: movimento ou neologismo? (por Christian Velloso Kuhn)
| Foto: Marcos Corrêa/PR

Christian Velloso Kuhn (*)

O sufixo “ismo” é definido pelo Dicionário Houaiss “para designar movimentos sociais, ideológicos, políticos, opinativos, religiosos e personativos, através dos nomes próprios representativos”. Da política brasileira, surgiram termos derivados de nomes como Getúlio Vargas (Varguismo) ou Lula (ora Lulismo, ora sua variação Lulopetismo).

Com a ascensão de Bolsonaro ao poder, emergiu com ele a descrição de um movimento cunhado de “Bolsonarismo”. Esse termo vem sendo constantemente utilizado, principalmente por aqueles que se opõem a esse movimento. Curiosamente, essa tática de personificar um opositor não foi empregada, por exemplo, nos anos 1995-2002, para descrever as ações do governo de privatizações e abertura comercial e financeira desenfreadas, resultando em forte desnacionalização e desindustrialização. Fernando Henrique Cardoso e seu governo não receberam uma definição que lhes denominassem como “Cardosismo”, por exemplo.

Numa busca pelo Google Trends, o termo “bolsonarismo” obteve um elevado crescimento entre 7 a 13 de outubro de 2018, a partir do primeiro turno das eleições daquele ano. Ou seja, trata-se de um fenômeno muito recente, ou pelo menos a sua percepção, e precede a eleição de Bolsonaro para presidente. O ápice de sua procura foi na semana de 1 a 7 de setembro de 2019, coincidentemente (ou não) com o feriado do Dia da Independência.

Para defini-lo, é importante antes caracterizar o líder que personifica o movimento, Bolsonaro. Nos últimos anos, Bolsonaro vem combatendo várias práticas e discursos relacionados ao Lulopetismo, pautas como direitos humanos, LGBT e distributivismo. Mais recentemente, aliou-se sorrateiramente, em um lance de puro oportunismo, aos neoliberais contra o tamanho do Estado brasileiro, aproximando-se mais do empresariado e agentes do mercado financeiro.

O candidato Bolsonaro foi ascendendo graças a uma legião de fãs de suas fanfarronices e suas frases de efeito, proferidas em contínuas participações de programas de auditório, conforme relatado no livro Amanhã Vai Ser Maior, da professora antropóloga Rosana Pinheiro-Machado. O uso das redes sociais foi essencial para disseminação de sua imagem e torná-lo fortemente popular, inclusive preenchendo um vazio desde a ausência de Lula do cenário político.

O que os fãs apreciam em Bolsonaro é a sua fala simples e direta, e seus valores que se identificam com os de simpatizantes dos armamentistas, ruralistas e evangélicos (eleitores das bancadas BBB – Bala, Boi e Bíblia), militares e policiais, já desde antes da sua candidatura à presidência. Associaram-se na campanha, mesmo sem tanta afinidade, mais oportunisticamente, membros da elite empresarial, lavajatistas e outros antipetistas.

Bolsonaro, e consequentemente o movimento derivado de seu nome, se sustenta na defesa da ordem e da família tradicional, no conservadorismo de costumes e, de modo arrivista, no liberalismo econômico em sua versão mais autoritária, elitista e concentradora de renda.

Pode-se dizer que o Bolsonarismo é um vertente ou versão tupiniquim do Neoconservadorismo que vem assolando várias nações, como Turquia ou mesmo os EUA. O que dá mais consistência ao Bolsonarismo é servir de antagonismo ao Lulismo. A sua existência estabelece uma relação simbiótica àquele movimento, assentando-se no antipetismo. Por esse motivo que, estrategicamente, Bolsonaro e seus ministros asseclas seguidamente discursam mencionando Lula e o PT. É preciso manter a ameaça viva permanentemente do retorno de ambos para dar sustentação ao seu governo como única e mais viável alternativa para conservá-los distantes do poder.

A reflexão que fica é: devem os progressistas continuarem a propalá-lo? Não estarão alimentando esse caudilhismo? Abandonar o uso de um termo não significa que se vá extingui-lo por inanição. O conservadorismo brasileiro decidiu personificar-se na figura de Bolsonaro, é o seu maior representante, desde aqueles que presidiram o país nos anos de chumbo da ditadura civil-militar de 1964-1985. A diferença é que nenhum deles contou com tanto apoio popular, tampouco foi alçado ao poder via eleições democráticas. Então, como apregoa Rosana Machado em seu livro, resta aos indivíduos do campo progressista resistirem, seja através de manifestações nas ruas, seja das mídias sociais, de eventos ou mesmo de publicações que desmascarem o movimento bolsonarista. Resistir dando vazão e participando de movimentos que contrapõem o bolsonarismo, como o feminismo, o progressismo, o cientificismo, etc.

Afirmam as antropólogas Rosana Pinheiro-Machado e Isabela Kalil: o Bolsonarismo é maior do que Bolsonaro. Por esse motivo, precisa ser combatido com conteúdo e alicerçado nos fatos, na razão e, porque não, nos valores mais sublimes, como bondade, gentileza, diálogo e compreensão. A aproximação e diálogo com os descontentes e iludidos com o governo será profícua e bem-vinda. Já usar dos mesmos meios escusos dos bolsonaristas para fazermos valer as nossas idéias só nos transformará num mero antibolsonarista, e nos assemelhará aos nossos opositores. Os fins não justificam os meios. Resistamos com dignidade. Poderá levar um bom tempo, quiçá mais do que a permanência de Bolsonaro no poder. É preciso apostar nos movimentos que o antagonizam. Será como na canção de Guilherme Arantes: “Amanhã está toda a esperança, por menor que pareça, o que existe é para vicejar”.

(*) Professor e Economista; Doutor em Economia do Desenvolvimento na UFRGS; Instituto PROFECOM

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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