Opinião
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28 de janeiro de 2020
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14:59

Abridores de latas (por Franklin Cunha)

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Sul 21
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Abridores de latas (por Franklin Cunha)
Abridores de latas (por Franklin Cunha)
A lata de conserva foi inventada na Inglaterra em 1810 pelo comerciante Peter Durant. (Reprodução)

Franklin Cunha (*)

Em 1812 os soldados britânicos levavam nas mochilas latas de conserva, mas tinham de abri-las com a baioneta; caso não conseguissem, um tiro de fuzil resolvia o problema. Em 1824, o explorador inglês William Parry, também as levou na sua viagem ao Ártico. Nelas lia-se a seguinte recomendação: “Corte-se com formão e martelo, ao redor da parte superior”.

A lata de conserva foi inventada na Inglaterra em 1810 pelo comerciante Peter Durant, no entanto o abridor de latas só foi inventado, quarenta anos após, pelo norte-americano Ezra Warner.Era um instrumento rombudo e pesado. Havia o risco de ferir quem as abrisse e, pior, de entornar e inutilizar o conteúdo das latas.

A história parece absurda, mas é verdadeira. Como foi possível inventar a lata de conserva, tanto tempo antes de se inventar o instrumento que as abrisse?

No entanto, ultimamente, as mais confiáveis publicações médicas do mundo andam preocupadas com um fenômeno semelhante que está acontecendo na produção e divulgação científicas: existem no mercado muitas latas cheias de informações, só que não se pode abri-las com baioneta ou com formão rombudo. Deve-se usar um abridor adequado para cada lata e muitas delas albergam conteúdos inapropriados ao consumo.

Editam-se, atualmente, publicações médicas em quantidades oceânicas. Qual o abridor, qual o critério para se abrir e avaliar o valor e a integridade científica dos conteúdos, já que a seleção torna-se imperiosa diante da exiguidade de tempo dos profissionais?

Além disso, vivencia-se hoje, – e não apenas na área médica – uma verdadeira guerra de informações que necessitam ser criticamente interpretadas, pois nelas se baseiam as decisões clínicas e, em última análise, a saúde e a vida dos pacientes.

Acontece que os textos médicos, frequentes vezes, estão de tal forma contaminados por implicações econômico-financeiras, que já se realizam simpósios, os quais ensinam como valorizar os referidos textos ou como separar o joio dos interesses econômicos, do saudável trigo da genuína informação científica. Um deles, foi recentemente realizado em Oxford, Inglaterra. Nele, foram criticamente examinados os vários métodos de se realizar e julgar a validade de trabalhos científicos ou assim chamados.

Os resultados do referido simpósio forneceram justificadas preocupações.

Não houve acordo sobre o melhor método de se elaborar um trabalho científico e de como dar crédito à sua validade.

Ao se medir a qualidade dos trabalhos (desenho, condução, consistência de resultados e relevância clínica), não ficou claro como isto deva ser feito. Combinações baseadas em evidências, revisões sistemáticas e aleatórias, seria o sistema quase perfeito, mas não há meios de executá-lo em todos os textos.

O simpósio de Oxford, não chegou a um consenso a respeito de qual o melhor método de se avaliar a literatura médica, no entanto num ponto houve acordo: em certos assuntos, as conclusões resultantes parecem depender apenas das ligações financeiras dos avaliadores.

(*) Médico, membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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