Opinião
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19 de janeiro de 2020
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20:30

A greve e a luta das trabalhadoras e trabalhadores em educação do RS (por Valdete Moreira Dias)

Por
Sul 21
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A greve e a luta das trabalhadoras e trabalhadores em educação do RS (por Valdete Moreira Dias)
A greve e a luta das trabalhadoras e trabalhadores em educação do RS (por Valdete Moreira Dias)
Assembleia geral do CPERS do dia 13 de janeiro. Foto: Luiza Castro/Sul21

Valdete Moreira Dias (*)

Passados poucos dias do término da greve da educação, temos um importante compromisso selado para o mês de janeiro de 2020, a construção de uma mobilização que seja capaz de impedir a aprovação das reformas que destruirão com as condições de vida das trabalhadoras e trabalhadores da Educação no estado do Rio Grande do Sul. Se as reformas do governador Eduardo Leite forem aprovadas, um dos reflexos será o impacto direto no acesso das camadas populares à escola pública, pois, o real interesse do governador e de seus aliados é o desmonte do ensino público através de um projeto orquestrado pelas classes dominantes.

Os motivos que levaram as trabalhadoras e trabalhadores em Educação do RS a iniciar uma greve quase no final do ano letivo, exige uma análise mais ampla e envolve a Lei nº 11.738/2008, que institui a obrigatoriedade do pagamento do Piso Nacional do Magistério. Educadoras e educadores do estado do RS têm um dos piores salários do país e há mais de uma década se discute o cumprimento do piso. A impossibilidade de pagar o Piso Nacional tem sido justificada pelos últimos governos como uma consequência da “Crise Fiscal. No entanto, o motivo é outro e para entendê-lo é preciso, antes de mais nada, compreender que os ataques à Educação e as ações contra a classe trabalhadora do RS estão relacionadas com a reprodução do capital, no Brasil e no RS.

Se a realidade não é explicada pelos fenômenos em sua aparência, mas por aquilo que não se vê, para falar das medidas tomadas por Eduardo Leite (PSDB) e por seus aliados é preciso olhar para além daquilo que está em nosso horizonte imediato pois, é impossível compreender o que se vive hoje, no RS, considerando apenas os fatores pontuais.

A crise é o argumento principal para justificar a continuidade do parcelamento dos salários – iniciado no primeiro ano de governo de José Ivo Sartori, do PMDB, porém, Eduardo Leite consegue ir muito além e se utiliza desse mesmo argumento para implantar uma agenda ultra-neoliberal no estado mirando a Escola Pública e os direitos das educadoras e educadores.

A responsabilidade do governo com o pagamento da dívida pública tem sido o principal argumento para explicar a crise não entretanto um argumento novo, pois foi utilizado em vários governos ao longo da nossa história. Somente no ano de 2018, o Brasil drenou mais de R$ 1 trilhão de seu Produto Interno Bruto (PIB) para a manutenção da dívida. Ou seja, este é o verdadeiro motivo para explicar os distintos projetos que retiram os direitos da classe trabalhadora.

Além disso, a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos Públicos (E.C. 95/2016), o veto à auditoria da dívida também de 2016 e a Lei de Responsabilidade Fiscal, de 4 de maio de 2000, mostram a importância que o tratamento da dívida tem para reprodução do capital. Portanto a crise fiscal do RS não é natural, é uma escolha política feita para agradar as classes dominantes e garantir seus privilégios de classe.

É a crise que também justifica a necessária e urgente Reforma proposta por Eduardo Leite. Um pacote de medidas que tem como único objetivo a retirada de direitos, a precarização do trabalho, a destruição do plano de carreira do funcionalismo público e a instalação de um estado mínimo. Ao escolher deliberadamente o ataque aos serviços públicos, ao funcionalismo e a todo o povo gaúcho, o governador se mostra como um dos mais importantes aliados de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes.

O pacote desumano enviado por Eduardo Leite para a Assembleia Legislativa mostra que seu governo é a continuidade do Governo Sartori, pois, coloca o funcionalismo público à mercê de uma das reformas mais duras da história do Rio Grande do Sul e do país, pois, altera toda a estrutura de carreira a partir de mudanças na constituição estadual. Soma-se a isso, um judiciário que toma decisões de cunho político, permitindo, por exemplo, o corte nos salários de mais de 19 mil servidores que ousaram se levantar contra a retirada de seus direitos ao invés de determinar o cumprimento da lei do piso.

Ao invés de discutir as razões que sustentam a dívida, Eduardo Leite opta pela sua manutenção, pois, as volumosas cifras com que lida são fundamentais para a reprodução ampliada do capital. Suas ações poder ser vistas como criminosas, sustentam uma política do rentismo verificada nos ganhos dos bancos, no estado e no país, permitindo assim a reprodução do capital. As novas façanhas apresentadas ao povo rio-grandense são na verdade única e exclusivamente a reprodução do capital e a superexploração da classe trabalhadora.

Levar as educadoras e educadores à fome e à miséria é um ato covarde quando se ataca de forma rebaixada uma categoria adoecida diante dos quase 50 meses de salários atrasados, dos cincos anos sem reajuste e do endividamento gerado pelo parcelamento de salários e empréstimos realizados mensalmente no Banrisul.

Com a aprovação dos pacotes, a situação das trabalhadoras e trabalhadores em Educação vai piorar ainda mais, pois os recursos para financiar o pagamento do Piso do Magistério sairão do bolso da própria categoria, uma vez que, além de alterar o Plano de Carreira do Magistério Estadual, rebaixando-o ainda mais. Também serão extintos vários outros direitos adquiridos através da luta das trabalhadoras e trabalhadores da Educação organizados no CPERS Sindicato, entidade que tem sido a responsável pelas maiores e mais politizadas greves ao longo das última décadas – motivo pelo qual tem sido tão atacado pelos governos de Leite e Sartori.

Neste momento, a luta das educadoras e educadores se torna central para toda a classe trabalhadora, pois se trata de uma luta que precisa questionar a estrutura em que se baseia a reprodução de uma economia dependente como é o caso da nossa, aqui no Brasil. Sem uma crítica profunda à reprodução do capitalismo em sua totalidade, a luta das Trabalhadoras e Trabalhadores em Educação se torna contingencial e não vai muito além do sentido corporativista.

O ano que começa demandará maior atenção e apoio de todos a essa luta que deverá ser estendida às demais categorias e em especial às comunidades escolares para mais ação, mobilização e organização das trabalhadoras e trabalhadores.

A luta das educadoras e educadores exige a disputa de uma concepção de educação que sirva ao povo brasileiro e que de fato permita que as filhas e filhos da classe trabalhadora não sejam apenas força de trabalho, mercadorias educadas para gerar o lucro para a classe dominante. Como diria Darcy Ribeiro, “a crise da educação no Brasil não é crise, é um projeto”, e isso precisa permear sempre as nossas discussões em todos os espaços educativos para seguirmos avançando.

(*) Professora e Diretora Estadual de Formação do CPERS Sindicato.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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