Opinião
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20 de janeiro de 2020
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13:51

A demissão de Alvim é uma derrota e uma vitória de Bolsonaro (por Gerson Almeida)

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A demissão de Alvim é uma derrota e uma vitória de Bolsonaro (por Gerson Almeida)
A demissão de Alvim é uma derrota e uma vitória de Bolsonaro (por Gerson Almeida)
Roberto Alvim, ex-Secretário Especial da Cultura, do governo Bolsonaro. (Foto: Reprodução)

Gerson Almeida (*)

É evidente que a demissão de Roberto Alvim foi feita contra a vontade de Bolsonaro e de seu governo, pois ele era uma espécie de garoto-de-ouro do bolsonarismo no campo da cultura. Ele construiu uma trajetória consistente em décadas de trabalho no teatro e, coincidindo com o ascenso da extrema-direita no país, conforme as suas próprias palavras, foi “tomado por uma epifania e descobriu Deus e o cristianismo”.

Na sua nova condição de cristão fervoroso, foi gradativamente ficando isolado na sua antiga rede de afetos e passou a sentir-se boicotado por todos. Ele conta que foi no dia da “facada”, que teve a sua segunda epifania e decidiu “sair do armário” e declarar seu apoio ao candidato Bolsonaro.

Essas duas epifanias de Roberto Alvim, com Deus e com Bolsonaro ofertaram exatamente aquilo que a máquina de propaganda queria para consolidar a narrativa que há tempos vinha sendo cuidadosamente construída: a de Bolsonaro como o candidato-mito, capaz até de salvar uma almas atormentadas.

Agora, havia um legítimo representante do campo cultural disposto a assumir o conjunto da obra discursiva da extrema-direita e mostrar o quanto a guerra cultural é importante para curar o campo degenerado da cultura, dominado pelo marxismo cultural que apenas quer difundir a sua ideologia como se arte fosse.

Tratado como garoto-de-ouro da guerra cultural, ele passou a ser uma espécie de “arroz de festa” dos inúmeros programas, blogs e sites dedicados a atuar como soldados de Olavo de Carvalho no campo de batalha cultural. Nesses programas, ele era sempre instado a repetir o roteiro da sua conversão à tríade: Deus, Bolsonaro e Olavo de Carvalho. Algo que parecia lhe dar prazer em repetir incessantemente, cada vez com mãos riqueza de detalhes sobre a sua iluminação.

Numa das suas entrevistas ele não hesitou em afirmar solenemente que “o teatro brasileiro ficou infestado de atrocidades, essas obras que pululam e reduzem a nossa humanidade a categorias ideológicas, o que é trágico para todos”. Na sua lógica, há uma luta entre a verdadeira arte e o proselitismo da esquerda, que quer hegemonizar o campo.

Para enfrentar isto, ele sabia que a sua missão como secretário nacional de cultura era atuar nesta guerra para retomar a “grandeza do conceito de obra de arte” e assegurar que não mais haverá apoio para obras que “vilipendiam o conceito de arte”.

Mostrando que estava decidido a cumprir a sua missão, às acusações de que vinha praticando censura no governo, ele respondia (cinicamente) que eu “não estou censurando obras, eu apenas não estou aprovando algumas”.

Roberto Alvim, portanto, fez o seu trabalho com a honestidade de propósitos de um cruzado, de um cristão-novo, decidido a purificar os teatros, cinemas, galerias, museus e tudo o mais da arte infiel. A missão esperada dele é a de transformar as iniciativas cultuais numa arma da guerra cultural.

Ele foi tão honesto que jamais pensou em esconder as verdadeiras fontes teóricas e políticas do ideário que lhe cabia colocar em prática. O Edital que ele lançou ao lado de Bolsonaro foi feito com o cuidado de um homem de teatro, que sabe que texto e cenário devem estar em profunda sintonia, para que um reforce e realce o outro.

Foi a sua honestidade ingênua que revelou aquilo que não era para ser revelado. Alvim caiu por mostrar exatamente o que é que está escondido atrás das máscaras de Bolsonaro e Olavo de Carvalho.

É precisamente aí que a sua demissão pode ser vista como uma derrota do governo, pois teve que sacrificar um fiel cumpridor da missão de aparelhamento do governo para a formação de uma verdadeira milícia cultural.

No entanto, o sacrifício de Alvim é também uma vitória, pois apaziguou o espírito de importantes segmentos de apoio que – talvez pela primeira vez – chegaram a pensar que pode não ser apenas uma falácia da esquerda as denúncias de que o governo Bolsonaro estimula um caldo de cultura com fortes características fascista.

Os próximos passos mostrarão se esta percepção será aguçada, ou desaparecerá. Mas ninguém esqueça de que o Edital que modelou as políticas de cultura do governo não foi demitido, ou melhor, revogado.

(*) Sociólogo

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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