Opinião
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10 de dezembro de 2019
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14:41

A tal “Declaração” (por Maria do Rosário)

Por
Sul 21
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A tal “Declaração” (por Maria do Rosário)
A tal “Declaração” (por Maria do Rosário)
Reprodução/Youtube

Maria do Rosário (*)

Hoje te peço alguns instantes de atenção, não para minhas ideias, mas para as pessoas que você mais ama e os momentos e os motivos deste afeto. Imagino que as imagens que te venham sejam muito semelhantes as minhas, são momentos da vida familiar, cuidado, confraternização, amizade e também de esforço, luta e resistência para superar limites e dificuldades. Acredito que para a maioria de nós, a vontade de estar junto, aproveitar o melhor da vida e, especialmente, a necessidade de proteção e o impulso de desenvolvimento sejam sentimentos em comum. Creio que no fundo, os seres humanos alimentam um sonho de vida em paz.

Ainda que nos dias de hoje momentos de encontro venham sendo substituídos por novas formas de comunicação e socialização, o porto seguro das pessoas permanece saberem-se parte de uma comunidade e um núcleo de proximidade e afeto. Isto importa.

Nutridos neste círculo, nos sentimos abertos a expandir nosso sentimento de pertencimento ao mundo, construindo a empatia no reconhecimento do olhar humano de todos os que compartilham conosco esta condição. É assim que vibramos com o esforço e vitória de alguém de quem só sabemos o nome pelos meios de comunicação, nos compadecemos com os que sofrem e nos colocamos no lugar das outras pessoas e solidários, nos movemos com espírito de fraternidade.

Esta trajetória do indivíduo para o grupo social e comunidade fortalece cada uma destas unidades, jamais as apaga. A mesma jornada percorrida pela história humana se constrói e reconstrói no desenvolvimento e experiência de vida de cada pessoa e grupo social.

A condição que nos faz humanos nos leva a desejar um mundo justo. Perguntamo-nos se haveria um mundo perfeito, e sabemos que não. Mas em nome desta busca incessante, te convido a imaginar este mundo como algo possível:

– Uma sociedade em que o primeiro direito é o de nascer livre e em igualdade, e na qual o espírito de fraternidade nos una pela nossa razão e consciência.

– Um lugar onde seja possível viver a melhor vida sem distinção de qualquer característica, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição, com direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.

– Neste lugar a vida digna é um direito fundamental, e ela é assegurada pelo trabalho, pela livre escolha de emprego e a proteção contra o desemprego, com remuneração justa e satisfatória. O que você ganha é o suficiente para que sua família não passe necessidade, onde haja acesso à saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis.

– Uma sociedade em que se tem direito ao repouso e ao lazer, acesso à educação gratuita e de qualidade, podendo participar livremente da vida cultural da comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso tecnológico e, especialmente, de seus benefícios.

– Uma vida em que se tem direito à liberdade, justiça, paz, relações amistosas entre as pessoas e, sobretudo, dignidade, onde todos os seres humanos nascem livres e iguais em seus direitos, com fraternidade.

– Uma sociedade em que todos serão julgados com justiça e adequadamente, onde ninguém será mantido em escravidão, servidão ou submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.

– Uma sociedade em que se tenha direito à propriedade e que ninguém será arbitrariamente privado dela.

– Onde o direito a reunir-se, associar-se, expressar-se, opinar, não ser inquietado por suas opiniões, e poder buscar informações e ideias por qualquer meio de expressão sem ser incomodado seja assegurado.

– Onde ninguém seja sujeito à indevida interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação.

– Onde a família seja o núcleo natural e fundamental da sociedade e tenha direito à proteção da sociedade e do Estado, com liberdade de pensamento, opinião, expressão, consciência e religião.

Você pode até não saber, mas todas essas ideias estão escritas em um documento internacional cujo objetivo é a construção do mundo justo que é seu sonho. Elas são parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos, assinada no dia 10 de dezembro de 1948, como um tratado entre as nações para a paz e a dignidade humana.

A Declaração é uma espécie de programa de ação, uma bússola para construirmos a justiça e dignidade que o mundo precisa. Sua proposta é simples, pois basta que todas as pessoas sejam reconhecidas como iguais em dignidade e direitos. Basta o reconhecimento de que somos parte de uma mesma família humana, como é a proposta inscrita em seu preâmbulo.

O texto da DUDH se mantém atual como um documento sobre a ética necessária à vida. Ele é o marco inaugural do conceito contemporâneo dos direitos humanos como universais indivisíveis e interdependentes. Inúmeros tratados foram assinados por estados nacionais para maior precisão das dimensões de direitos políticos, civis, econômicos sociais e culturais, estendendo-se aos temas ambientais e à atenção específica aos grupos mais vulneráveis como as crianças e adolescentes, mulheres, idosos, estrangeiros, migrantes, jovens, negros, indígenas, entre outros.

Além disto, os princípios que formam as Constituições democráticas em cada nação foram fortemente influenciados pela DUDH. É o caso do Brasil com a CF/1988, cujas cláusulas pétreas versam sobre garantias e direitos fundamentais, representando os direitos humanos estabelecidos no plano interno do país. A democracia e os direitos humanos são interdependentes e proporcionalmente recíprocos. Enfim, todas aquelas ideias que te convidaram a imaginar uma sociedade justa carregam os princípios que constituem os Direitos Humanos.

É verdade que não basta que as ideias estejam escritas na forma de tratados e leis para que se realizem. É preciso a ação humana, e é por isto que compartilho com você esta reflexão.

Tenho esperança que as pessoas não perguntem mais “onde estão os direitos humanos” diante de uma violência ou injustiça, pois compreendam dois elementos essenciais:

  1. que se dependesse dos defensores de direitos humanos tal injustiça e violência não ocorreria.
  2. que todos e todas somos responsáveis pela defesa dos direitos humanos.

A hora é agora. Se você já conhece os direitos humanos, difunda-os. Se você não os conhecia na perspectiva apresentada neste texto, ou já recebeu aquelas mensagens desqualificadas de que os “direitos humanos são só pra bandidos”, te convido a pensar novamente sobre este tema e abrir sua mente para seu sentido ético.

Um sentido desenvolvido como um pacto da humanidade diante dos horrores de uma guerra insana que matou milhões de seres humanos; originado da necessidade de estabelecer pactos mínimos de humanidade; capaz de mover a confiança nos direitos da pessoa humana na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, a Declaração Universal dos Direitos Humanos segue desafiando a naturalização da exploração humana e revelando a incongruência entre seus princípios e a desigualdade aguda dos tempos atuais. Nesta condição ela carrega uma força moral superior e pode ser para você, para nós, referência para a denúncia das injustiças e base para tornar possível um outro mundo.

(*) Deputada federal (PT/RS), mestre em educação e doutora em ciência política pela UFRGS.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21. 

 


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