Opinião
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9 de novembro de 2019
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23:14

Bolsonaro é a libertação do espírito da nossa elite (por Gerson Almeida)

Por
Sul 21
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Jair Bolsonaro.  | Foto: Reprodução

Gerson Almeida (*)

O campo da direita nunca teve qualquer pudor em abdicar das “boas maneiras” e unir as suas forças para manter o poder em suas mãos. Diante de um pequeno risco de perder apenas uma parte do seu poder, ela joga o pudor aos cães e lança mão de todo o aparato de coerção disponível, o legal e o paralelo, das suas milícias.

Os exemplos históricos desta prática são inúmeros.

O Brasil foi o último país da América a acabar com a escravidão, por exemplo. Ao longo de mais de mais de trezentos anos fomos o maior destino de tráfico de africanos no mundo, com não menos de cerca de cinco milhões de pessoas escravizadas.

Quando a luta dos negros e o ambiente mundial tornou impossível manter a escravidão, nossas elites jamais abdicaram de manter as prerrogativas do sistema escravista.

Não havia mais leis que oficializassem a escravidão, mas os escravistas não queriam manter tudo como “sempre havia sido” e impediram políticas públicas capazes de tirar os negros e negros da extrema exclusão, algo que todos os indicadores sociais e econômicos reverberam ainda hoje.

As mulheres, por sua vez, obtiveram o direito de voto apenas em 1932. No entanto, apenas as casadas e com autorização do marido, as viúvas e as solteiras que tivessem renda própria podiam votar. Apenas em 1946, o voto obrigatório foi estendido às mulheres.

Nenhuma dessas conquistas foi arrancada sem lutas e uma intensa disputa política e cultural na sociedade, contra os argumentos que naturalizavam a escravidão e a subordinação das mulheres.

Não resta dúvida, portanto, de que todas as conquistas do chamado processo civilizador só se tornaram possíveis quando a luta dos excluídos foi suficientemente forte para tornar impossível a continuidade destas imposições aos subalternos.

Quando do recrudescimento do golpe militar de 1964, com a imposição do AI-5 (1968), Jarbas Passarinho, ministro do trabalho (governo de Costa e Silva), voltou a expressar o espírito escravocrata e misógino das elites brasileiras e cunhou a célebre frase “às favas, com os escrúpulos de consciência”.

E o regime mergulhou na tortura, assassinatos e todo o tipo de censura.

Pois agora, depois de ficar claro que a maioria do povo não lhes reconhece o direito de governar democraticamente, a nossa elite não titubeou e mandou novamente às favas qualquer escrúpulo.

Ela tirou todas as máscaras e decidiu mostrar a sua verdadeira índole, na forma de uma família miliciana e à beira de demência. É bizarro, mas é assim que a nossa elite fica quando está à vontade.

Aquilo que poderia parecer uma alternativa desesperada, na verdade mostrou-se uma verdadeira libertação.

Uma libertação no sentido catártico, de liberação psíquica de todo o sofrimento psíquico que estavam sentindo ao perceber que parte do seu domínio estava lhe escapando das mãos.

Lembram-se da reação furiosa contra os médicos que vieram atender as pessoas no interior do país, aonde os nossos não chegam? Todas as manifestações hostis mostraram uma raiva atávica contra pessoas, muitas delas negras, que nem “cara de médico tem”.

É esta raiva atávica da nossa elite contra os negros, as mulheres, os trabalhadores e todos os tradicionalmente excluídos que encontrou seu júbilo na figura mais repulsiva que nossa vida pública jamais produziu.

E esta figura não é outra coisa, senão o seu próprio espírito.

(*) Gerson Almeida é sociólogo e ex-secretário da SMAM.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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