Opinião
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22 de outubro de 2019
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13:10

Terremoto andino (por María Alejandra Díaz)

Por
Sul 21
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Reprodução/Youtube/Sputnik

María Alejandra Díaz (*)

Nossa América tem um ritmo próprio, telúrico. No subsolo estão as causas históricas e sociais, espalhadas as sementes de nossos povos. Seus mártires com seus corpos destroçados, mas sempre rebeldes e desordeiros. Sob nossos pés corre ainda o sangue derramado por indígenas e heróis. O sangue, lava aborígene, não odeia nem é ressentido, senão seiva incendiária. (Ortuñez)

Barthes, recriando a Michelet dizia, ao opor o calor à luz, que todo ato de incubação é um fenômeno de profundidade, enquanto que a luz, fenômeno de altura, tem uma natureza gélida, é estéril, não engendra. O calor de baixo é signo de massa, multidão, povo. Povo cujo coração late oculto com mais força abaixo.

O povo chileno se mostra como povo vulcão, irrompe livre desde nossas sementes. Não é casual que Martí finalize “Nossa América” com a imagem do “Gran Semí” (Grande Espirito, ou Grande Semente), na sua condição de energia semeadora, de onde nasceram os homens novos.

Esse novo ciclo de insurgência frente ao pântano da globalização, depois de 30 anos de espoliação neoliberal, de doutrina de choque contínuo imposta a sangue e fogo pelo mercado e as armas. Rebelam-se os povos dos pacotes que nos aplicam vestidos de esquerda e de direita, desregulando, desterritorializando e despolitizando. Usando álibis e bloqueios para render os Estados, sejam estes mínimos ou de justiça e bem-estar social, os povos insurgem entediados da exploração da fábrica social.

Compreendamos: não são os 30 pesos do aumento da tarifa do metrô de Santiago, são 30 anos de exclusão sistemática, de tensões e abandono ao povo que vê como, desde a vitrine, se exibem as elites esfomeadoras.

O povo chileno a pedradas, indignado, rompeu a vitrine de ilusão da máquina neoliberal. Pois estamos destinados a emergir desde nosso ser autóctone, aplastado e sujeitado agora, mas empurrado por secretos latidos invisíveis que queimam e convertem o impossível em possível: a justiça social.

Nossa América hoje brota, irrompendo subitamente. E é porque as entranhas da terra aguentam as ganas por muito tempo e de súbito, sem causa visível, inesperadamente pare tudo de uma vez. (Ortuñez)

É Chile, Equador, Peru, Nossa América hoje, insubmissa.

(*) Advogada constitucionalista venezuelana, integrante da Assembleia Nacional Constituinte (ANC).

Tradução: Anisio Pires

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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