Marcelo Sgarbossa e Cristiano Lange dos Santos (*)
A multidão de jovens chilenos que foi às ruas para protestar nos últimos dias tenta reverter as mazelas que o neoliberalismo criou ao longo de quatro décadas no Chile. A onda de manifestações, que já vem sendo chamada de “Primavera Chilena” (em referência à Primavera Árabe), tem como pano de fundo a degradação da qualidade de vida e a mercantilização dos direitos mais básicos da população.
Vale lembrar que o Chile vinha sendo mencionado como referência pelo governo Bolsonaro (PSL) e outros políticos de vertente neoliberal. O país chegou a ser indicado como um paradigma a ser copiado pelo ministro da Fazenda, Paulo Guedes – um dos executores da reforma da previdência chilena na década de 1980.
Aliás, a “Nova Previdência”, aprovada recentemente no Congresso Nacional, está calcada no modelo chileno de (in)seguridade social. A população brasileira foi vítima de mais uma propaganda enganosa, que tentou vender a situação econômica do Chile como se fosse a panaceia. Vale lembrar que, desde 1973 quando um golpe de Estado derrubou o presidente Salvador Allende, o general Pinochet e os militares – que ficaram no poder até a década de 1990 – privatizaram quase todos os serviços essenciais. A saúde, a educação e a previdência passaram para o controle do mercado financeiro.
Vendeu-se a ideia de que o Chile se modernizou com isso, e que cresceu econômica e socialmente. Contudo, a situação não é nada do que se dizia: a economia chilena passa há anos por dificuldades que foram potencializadas com o incremento das chamadas “políticas de austeridade”, aumentando assim a desigualdade social e a concentração de renda.
Além do mais, foi possível perceber uma reação autoritária do governo de Sebastian Piñera, inicialmente ao se recusar a debater o aumento nos combustíveis e nas tarifas de transporte, ao mesmo tempo em que determinou que tropas militares fossem às ruas para impor um Estado de Emergência.
O bilionário presidente chileno abusou da repressão e apontou os manifestantes como “inimigo público”. Essa estratégia repressiva tem sido a regra em alguns países latino-americanos (como a Argentina e o Equador), que após adotarem uma política de corte dos direitos da população para favorecer o capital financeiro, sustentam que é o povo que tem que pagar essa conta.
Após uma centelha de indignação e dias de protesto, Piñera recuou ao anunciar o reajuste no valor das pensões, o aumento no salário mínimo e a redução no preço dos medicamentos e da energia elétrica. Medidas que tentam acalmar os ânimos mais exaltados.
Por aqui, Bolsonaro já ameaça usar o Exército para reprimir manifestações caso a onda de protestos chegue ao Brasil. Tudo para garantir a aplicação da cartilha neoliberal com a privatização dos serviços públicos. Ações que potencializam a desigualdade social e acabam com os direitos básicos da população.
O que acontece no Chile, mas também no Brasil, não se trata de uma simples crise econômica. Ao contrário, há uma premissa muito mais profunda: de que neoliberalismo é incompatível com o Estado Social de Direito, e até mesmo com a Democracia, porque desmonta o sistema de proteção social.
Hoje é o povo chileno quem se rebela. Se o Brasil seguir a cartilha neoliberal de Bolsonaro pode vir a ser o próximo da lista.
(*) Marcelo Sgarbossa é vereador e líder da Bancada do PT em Porto Alegre. Cristiano Lange dos Santos é Doutor em Direito e procurador Jurídico do Laboratório de Políticas Públicas e Sociais (Lappus).
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