Opinião
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10 de setembro de 2019
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18:45

Censura de Crivella é só mais um capítulo (por Célio Golin)

Por
Sul 21
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Censura de Crivella é só mais um capítulo (por Célio Golin)
Censura de Crivella é só mais um capítulo (por Célio Golin)
Marcelo Crivella, prefeito do Rio de Janeiro. (Tomaz Silva/Agência Brasil)

Célio Golin (*)

A censura reentrou de vez no cenário político brasileiro e vem avançando de forma constante em temas culturais, morais, sexuais e políticos. São inúmeras as situações e fatos que acontecem, principalmente depois do último processo eleitoral.

O que parecia que estava adormecido na cena pública, acobertado por um “pacto de convivência” no qual essas pautas, por mais polêmicas, eram “toleradas”, hoje isto não é mais possível. Pensar no que motivou a ruptura deste “pacto” é uma questão importante para reflexão, pois já sabemos que a partir de agora, a sociedade brasileira terá que se reconstruir a partir de outros marcos sociais e morais.

Se analisarmos esta questão sob o argumento de que isto é consequência de uma onda conservadora mundial de extrema direita que está em curso, associada ao grande capital, algumas questões não podem deixar de serem consideradas no caso brasileiro. Para além de uma disputa política por hegemonia, influenciada fortemente pela ascensão do “baixo clero” ao poder, para quem estas pautas morais são um elemento catalisador da estupidez humana, outras nuances estão em jogo.

O machismo, lgbtfobia e o racismo vieram à tona com roupagens de discursos e práticas genuínas, ocupando um espaço de poder muito importante, autorizando a manifestação explícita de todo esse ódio expresso nos dias de hoje. Os vários absurdos que acontecem diariamente, como o fato ocorrido durante a Bienal do Livro do Rio de Janeiro em que o prefeito Crivella (PRB) proibiu a exposição de literatura sobre beijo gay é só mais um episódio.

Cabe ressaltar que a censura à liberdade de expressão encontra resguardo em setores da justiça que “confundem” e ignoram a laicidade do Estado. Pergunto, portanto, onde estão os liberais neste momento, que sempre defenderam o liberdade de expressão como um valor e uma conquista liberal?

Os conservadores que têm a pretensão de serem os arautos da moral e dos bons costumes, que sempre usaram o discurso da família e do cidadão do bem, não conseguem conviver com expressões que atingem suas inseguranças e frustrações existenciais, pois a pluralidade de ideias e de comportamentos desestruturam suas certezas. Ameaçados, tentam a todo o custo impor aos ditos “desviantes” suas condutas hipócritas.

O Brasil de hoje vive uma ruptura social, provocada pelos movimentos negro, feminista e LGBT+, que irromperam com novos discursos e práticas num lugar antes “controlado” pelo poder dos hipócritas morais. A tensão provocada neste lugar de convivência social, ocasionada pela disputa de hegemonia capitaneada pelos movimentos sociais na cena pública, acabou provocando esse movimento de ódio que encontra nas redes sociais lugar de embate e proliferação, e se torna um elemento revelador desta realidade antes “obscura”.

As postagens nas redes são um sintoma de algo que estava submerso numa sociedade moralista e que nunca enfrentou seus fantasmas. Essa ferida hoje aberta vai precisar de muito tempo para ser curada, pois a violência vivenciada principalmente pela população LGBT+ e especialmente pelas travestis e transexuais, revelam uma sociedade doentia, na qual o pacto social fundamental da convivência pacífica está rompido.

(*) Coordenador geral do Nuances

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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