Opinião
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6 de setembro de 2019
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22:59

A miséria do Bolsonarismo gaúcho e as razões da esperança (por Miguel Rossetto)

Por
Sul 21
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A miséria do Bolsonarismo gaúcho e as razões da esperança (por Miguel Rossetto)
A miséria do Bolsonarismo gaúcho e as razões da esperança (por Miguel Rossetto)
Jair Bolsonaro e Eduardo Leite (Twitter/Reprodução)

Miguel Rossetto (*)

As últimas eleições brasileiras foram um raro espetáculo de truculência e intolerância. Moldadas e precedidas por dois atos de ruptura democrática, o golpe que afastou Dilma e a condenação e cassação de Lula , foi uma disputa atípica em todos os sentidos. O debate por alternativas para o Brasil ficou interditado frente a uma onda de boatos, fake news, ódios e intolerâncias. O resultado desta vertigem comocional foi um candidato eleito presidente, sem comparecer a um único debate, apresentar qualquer programa de governo e sequer assumir compromissos claros com o eleitorado.

Bolsonaro é mais que um outsider que tomou de assalto a cena política, é o resultado de longo processo de mutação das forças partidárias tradicionais da direita brasileira e que contou com apoio decido e entusiasmado do grande capital brasileiro e internacional. Mais do que um acidente, Bolsonaro é a conseqüência natural da incapacidade do governo dos muito ricos (também chamado neoliberalismo) conseguir a maioria da população para suas teses. Para obtê-la, precisava adicionar camadas extras sobre sua extração original que sempre foi de homens, brancos e ricos. Nada mais útil que mobilizar medos e frustrações da população fragilizada para isto. O medo dos homens, ameaçados na sua condição de provedor e pelas mudanças de sociabilidade, medo da população esmagadas em suas condições de vida por uma violência cada vez mais estrutural, frustração de quem não mais consegue um emprego e tem que disputar a sobrevivência em um mercado de trabalho autonomizado, predatório e individualizado, medo de quem vê sua visão religiosa ser ameaçada por uma sociabilidade tóxica e egoísta que ameaça sua família e suas crenças. A mobilização destes rancores profundos e medos genuínos requer movimentos catárticos fortes violentos e desruptivos. Foi isto que Bolsonaro propiciou, a solda entre um projeto minoritário liberal e as frustrações populares. A solda era o ódio.

O projeto não seria viável, no entanto, sem a adesão incondicional da dita elite brasileira local (grande capital, meios de comunicação, extratos superiores da justiça e do estado, etc.) e de grande parte do sistema partidário existente. Foi exatamente isto a que assistimos. O Rio Grande do Sul foi exemplo eloqüente desta mutação. A ponto de as duas candidaturas que disputaram o segundo turno se ajoelharem no altar de Bolsonaro. O apoio de Leite a Bolsonaro e a conversão de Sartori a “Sartonaro”, começou já no primeiro turno com a desaparição progressiva de seus candidatos a presidentes (Alckmin e Meireles) e a aproximação na forma e conteúdo de seu candidato de segundo turno.

Este talvez tenha sido o ponto mais baixo da história política gaúcha, que tem uma longa trajetória de coragem e defesa da democracia. Um estado que deteve o golpe em 61 com a campanha da legalidade, resistiu ao golpe de 64 e esteve na vanguarda da resistência democrática ao longo de toda a ditadura militar. Que viveu a democracia participativa e foi palco do Fórum Social Mundial. Como este estado chegou a isto e principalmente aonde isto nos leva são as interrogações que se colocam para todos os democratas gaúchos.

Em primeiro lugar, embora possa surpreender ver partidos como o MDB, com seu histórico democrático, e PSDB, com pretensões cosmopolitas, se subordinarem tão abjetamente a um personagem que defende a tortura, a ditadura, a homofobia, e o racismo, precisamos dizer que esta aproximação não começou nesta eleição. A conversão da social democracia para o liberalismo mais rasteiro transcorreu a mais de vinte no PSDB, levando o partido de Covas e Montoro, a se transformar no de Doria e Alexandre Frota e a transição de posições democráticas para o oportunismo autoritário se consumou no comando cleptocrático de Eduardo Cunha, Temer e Padilha no PMDB.

O terceiro partido gaúcho deste espectro , o PP, tem sua origem na ditadura e no latifúndio e mesmo tendo indicado a candidata a Vice de Alckmin (a do relho), aderiu a Bolsonaro precoce e alegremente com Heinz e a ampla maioria de seus candidatos.

Estes três partidos que personificaram o Bolsonarismo gaúcho nas últimas eleições tem com o atual presidente identidades fundamentais: a insensibilidade social, o desprezo pela democracia e a tudo que seja popular, a raiva do setor público, a renúncia a qualquer projeto nacional e, principalmente a devoção à “força da grana que ergue e destrói coisas belas”.

Não é de se estranhar, assim, que esta similaridade tenha se manifestado não só nas últimas eleições como siga acontecendo em cada votação do Congresso (e aqui na Assembleia Legislativa) que destrói direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, que agride o meio ambiente ou corte gastos em educação e saúde. Assistem e aplaudem a destruição das Universidades e Institutos Federais no RS. O bolsonarismo na paisagem do Pampa é um. Não importa se se vista com a roupa de grife do PSDB, a fala cínica do PMDB ou a tradicional truculência latifundiária do PP. Três partidos e um só programa. E é por ele que somos governados.

A questão portanto é saber aonde isto nos leva.

O capitalismo neoliberal , diante da incapacidade de criar crescimento, de gerar uma riqueza nova, impõe um padrão de acumulação a partir da riqueza existente; trata-se de destruir e se apropriar do que já foi construído, de espoliar o patrimônio público (as estatais e o orçamento publico) e o dinheiro dos trabalhadores (da diminuição de salários e precarização do trabalho) e de atacar de forma violenta e rápida os recursos naturais.

O ponto fundamental é que este é um projeto de destruição. Não há pretensões de construir um novo País ou novo Estado. Seu projeto é dizimar as empresas públicas para abrir espaço para grandes corporações internacionais, acabar com a previdência abrindo espaço para os grandes bancos operar fundos de pensão, liquidar com qualquer garantia trabalhista para ampliar a extração de renda dos trabalhadores pelas empresas, acabar com a escola pública em nome de grupos privados internacionais de educação. Em cada área a metáfora perfeita é a Amazônia ardendo em chamas para dar espaço às pastagens e plantações do agronegócio. É preciso destruir para que o mercado purificador se erga da terra desolada.

Ódio e destruição. É tudo que prometem e tudo que podem entregar.

A questão é que não haverá regeneração criativa neste ciclo.

Com uma população em que 80% não pode pagar um plano de saúde ou uma escola privada, a destruição da escola e saúde pública será a pura negação da educação e saúde para as maiorias. A destruição da previdência será a velhice miserável sem aposentadoria. O corte de investimentos públicos e o rebaixamento do poder de consumo das famílias pelas reformas já destroem o mercado interno, levando o País a mais longa recessão da sua história. O investimento da indústria já é o menor desde 1948. Nos últimos dois anos fecharam 23 mil indústrias e 270 mil lojas. Com uma economia em recessão o emprego também é destruído (para além do desemprego aberto, 83% das vagas criadas são na informalidade e ⅕ do setor formal são da modalidade de trabalho intermitente). A crise social avança com toda a sua carga de violência e desestruturação.

Em apenas sete meses já temos um País em ruínas. E no Estado não é diferente.

A única resposta do governador, sub legenda regional do bolsonarismo, é avançar na destruição do Estado. Já não basta atrasar o salário em dias, atrasa-se em meses. Já não basta não reajustar salários, busca-se reduzi-los. Já não basta vender partes de estatais, trata-se de vendê-las todas. Para isto ataca-se a democracia com a negação do plebiscito previsto na Constituição e com a repressão brutal a qualquer manifestação contrária. Tudo isto para que? Emerge disto uma solução para a crise das finanças? A resposta quem dá é o próprio secretário da Fazenda em entrevista a um jornal do estado, que pode ser resumida em manter o Estado em coma por quatro anos para anunciar sua morte no quinto, com a volta do pagamento da dívida. Aqui como lá, não há promessa que não seja a destruição. Aqui como lá é um projeto em seu precoce ocaso pela incapacidade de entregar o que quer que seja ao povo.

Aqui e lá devemos saber resistir. Preservar o máximo possível para em um novo ciclo voltar a construir uma sociedade que seja para todos e não para uns poucos endinheirados.

É um processo difícil e as vezes desalentador. Mas não é novo. Já passamos, na América Latina por um ciclo liberal terrível na década de 90. Perdemos muito, mas fomos capazes de nos reerguer nos anos 2.000. Nossa vizinha Argentina acaba de passar por um processo semelhante em que privatizaram tudo, até o zoológico de Buenos Aires, para deixar uma população em que um décimo tem deficiências nutricionais graves e um terço está na miséria. Um Pais quebrado e em moratória. Pois foram derrotados e reconstrução recomeçará.

Devemos resistir para voltar mais experientes, mais sábios e mais ousados. A esperança pode ser uma planta frágil, mas tem a teimosia de ressurgir sempre, mesmo nos terrenos devastados pela pior das queimadas.

(*) Miguel Rossetto foi vice-governador do Rio Grande do Sul, ministro do Desenvolvimento Agrário, e ministro do Trabalho.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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