Opinião
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29 de agosto de 2019
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17:34

“Se matam um de nossos filhos, nós parimos mais três”: resistência e luta na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas (por Letícia Cao Ponso)

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Sul 21
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“Se matam um de nossos filhos, nós parimos mais três”: resistência e luta na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas (por Letícia Cao Ponso)
“Se matam um de nossos filhos, nós parimos mais três”: resistência e luta na 1ª Marcha das Mulheres Indígenas (por Letícia Cao Ponso)
A 1ª Marcha das Mulheres Indígenas teve como tema: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. (Foto: Letícia Cao Ponso)

Letícia Cao Ponso (*)

Nas centenas de barracas coloridas de um acampamento no gramado do pátio externo da FUNARTE, em Brasília, entre o Planetário, o Parque da Cidade e o estádio Mané Garrincha, mulheres indígenas de 115 etnias preparam-se para a 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, que tem como tema: “Território: nosso corpo, nosso espírito”. Um céu limpo de azul profundo e nuvens esparsas enquadra o cenário – o mar de Brasília, como definiu Lúcio Costa –, e os 20% de umidade no ar deixam uma secura que fecha a garganta, provoca tosse, irrita as vias aéreas até sangrar o nariz. Com as bocas secas e poeira nos olhos, mulheres de todas as idades e regiões brasileiras se cruzam, se cumprimentam, conversam, planejam, articulam e chamam-se sempre pelo mesmo vocativo: parente. Todas são parentes com um objetivo em comum: dar visibilidade às ações de defesa e garantia dos direitos indígenas, em especial o cuidado com a mãe terra, com o território, com o corpo e com o espírito.

A ideia de uma marcha surgiu ainda em 2014, em Campo Grande, ganhou força dentro de um projeto na ONU e em eventos como o ATL (Acampamento Terra Livre), ampliou adesões e contou com a ajuda de diversos colaboradores. Há aqui militantes, lideranças, xamãs, caciques, deputadas, estudantes universitárias, feministas comunitárias, jornalistas, indígenas aldeadas e não aldeadas defendendo pautas que vão desde a educação escolar e o atendimento à saúde diferenciados, até o combate à violência de gênero e a manutenção das línguas originárias, passando pela demarcação de terras, o respeito à natureza e a sustentabilidade.

Andando pelo acampamento, vejo mulheres de um Brasil profundo e longínquo. Espalhadas aqui e ali, esteiras mostram um refinado e belíssimo artesanato trazido de várias partes do Brasil: são cestos, colares, roupas, instrumentos musicais, bichos entalhados ou esculpidos, arcos, flechas, cocares. Crianças correm para lá e para cá com o rosto lambuzado de fruta e terra. Mulheres sentam-se em círculo, de pernas cruzadas, e confabulam fumando seus cachimbos. Elas trazem sua própria farinha de mandioca feita nas aldeias, pois não se adaptam à comida de branco, tão diferente. Fazem pequenas fogueiras e tentam conseguir peixe para assar no fogo e acompanhar com o polvilho trazido de casa. Conversam e riem em tantas e tão diferentes línguas, que é impossível não sentir nesta profusa sonoridade a presença e a sabedoria de seus ancestrais.

Sob a lona central, onde se reúnem em debates, plenárias, discursos, cânticos e danças, formam um núcleo coeso e vigoroso, com representantes regionais dos movimentos de luta e resistência de todo o Brasil. Eles vêm se consolidando cada vez mais em espaços de protagonismo feminino dentro das aldeias, nas universidades, nas instituições, no cenário nacional e internacional. Lideranças políticas de projeção, como Sônia Guajajara, candidata a vice-presidência nas eleições de 2018, Joênia Wapichana, primeira deputada federal indígena por Roraima, a professora Célia Xacriabá e Chirley Pankará, co-deputada estadual em São Paulo, dão entrevistas para os coletivos de mídia alternativa que cobrem o evento, cuja relevância é como sempre ignorada pela mídia tradicional. O clima é de preparação para a guerra: “Desde que Bolsonaro disse que não haveria mais nenhum centímetro de terra demarcada para os povos indígenas, nós saímos em marcha porque, com essa afirmação, ele declarou guerra não só com os povos indígenas, mas com as mulheres indígenas”, diz Sonia Guajajara, da coordenação da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Grupos de homens andam com flechas e armas, coadjuvantes na luta. Júnior Xukuru, candidato a deputado federal pelo PSOL, declara: “As mulheres é que fazem a nossa estratégia de luta, pois elas têm uma visão melhor, elas observam mais as coisas que nós. Quando nós, Xukurus, fomos à Corte Interamericana de Direitos Humanos e o Brasil foi condenado por violar os direitos ao nosso território, quem passou o maracá na gente e rezou por nós foram as nossas mulheres indígenas. Elas são a mente e as mentoras da nossa luta. Então, eu não pensei duas vezes quando elas nos chamaram para vir apoiá-las e enfrentar quem quiser afrontar nossas guerreiras, porque sozinhas elas não estão, não.”

Elas avançam em pequenos grupos por entre os prédios do eixo monumental, desenhando a alva e minimalista paisagem arquitetônica sonhada por Lúcio Costa e Oscar Nyemeyer com os corpos nus pintados e ornados com penas coloridas e saias de palha. Ali, no coração das tomadas de decisão política do país, as geradoras da vida e protetoras da natureza fazem a sua própria política: entoam suas rezas, evocam seus encantados, balançam seus chocalhos, cantam agudo, gargalham piadas sobre o presidente, batem com o pé no chão, batem tambores e maracás ritmados em uma cadência precisa, um transe que dura cinco dias, como a buscar a cura ritual e restaurar o equilíbrio de um país espiritualmente doente.

O horário oficial de Brasília não é referência para elas. Acordam antes do sol, atravessam descalças o amarelo-queimado da grama e, com os curumins pendurados nas tetas, infiltram-se naturalmente, avançando como a seiva das árvores, o sangue das veias, a água dos rios, o longo caminho até os escritórios refrigerados da Fundação Nacional de Saúde. Lá, na segunda-feira, dia 12, cedo pela manhã, invadem e ocupam às dezenas o quarto andar do prédio, onde funciona a SESAI, Secretaria Especial de Saúde Indígena, cujo chão de porcelanato branco imediatamente pinta-se de terra vermelha, jenipapo e urucum. Um cheiro de cascas de laranja rescende no ar. As diversas mesas com computadores logo são ocupadas e, desde a portaria, elas próprias atendem o interfone: “Nós somos as mulheres indígenas e ocupamos o prédio”. O grupo tenta um encontro com a chefe da secretaria, Silvia Waiãpi, mas ela não atende às indígenas, esvazia o setor e sai pela garagem.

Os discursos e protestos indignados ressoam na acústica do ambiente. Dirigem-se com fúria a Silvia Waiãpi, indígena, militar, escolhida para o cargo por Bolsonaro, que desde o início de seu governo ameaça acabar com a SESAI e a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas e todo o processo de gestão do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena (SasiSUS). O movimento indígena acusa o governo de mau gerenciamento da política da saúde indígena, como a municipalização e as más condições de atendimento nas comunidades, que, junto ao desmatamento crescente, às queimadas e à liberação dos territórios para a mineração, têm provocado aumento de doenças e mortes entre os povos tradicionais.

Muitas das jovens indígenas presentes são estudantes universitárias, mestrandas e doutorandas. Representando o Rio Grande do Sul e a Universidade Federal de Rio Grande, o Coletivo Xondarias de Mulheres Indígenas, que tenho a oportunidade de acompanhar, mostra que os saberes acadêmicos não estão dissociados da luta política. O ingresso dos povos tradicionais no ensino superior brasileiro faz parte de uma luta histórica que originou determinações legais voltadas à garantia do exercício de seus direitos culturais diferenciados. Durante décadas, a academia brasileira esteve fechada para o conhecimento indígena brasileiro. Ela se construiu monocultural, monoepistêmica, monológica, produzindo e reproduzindo um conhecimento baseado num modelo eurocentrado e homogeneizante dos saberes. Como afirma o antropólogo Jose Jorge de Carvalho, presente no acampamento, “as universidades brasileiras são desenraizadas da territorialidade que ocupam”.

Quando estudantes indígenas dos cursos de graduação e pós-graduação em Direito, Psicologia, Enfermagem, Educação Física, Gestão Ambiental participam desses movimentos políticos, fazem um processo de contra-colonização da universidade brasileira, na perspectiva de uma cosmovisão cultural imanente, que produz sentidos em várias ações e textualidades: orais, corporais, escritas, artísticas, artesanais, militantes. É no grupo étnico, portanto, que esse coletivo de estudantes indígenas partilha as emoções e as solidariedades mais enraizadas e mais estruturantes de sua luta.

Por isso, quando confluem com outras três mil mulheres pela Esplanada dos Ministérios até o Congresso Nacional na manhã de terça-feira, dia 13 de agosto, e no dia seguinte, 14 de agosto, juntam-se a camponesas, trabalhadoras rurais, quilombolas, ribeirinhas, sem-terra, na Marcha das Margaridas, maior mobilização de mulheres da América Latina, mostram o poder da própria natureza resistindo à devastação de um governo genocida e tudo o que ele representa de mais perverso. Elas são a própria mãe-terra, a própria existência e estão lutando pelo solo sagrado que nós, ainda, pisamos.

Marcha das Mulheres Indígenas teve participação de mulheres de 115 etnias. / Andressa Zumpano/CPT

Segue a íntegra da carta das mulheres indígenas:

Se fere a nossa existência, seremos resistência

Nós, 2.500 mulheres de mais de 130 diferentes povos indígenas, representando todas as regiões do Brasil, reunidas em Brasília (DF), no período de 10 a 14 de agosto de 2019, concebemos coletivamente esse grande encontro marcado pela realização do nosso 1° Fórum e 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, queremos dizer ao mundo que estamos em permanente processo de luta em defesa do “Território: nosso corpo, nosso espírito”. E para que nossas vozes ecoem em todo o mundo, reafirmamos nossas manifestações.

Enquanto mulheres, lideranças e guerreiras, geradoras e protetoras da vida, iremos nos posicionar e lutar contra as questões e as violações que afrontam nossos corpos, nossos espíritos, nossos territórios. Difundindo nossas sementes, nossos rituais, nossa língua, nós iremos garantir a nossa existência.

A Marcha das Mulheres Indígenas foi pensada como um processo, iniciado em 2015, de formação e empoderamento das mulheres indígenas. Ao longo desses anos dialogamos com mulheres de diversos movimentos e nos demos conta de que nosso movimento possui uma especificidade que gostaríamos que fosse compreendida. O movimento produzido por nossa dança de luta, considera a necessidade do retorno à complementaridade entre o feminino e o masculino, sem, no entanto, conferir uma essência para o homem e para a mulher. O machismo é mais uma epidemia trazida pelos europeus. Assim, o que é considerado violência pelas mulheres não indígenas pode não ser considerado violência por nós. Isso não significa que fecharemos nossos olhos para as violências que reconhecemos que acontecem em nossas aldeias, mas sim que precisamos levar em consideração e o intuito é exatamente contrapor, problematizar e trazer reflexões críticas a respeito de práticas cotidianas e formas de organização política contemporâneas entre nós. Precisamos dialogar e fortalecer a potência das mulheres indígenas, retomando nossos valores e memórias matriarcais para podermos avançar nos nossos pleitos sociais relacionados aos nossos territórios.

Somos totalmente contrárias às narrativas, aos propósitos, e aos atos do atual governo, que vem deixando explícita sua intenção de extermínio dos povos indígenas, visando à invasão e exploração genocida dos nossos territórios pelo capital. Essa forma de governar é como arrancar uma árvore da terra, deixando suas raízes expostas até que tudo seque. Nós estamos fincadas na terra, pois é nela que buscamos nossos ancestrais e por ela que alimentamos nossa vida. Por isso, o território para nós não é um bem que pode ser vendido, trocado, explorado. O território é nossa própria vida, nosso corpo, nosso espírito.

Lutar pelos direitos de nossos territórios é lutar pelo nosso direito à vida. A vida e o território são a mesma coisa, pois a terra nos dá nosso alimento, nossa medicina tradicional, nossa saúde e nossa dignidade. Perder o território é perder nossa mãe. Quem tem território, tem mãe, tem colo. E quem tem colo tem cura.

Quando cuidamos de nossos territórios, o que naturalmente já é parte de nossa cultura, estamos garantindo o bem de todo o planeta, pois cuidamos das florestas, do ar, das águas, dos solos. A maior parte da biodiversidade do mundo está sob os cuidados dos povos indígenas e, assim, contribuímos para sustentar a vida na Terra.

A liberdade de expressão em nossas línguas próprias, é também fundamental para nós. Muitas de nossas línguas seguem vivas. Resistiram às violências coloniais que nos obrigaram ao uso da língua estrangeira, e ao apagamento de nossas formas próprias de expressar nossas vivências. Nós mulheres temos um papel significativo na transmissão da força dos nossos saberes ancestrais por meio da transmissão da língua.

Queremos respeitado o nosso modo diferenciado de ver, de sentir, de ser e de viver o território. Saibam que, para nós, a perda do território é falta de afeto, trazendo tristeza profunda, atingindo nosso espírito. O sentimento da violação do território é como o de uma mãe que perde seu filho. É desperdício de vida. É perda do respeito e da cultura, é uma desonra aos nossos ancestrais, que foram responsáveis pela criação de tudo. É desrespeito aos que morreram pela terra. É a perda do sagrado e do sentido da vida.

Assim, tudo o que tem sido defendido e realizado pelo atual governo contraria frontalmente essa forma de proteção e cuidado com a Mãe Terra, aniquilando os direitos que, com muita luta, nós conquistamos. A não demarcação de terras indígenas, o incentivo à liberação da mineração e do arrendamento, a tentativa de flexibilização do licenciamento ambiental, o financiamento do armamento no campo, os desmontes das políticas indigenista e ambiental, demonstram isso.

Nosso dever como mulheres indígenas e como lideranças, é fortalecer e valorizar nosso conhecimento tradicional, garantir os nossos saberes, ancestralidades e cultura, conhecendo e defendendo nosso direito, honrando a memória das que vieram antes de nós. É saber lutar da nossa forma para potencializar a prática de nossa espiritualidade, e afastar tudo o que atenta contra as nossas existências.

Por tudo isso, e a partir das redes que tecemos nesse encontro, nós dizemos ao mundo que iremos lutar incansavelmente para:

1. Garantir a demarcação das terras indígenas, pois violar nossa mãe terra é violentar nosso próprio corpo e nossa vida;

2. Assegurar nosso direito à posse plena de nossos territórios, defendendo-os e exigindo do estado brasileiro que proíba a exploração mineratória, que nos envenena com mercúrio e outras substâncias tóxicas, o arrendamento e a cobiça do agronegócio e as invasões ilegais que roubam os nossos recursos naturais e os utilizam apenas para gerar lucro, sem se preocupar com a manutenção da vida no planeta;

3. Garantir o direito irrestrito ao atendimento diferenciado à saúde a nossos povos, com a manutenção e a qualificação do Subsistema e da Secretaria Especial Saúde Indígena (SESAI). Lutamos e seguiremos lutando pelos serviços públicos oferecidos pelo SUS e pela manutenção e qualificação contínua da Política Nacional de Atendimento à Saúde a nossos povos, seja em nossos territórios, ou em contextos urbanos. Não aceitamos a privatização, a municipalização ou estadualização do atendimento à saúde dos nossos povos. Lutamos e lutaremos para que a gestão da SESAI seja exercida por profissionais que reúnam qualificações técnicas e políticas que passem pela compreensão das especificidades envolvidas na prestação dos serviços de saúde aos povos indígenas. Não basta termos uma indígena à frente do órgão. É preciso garantirmos uma gestão sensível a todas as questões que nos são caras no âmbito desse tema, respeitando nossas práticas tradicionais de promoção à saúde, nossas medicinas tradicionais, nossas parteiras e modos de realização de partos naturais, e os saberes de nossas lideranças espirituais. Conforme nossas ciências indígenas, a saúde não provém da somente da prescrição de princípios ativos, e a cura é resultado de interações subjetivas, emocionais, culturais, e fundamentalmente espirituais.

4. Reivindicar ao Supremo Tribunal Federal (STF), que não permita, nem legitime nenhuma reinterpretação retrógrada e restritiva do direito originário às nossas terras tradicionais. Esperamos que, no julgamento do Recurso Extraordinário 1.017.365, relacionado ao caso da Terra Indígena Ibirama Laklanõ, do povo Xokleng, considerado de Repercussão Geral, o STF reafirme a interpretação da Constituição brasileira de acordo com a tese do Indigenato (Direito Originário) e que exclua, em definitivo, qualquer possibilidade de acolhida da tese do Fato Indígena (Marco Temporal);

5. Exigir que todo o Poder Judiciário que, no âmbito da igualdade de todos perante a lei, faça valer nosso direito à diferença e, portanto, o nosso direito de acesso à justiça. Garantir uma sociedade justa e democrática significa assegurar o direito à diversidade, também previsto na Constituição. Exigimos o respeito aos tratados internacionais assinados pelo Brasil, que incluem, entre outros, a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), as Convenções da Diversidade Cultural, Biológica e do Clima, a Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas e a Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas;

6. Promover o aumento da representatividade das mulheres indígenas nos espaços políticos, dentro e fora das aldeias, e em todos os ambientes que sejam importantes para a implementação dos nossos direitos. Não basta reconhecer nossas narrativas é preciso reconhecer nossas narradoras. Nossos corpos e nossos espíritos têm que estar presentes nos espaços de decisão;

7. Combater a discriminação dos indígenas nos espaços de decisão, especialmente das mulheres, que são vítimas não apenas do racismo, mas também do machismo;

8. Defender o direito de todos os seres humanos a uma alimentação saudável, sem agrotóxicos, e nutrida pelo espírito da mãe terra;

9. Assegurar o direito a uma educação diferenciada para nossas crianças e jovens, que seja de qualidade e que respeite nossas línguas e valorize nossas tradições. Exigimos a implementação das 25 propostas da segunda Conferência Nacional e dos territórios etnoeducacionais, a recomposição das condições e espaços institucionais, a exemplo da Coordenação Geral de Educação Escolar Indígena na estrutura administrativa do Ministério da Educação para assegurar a nossa incidência na formulação da política de educação escolar indígena e no atendimento das nossas demandas que envolvem, por exemplo, a melhoria da infraestrutura das escolas indígenas, a formação e contratação dos professores indígenas, a elaboração de material didático diferenciado;

10. Garantir uma política pública indigenista que contribua efetivamente para a promoção, o fomento, e a garantia de nossos direitos, que planeje, implemente e monitore de forma participativa, dialogada com nossas organizações, ações que considerem nossas diversidades e as pautas prioritárias do Movimento Indígena;

11. Reafirmar a necessidade de uma legislação específica que combata a violência contra a mulher indígena, culturalmente orientada à realidade dos nossos povos. As políticas públicas precisam ser pautadas nas especificidades, diversidades, e contexto social de cada povo, respeitando nossos conceitos de família, educação, fases da vida, trabalho e pobreza.

12. Dar prosseguimento ao empoderamento das mulheres indígenas por meio da informação, formação e sensibilização dos nossos direitos, garantindo o pleno acesso das mulheres indígenas à educação formal (ensino básico, médio, universitário) de modo a promover e valorizar também os conhecimentos indígenas das mulheres;

13. Fortalecer o movimento indígena, agregando conhecimentos de gênero e geracionais;

14. Combater de forma irredutível e inegociável, posicionamentos racistas e anti-indígenas. Exigimos o fim da violência, da criminalização e discriminação contra os nossos povos e lideranças, praticadas inclusive por agentes públicos, assegurando a punição dos responsáveis, a reparação dos danos causados e comprometimento das instâncias de governo na proteção das nossas vidas.

Por fim, reafirmamos o nosso compromisso de fortalecer as alianças com mulheres de todos os setores da sociedade no Brasil e no mundo, do campo e da cidade, da floresta e das águas, que também são atacadas em seus direitos e formas de existência.

Temos a responsabilidade de plantar, transmitir, transcender, e compartilhar nossos conhecimentos, assim como fizeram nossas ancestrais, e todos os que nos antecederam, contribuindo para que fortaleçamos, juntas e em pé de igualdade com os homens, que por nós foram gerados, nosso poder de luta, de decisão, de representação, e de cuidado para com nossos territórios.

Somos responsáveis pela fecundação e pela manutenção de nosso solo sagrado. Seremos sempre guerreiras em defesa da existência de nossos povos e da Mãe Terra.

Brasília (DF), 14 de agosto de 2019.

(*) Docente do Instituto de Letras e Artes da Universidade Federal de Rio Grande.  Pesquisadora do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas – FURG.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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