Opinião
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6 de agosto de 2019
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16:53

Os riscos da mineração (Relato de uma visita ao Assentamento Apolônio de Carvalho)

Por
Sul 21
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Os riscos da mineração (Relato de uma visita ao Assentamento Apolônio de Carvalho)
Os riscos da mineração (Relato de uma visita ao Assentamento Apolônio de Carvalho)
Representantes das entidades de juízes e juristas doaram cinquenta mudas de árvores frutíferas para assentados. (Foto: Divulgação)

Associação Juízes para a Democracia (AJD), Associação dos Juristas para a Democracia (AJURD)e Instituto de Acesso à Justiça (IAJ) (*)

Realizada pela Associação Juízes para a Democracia (AJD), Associação dos Juristas para a Democracia (AJURD) e pelo Instituto de Acesso à Justiça (IAJ), no dia 26 de julho de 2019, a visita objetivou conhecer as demandas da comunidade “Assentamento Apolônio de Carvalho”, suas apreensões diante da iminente ameaça de perderem a terra para uma mineradora de carvão e as dificuldades que enfrentam em razão da falta de políticas de incentivo à atividade econômica que desenvolvem.

O Assentamento Apolônio de Carvalho está localizado, a cerca de 20 km de Porto Alegre, na área em que a mineradora Copelmi almeja instalar uma mina de carvão. É um assentamento do INCRA com distribuição de lotes por concessão. Há pouco a concessão foi renovada por mais cinco anos. Os assentados cultivam arroz orgânico irrigado com produtividade destacada no país. Também produzem outros alimentos orgânicos. São 74 famílias assentadas, cerca de 230 pessoas em lotes que não chegam a 14 hectares. A área totaliza pouco menos de mil hectares.

Na reunião que ocorreu durante a visita, houve depoimentos de lideranças e outros assentados. Os relatos denunciaram as muitas dificuldades dos assentados para produzir na terra e expuseram a precária política de reforma agraria desenvolvida no país. O abandono dos órgãos governamentais esteve sempre presente nas falas. “O Estado não nos protege e só aparece para nos tirar da terra” atestou um dos agricultores que viveu acampado cinco anos até ser assentado. As dificuldades são de toda a ordem. O INCRA é denunciado pela falta de apoio e promoção de políticas para viabilizar a produção de todos os membros do assentamento, já que o financiamento é precário e beneficia poucos assentados. O IRGA também é alvo das reclamações, diante da assistência insatisfatória.

Em face do granizo, houve uma quebra na safra do ano de 2017 e seguro não atendeu os agricultores sob a alegação de ausência de cobertura para o caso específico. A Cooperativa, diante da quebra da safra e o corte dos subsídios por parte da União, não está prestando assistência técnica e financiando à lavoura. Soma-se a tudo, a suspensão da aquisição, feita pela União, do arroz orgânico produzido, que era destinado à merenda escolar.

O fornecimento de água para a lavoura, também é motivo de apreensão, pois a comunidade é dependente um único fornecedor (“dono do levante d’agua”) que tem gerado muitas dificuldades e insegurança no fornecimento da matéria fundamental ao plantio do arroz. Trazida do Rio Jacuí, percorre quatro quilômetros até o assentamento. É “comprada” de um fornecedor, dono das bombas, e gera impacto importante no custo da produção. A dependência da irrigação associada a exclusividade de um fornecedor é mais um problema que enfrentam, diante do manejo truculento daquele que detém o monopólio da água. Circunstância que contribui, dentre outras, a produzir incerteza na principal atividade agrícola do assentamento. Em relação a irrigação, os assentados reclamam da interrupção de um canal que fornecia água aos locais de cultivo o que gerou a dependência do fornecedor.

Insegurança, aflição e sensação de ausência do Estado estavam presentes em todas as falas, porém o sentido de pertencimento ao território, a responsabilidade social, o compromisso com o país e a consciência ambiental aparecem com muita força no coletivo. A questão da segurança alimentar é central nas falas.

Denunciam que a Copelmi tem feito um trabalho de assédio no assentamento na tentativa de angariar adesões para o projeto de mineração. A empresa adota expedientes que consistem em prometer uma vida mais confortável às famílias para que aceitem sair da área. Com isso investem na divisão interna do assentamento. Os assentados externaram o desconforto com a constante presença de prepostos da mineradora na área. Os movimentos da mineradora também inquietam as famílias porque estimulam a cizânia em um coletivo que depende muito da comunhão de esforços para superar todas as insuficiências, vulnerabilidades e dificuldades decorrentes do abandono governamental. “ Os nossos laços de respeito foram construídos na dificuldade, debaixo da lona preta. Hoje estão sendo rompidos pela mineradora”.

Responsável por atender o assentamento no desenvolvimento da atividade produtiva com assistência técnica, linhas de crédito e implementos, a Cootap por falta de repasse de subsídios do governo federal , sofre com a  descapitalização e não está fornecendo os serviços a que se propõe, essenciais para os altos índices de produtividade do assentamento.

A união, que outrora garantia a compra do arroz orgânico produzido no assentamento, parou de comprar o produto responsável que era destinado à merenda escolar.

Conclusões

Podemos extrair da visita algumas constatações bem claras. Notadamente a tática da mineradora é planejada e articulada com autoridades governamentais e é bem conhecida. Primeiro dificulta e inviabiliza a atividade econômica, para depois induzir a sair da área com promessas vagas para uma comunidade já em situação de singular vulnerabilidade. Utilizam uma estratégia de abalo na autoestima coletiva para reprimir qualquer forma de resistência ou de organização comunitária cooperativa. Depois alardeiam com o auxílio dos meios de comunicação hegemônicos a baixa produtividade do assentamento para justificar a desocupação. O corte do crédito, a suspensão da aquisição da safra, a dependência de um único fornecedor da água – situação que persiste graças a olímpica omissão de autoridades -, a restrição tecnológica e a ausência de estímulos para manter a produção certificadamente orgânica, são políticas altamente danosas para a economia.

O assentamento Apolônio de Carvalho está inserido em um contexto socioeconômico que expõe as contradições do modelo de desenvolvimento baseado na expansão da fronteira mineradora. Somente o assentamento, que ocupa parte da área de mineração, gera mais empregos, considerando a cadeia produtiva que promove, do que os 300 postos iniciais de trabalho prometidos pela mineradora. A geração de receita tributária aprofunda a contradição e descobre o iceberg cuja a ponta flutua nos dejetos de um modelo produtivo não mais aceito nos países desenvolvidos. A mineração não gera receita ao Estado, apenas despesas com o rastro de destruição de vidas e do meio ambiente. Ao contrário da produção agrícola desenvolvida no Apolônio de Carvalho e na região, que é submetida a tributação e não gera custos com reparações mas investimentos com contrapartidas.

A ação de prepostos da mineradora dentro do assentamento do INCRA é altamente questionável, levando em conta que o local se destina a atividades estratégicas para o país. Afinal, a reforma agrária é uma política fundamental para a redução das desigualdades. Os governos têm a demanda constitucional de reduzir as desigualdades e proteger as suas políticas públicas. O INCRA tem responsabilidade pela reforma agrária e, como tal, deve primar pela proteção de seus assentamentos contra as investidas de corporações portadoras de uma história de empreendimentos predatórios do meio ambiente, com a degradação de territórios e promotoras de lesões sociais de toda ordem. Como sintetizou uma assentada “A mineradora Copelmi deve se submeter a Constituição Brasileira, mesmo que os seus donos não residam no Brasil”.

(*) Visita realizada por: Ana Regina Vargas (IAJ), Charles Lopes Kuhn (AJD), João Ricardo dos Santos Costa (AJD), Lúcia Rodrigues de Matos (AJD), Luís Christiano Enger Aires (AJD) e Mário Madureira (AJURD)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21. 


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