Opinião
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13 de agosto de 2019
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14:14

Nota de denúncia e repúdio ao Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (por associações de servidores da área ambiental)

Por
Sul 21
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Nota de denúncia e repúdio ao Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (por associações de servidores da área ambiental)
Nota de denúncia e repúdio ao Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental (por associações de servidores da área ambiental)
Brumadinho mostrou que simplificação irresponsável do licenciamento ambiental custa vidas! (Foto: Maria Júlia Andrade/Brasil de Fato)

Associações de servidores da área ambiental (*)

O licenciamento ambiental não é uma mera burocracia a ser eliminada, como querem convencer os brasileiros e brasileiras. É um instrumento que existe para evitar, reduzir ou compensar os danos e riscos que uma obra ou atividade poluidora poderá causar ao ambiente e à população. Por princípio, deve ser um processo ético, transparente, com participação pública, e fundamentado nos princípios da prevenção e da precaução. É no licenciamento ambiental que o poder público atua para evitar que o hospital da cidade contamine a água que chega na sua torneira; evitar que uma fábrica intoxique a população; ou que se avalia se o desvio de água do rio não vai trazer prejuízo para a pesca ou para o abastecimento de água de uma cidade; ou se a barragem de rejeito de mineração tem risco de rompimento e quais as medidas de segurança que a empresa está adotando. Também é durante o licenciamento ambiental que acontecem as audiências públicas para consultar as comunidades que poderão ser afetadas por algum projeto: na maioria das vezes, esse é o único momento em que as pessoas podem opinar sobre uma obra que vai chegar e mudar toda sua vida. E se esse momento não existir mais?

Em defesa do direito de existir e viver em um ambiente sadio, em defesa da população brasileira e dos nossos recursos ambientais, viemos publicamente alertar para os riscos da Lei Geral do Licenciamento Ambiental.

A versão final do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental, considerada pronta a ir à votação em plenário pelo Relator, o deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), destrói o licenciamento ambiental tal como o conhecemos hoje.

É certo que o licenciamento ambiental é um dos principais instrumentos de proteção ambiental que o Brasil tem hoje no seu arcabouço legal. E também é certo que o instrumento ainda precisa de muitos avanços para cumprir com sua função de forma mais eficiente e democrática. Entretanto, o texto que Kataguiri e Rodrigo Maia (DEM-RJ) pretendem levar ao plenário da Câmara, ao invés de trazer avanços, está recheado de retrocessos e torna o licenciamento ambiental um instrumento incapaz de gerar proteção ambiental.

Se aprovado, o projeto transformará o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), instrumento protegido pela Constituição Federal, em algo raríssimo, que só poderá ser utilizado em situações muito específicas. Mesmo nesses casos, o licenciamento estará reduzido a mera formalidade – pois o projeto restringe severamente a participação da população e de outros órgãos públicos no processo, ignorando os interesses das comunidades indígenas e quilombolas, além de ignorar áreas protegidas como Reservas Extrativistas e Florestas Nacionais e Estaduais.

A partir da leitura míope de que o licenciamento ambiental é o entrave do desenvolvimento, a imensa maioria dos empreendimentos poluidores e degradadores do meio ambiente será autorizada através de procedimentos radicalmente simplificados ou dispensados sumariamente do licenciamento ambiental. Esse cenário terá consequências desastrosas para o país: judicialização generalizada de processos de licenciamento, aumento de conflitos sociais no entorno de empreendimentos, dificuldade de acesso a financiamento de organismos internacionais, aumento no risco de acidentes ambientais graves, aumento da pressão sobre serviços públicos já estrangulados, perda de competividade comercial e muitas outras. A quem interessa a desregulamentação ambiental do desenvolvimento do Brasil?

Especialistas e organizações da área ambiental tentaram, em boa-fé, alertar sobre os riscos do desmonte do licenciamento ambiental durante o exíguo espaço aberto para debate no Grupo de Trabalho montado na Câmara dos Deputados. No entanto, o suposto processo de diálogo revelou-se uma grande farsa, com nenhuma disposição de ouvir quem trabalha diretamente na área ambiental. A versão final do texto foi distribuída pelo relator em 8 de agosto de 2019, apenas dois dias após o encerramento da fase de “consulta pública”. Dado o volume e relevância das contribuições aportadas por diversas organizações da área ambiental na dita “consulta”, seria impossível uma compilação responsável em apenas dois dias.

Ademais, o texto final não contempla nenhuma das contribuições feitas por especialistas da área ambiental e desconsidera todos os consensos estabelecidos nas audiências públicas realizadas, restando evidente que o processo não passou de um teatro voltado a legitimar um texto escrito para destruir o licenciamento ambiental.

Por outro lado, diversas instituições respeitadas já vêm há tempos demonstrando que a pouca eficiência do licenciamento ambiental, que muitas vezes causa desagrado tanto aos setores produtivos e econômicos quanto às populações, não é resultado da falta de uma Lei Geral, mas sim reflexo da desestruturação dos órgãos públicos de meio ambiente, da baixa qualidade dos estudos ambientais produzidos e apresentados pelos empreendedores, entre outros.

Brumadinho não nos deixa mentir: a simplificação irresponsável do licenciamento ambiental custa vidas! Em tempos de desmatamento recorde na Amazônia, de crimes ambientais como Mariana e Brumadinho, de ameaças crescentes aos povos da floresta, de aumento gritante no uso de agrotóxicos, enfraquecer o licenciamento ambiental seria a coroação do grave retrocesso ambiental brasileiro, com consequências desastrosas a curto e longo prazo. Por isso, denunciamos como irresponsável e inaceitável a versão final do Projeto de Lei Geral do Licenciamento Ambiental e repudiamos a farsa que foi montada a título de consulta pública para legitimar um texto que só representa um lado do debate: o lado do atraso e do desmonte.

As organizações abaixo assinadas dizem NÃO à Lei Geral do Licenciamento Ambiental!

SEM LICENÇA PARA DESTRUIR!

Ascema Nacional – Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA

Asibama/DF – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA no Distrito Federal

Asibama/RJ – Associação dos Servidores Federais da Área Ambiental no Estado do Rio de Janeiro

Ascra/BA – Associação Pré-Sindical dos Servidores de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado da Bahia

Asibama/SC – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA no Estado de Santa Catarina

Asibama/MG – Associação dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis em Minas Gerais

Asibama/PA – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA no Estado do Pará

Ascema/SP – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA do Estado de São Paulo

Assiema/ES – Associação dos Servidores do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Espírito Santo

Asibama/ES – Associação dos Servidores Públicos Federais Integrantes da Carreira de Especialistas do Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do MMA e do IBAMA, no Estado do Espírito Santo.

STIPDAENIT – Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos de Niterói

Asibama/AL – Associação dos Servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis no Estado de Alagoas

AEMA/PE – Associação dos Especialistas em Meio Ambiente de Pernambuco

Asibama/RS – Associação dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do Plano Especial de Cargos do Ibama – PECMA no Rio Grande do Sul.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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