Opinião
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14 de agosto de 2019
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19:44

A sedução narrativa do carvão (por Marcelo Sgarbossa)

Por
Sul 21
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A sedução narrativa do carvão (por Marcelo Sgarbossa)
A sedução narrativa do carvão (por Marcelo Sgarbossa)
(Foto: Maia Rubim/Sul21)

Marcelo Sgarbossa (*)

A cantilena do desenvolvimento pela mineração inebria o senso comum com palavras como geração de emprego e desenvolvimento. As pessoas atingidas ressaltam o outro lado, como o deslocamento forçado, desterritorialização, contaminação e intoxicação, realidades pouco consideradas no inebriante discurso dos empreendimentos mineradores.

O sedutor glossário corporativo impregna posicionamentos em tempos de desemprego e desesperança, ornado por soluções mágicas. O discurso que atrai e estimula a instalação de empreendimentos que, com o passar do tempo, mostram os reais impactos.

A mineração contamina água, solo e ar, elementos básicos que o ser humano se nutre. A vida é desprezada no léxico dos negócios e ‘oportunidades’, no ilusório conto de fadas da carreira brilhante para trabalhadores e empreendimentos que ‘salvam’ economicamente a região.

As palavras estão em disputa. Nos casos da Samarco e da Vale, por exemplo, ao invés de nominar como crime, insistem em chamar de “acidente” a previsível tragédia. As manobras empresariais e institucionais se sucedem, assim como os efeitos cotidianos sobre as comunidades, sendo que o prejuízo no corpo e na alma das pessoas envolvidas e atingidas não terá reparo jamais.

O Rio Grande do Sul é a nova fronteira da mineração, na mira da exploração de grandes grupos nacionais e estrangeiros. Há 166 projetos na fila para liberação, sendo que quatro estão em andamento. Lavras do Sul (rocha fosfáltica), São José do Norte (titânio), Caçapava do Sul (cobre, zinco e titânio) e na Região Metropolitana de Porto Alegre (carvão). Um deles atinge diretamente a população da Capital por estar localizado a16 quilômetros do centro.

Debates se sucedem com o risco da implantação da Mina Guaíba. A cada análise e estudo, novas informações num Estado em que até há pouco não tratava o tema que se avizinha e deve permanecer. Há 22 mil áreas potenciais para mineração no Rio Grande do Sul catalogados no Ministério de Minas e Energia.

Universidades, legislativos e organizações sociais se movem nas discussões. A sociedade apela por mais diálogo, informações e audiências. Na Câmara de Vereadores, a empresa e a Fepam sequer compareceram para debater o tema com a população.

No debate promovido pelo jornal Sul21 e Instituto Goethe, outras nuances se evidenciaram, mostrando que o impacto socioambiental desses primeiros quatro projetos é enorme. A maior parte está na área de preservação do Bioma Pampa, e junto a nascentes de rios em áreas prioritárias de conservação da biodiversidade. Três dos projetos impactam diretamente a Lagoa dos Patos. Áreas de reserva de Mata Atlântica também serão afetadas.

Serão impactados profundamente povos e comunidades tradicionais, que costumam contribuir para a preservação ambiental, conservação da água, manejo sustentável dos ecossistemas. Só em torno da Mina Guaíba são 40 comunidades indígenas, num raio de 100 quilômetros, além de 40 colônias de pescadores artesanais, potencialmente atingíveis pela mineração. A Mina Guaíba também deve atingir um assentamento da reforma agrária, responsável por parte da produção de arroz orgânico e outros produtos vendidos nas feiras de hortifrutigranjeiros da Capital.

Sobre os benefícios econômicos, os indicativos mostram que o lucro fica com a empresa, e o prejuízo com a sociedade. A mineração empobrece o Brasil por renúncias fiscais de várias ordens, como Lei Kandir, créditos de ICMS para exportações, isenções de impostos sobre rendas advindas de lucros e dividendos, entre outros pontos. Palestra de especialista em tributos, promovida pela Agapan, resume essa verdade: o setor recebe imunidade tributária em relação ao PIS/PASEP e Cofins para os casos de exportações do minério brasileiro, assim como a não incidência de ICMS que geraria receita para o Estado e os municípios.

Na saúde, os impactos do carvão são mais conhecidos até pelo que o Rio Grande do Sul já viveu na região carbonífera. São incontroláveis malefícios, como intoxicação no sangue por metais pesados, sintomas físicos e efeitos psicológicos numa cadeia sem fim de mal estar disfarçado na contabilidade do que não é sustentável, mesmo que a tecnologia seja colocada como a panaceia para reduzir danos.

O carvão promove alterações climáticas, danos materiais e à propriedade, degradação da qualidade do ar e efeitos sobre a saúde humana. Durante a extração do carvão, são liberados material particulado (PM10 e PM2.5), contendo cristais de sílica, Dióxido de Carbono (CO2) – blackdamp, Metano (CH4) – firedamp, e Dissulfeto de hidrogênio (H2S). São causadores de doenças crônicas, como bronquite e enfisema, doenças cardiovasculares isquêmicas, e neoplasias, como o câncer de pulmão, e as pneumoconioses (silicose).

As palavras encantadas que sempre embalam a instalação de empreendimentos com alto potencial de contaminação, esmaecem com o surgimento dos seus impactos. São narrativas que tentam semear esperança em tempo de desastres políticos, altíssimas taxas de desemprego e cenário nebuloso. É de humanidade que precisamos. É a vida que devemos cuidar. Essa não há minério que pague. Após a instalação, será tarde demais para gritar e protestar. O recado a quem defende a mineração é antigo: serram os galhos em que estão sentados. Porém, o desastre será de todos.

(*) Vereador e líder da Bancada do PT Porto Alegre.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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