Opinião
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18 de julho de 2019
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14:18

Os cínicos de Curitiba (por Valton de Miranda Leitão)

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Os cínicos de Curitiba (por Valton de Miranda Leitão)
Os cínicos de Curitiba (por Valton de Miranda Leitão)
Jair Bolsonaro e Sérgio Moro. (Foto: José Cruz/Abr)

Valton de Miranda Leitão (*)

O cinismo nasceu na Grécia, no século V a.C. como respeitável pensamento filosófico teorizado por Antístenes e que desprezava as convenções, a nobreza e a riqueza, chegando a se aproximar do cristianismo em Roma. A sua degradação aproximou-o gradativamente da hipocrisia utilizando, muitas vezes, a mentira como instrumento útil para a ascensão social. Atualmente, o kynikos grego foi transmudado em fingimento e desfaçatez usados para alcançar poder, fama e dinheiro.

O grupo curitibano de juízes e procuradores que provocaram uma verdadeira avalanche na vida econômica, social e politica brasileira, agora está desmoralizado, pois a profusão dos conteúdos mostrados não podem ser anulados pelo ridículo álibi do hacker intrometido. Freud disse textualmente: “A primeira exigência da civilização, portanto, é a de justiça, ou seja, a garantia de que uma lei, uma vez criada, não será violada em favor de um indivíduo”. Os cínicos podem se apresentar como paladinos da lei e da moral, cobrem-se com a toga da justiça, pronunciam convictos a ética luterana para burlar a lei e praticar injustiças, bajular o mercado e tornarem-se milionários.

No artigo A Decadência do Amor, escrevi: “A perplexidade, o medo e a insegurança que percorrem através das infovias robóticas as sociedades do planeta em diferentes níveis de desenvolvimento são evidenciados, tanto pelo desnorteamento político quanto pelo afrouxamento dos laços afetivos que se traduzem objetivamente pela ambivalência em relação à Lei. A evidente descaracterização das democracias ocidentais tem sua contrapartida no uso político que os estados nacionais vêm fazendo do Direito. O modus operandi é a confluência do Estado de Exceção com um sistema jurídico que atua mais pela decisão do juiz do que pela positividade da Lei. É disso que fala Freud em o Futuro de uma Ilusão quando alude à parcialidade na aplicação da justiça. Quando Antígona enfrenta a Lei da Cidade representada por Creonte para dar ao irmão morto Polinice o direito sagrado ao enterro justo, faz justiça e aponta o caminho da ética. O desejo, que se manifesta pelo afeto amoroso, impede que a violência da coerção estatal baseada no Direito, cometa injustiça em nome da Lei. Diante de tantas contundentes revelações o psicanalista, enquanto cidadão, não pode calar ou ficar utilizando escapismos como aponta Volkan: “Assim, eles podem, de modo inconsciente, preferir explicar situações complicadas por meio de intelectualização, racionalização, deslocamento, projeção e outros mecanismos mentais”.

Tal dispositivo para amenizar a indecência que outrora os “ídolos” da régua procustiana pretendiam utilizar para medir honestidade, agora é preciso apontar política e psicanaliticamente. Não creio que exista o Ser psicanalítico sem a ética que o constitua. Essa constituição está estreitamente associada à incessante busca da verdade como Bion ensina.

(*) Médico, psicanalista do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Fortaleza, filiado à Associação Internacional de Psicanálise (Londres) e Coordenador da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza. 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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