Opinião
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18 de julho de 2019
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17:46

IFRS – Campus Alvorada, 3 anos enraizados entre os setores populares. Para onde vamos? (Por Fábio Azambuja Marçal e Guilherme Brandt de Oliveira)

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Sul 21
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IFRS – Campus Alvorada, 3 anos enraizados entre os setores populares. Para onde vamos? (Por Fábio Azambuja Marçal e Guilherme Brandt de Oliveira)
IFRS – Campus Alvorada, 3 anos enraizados entre os setores populares. Para onde vamos? (Por Fábio Azambuja Marçal e Guilherme Brandt de Oliveira)
No dia 18 de julho de 2016, Campus Alvorada se transferiu para a nossa sede definitiva. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Fábio Azambuja Marçal e Guilherme Brandt de Oliveira (*)

O mês de julho é fértil para refletirmos sobre a história do IFRS – Campus Alvorada. Atuamos desde 2013 na cidade, realizamos ações administrativas e iniciamos cursos em sede provisória – Centro Florestan Fernandes – algo que muito nos orgulha. Em janeiro de 2015 foi publicada a nossa portaria de funcionamento. Comemoramos, pois a nossa certidão de nascimento estava, finalmente, registrada. No entanto, foi no dia 18 de julho de 2016 que nos transferimos para a nossa sede definitiva. Momento marcante, pois passamos a atuar na nossa casa, localizada em um território de evidente exclusão social e de histórico de negação de direitos.

Desde lá, crescemos em número de servidores e de estudantes. Passamos a elaborar estratégias para consolidar relações com o entorno e com a cidade. Mergulhar em territórios está na gênese dos Institutos Federais, e o Campus Alvorada se propõe a isso, ainda com mais vigor, quando fincou raiz na sua localidade. Vamos comemorar os 3 anos da casa definitiva, porém, para seguir a caminhada, alguns questionamentos precisam ser feitos. Entre esses, consideramos central: para onde vamos?

Para uma reflexão consistente acerca dos nossos passos futuros, sugerimos um pequeno destaque sobre o que fizemos até aqui. Somos uma instituição que tem a formação humana integral como elemento estruturante do fazer pedagógico. Com todas as limitações impostas pela conjuntura, não abrimos mão de pensar em uma formação que foque na diversidade, que proporcione crítica sobre a realidade, que institucionalize ações do campo artístico e cultural e mantemos os olhos atentos para a complexidade do trabalho.

Um espaço educacional emancipatório, no conceito freiriano, que proporcione ferramentas que possibilitam aos sujeitos a leitura do mundo é o que pretendemos (FREIRE, 1987). Além disso, atuamos para a construção de uma instituição de ensino que garanta a educação como um direito, por isso consideramos os preceitos constitucionais que falam em cidadania e qualificação profissional, e tratamos esses como indissociáveis. (CARA, 2019) Assim caminhamos até aqui, repletos de contradições e com muita responsabilidade social.

Oferecemos dois cursos de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional – Meio Ambiente e Produção de Áudio e Vídeo; resistimos e insistimos com um curso de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional na modalidade Educação de Jovens e Adultos – Cuidado de Idosos; ofertamos dois cursos técnicos subsequentes ao ensino médio – Processos Fotográficos e Tradução e Interpretação de Libras; desde o primeiro semestre de 2019 realizamos a primeira oferta pública de curso superior na cidade de Alvorada – Tecnólogo em Produção Multimídia; iniciaremos, a partir de agosto de 2019, a licenciatura em Pedagogia e fechamos a primeira turma de especialização lato sensu em Saúde Coletiva. Somando-se aos cursos “regulares”, realizamos atividades de pesquisa e extensão que dão potência e abrem outras possibilidades para a nossa instituição.

Além de observar o caminho trilhado até aqui, para sustentar a análise de para onde vamos , é preciso dar luz às questões latentes no cenário atual da educação pública brasileira. Assim, percebemos que o debate público sobre a educação é algo vivo. Manifestam-se sobre o tema, com relativa constância, intelectuais, lideranças políticas e cidadãos conhecidos ou não do grande público. Estes, invariavelmente, utilizam-se das redes sociais que são hoje arena concreta de disputas políticas. Em tais redes, proliferam-se análises precipitadas, impulsivas e, em muitos casos, superficiais sobre os mais diversos temas, incluindo a educação pública.

Embora o debate educacional tenha vida, as questões sobre a educação pública, excetuando os espaços acadêmicos, são apresentadas de forma pouco densa, padronizando-se contextos e realidades. Apresentam-se soluções fáceis para problemas complexos – sugerir militares da reserva para atuarem como monitores nos corredores das escolas públicas, como forma de combate à violência e à indisciplina, é um claro exemplo de tal simplificação.

Com ares de modernidade, as análises simplistas sinalizando que as soluções para as dificuldades da escola pública não estão relacionadas com a ampliação do financiamento público. O caminho seria a efetivação de modelos gerenciais que, inspirados no universo empresarial, trariam outra lógica para a gestão dos espaços escolares e captariam recursos junto ao capital privado.

Somando-se a este discurso gerencialista, vemos o apontar do dedo acusador e moralista, de pretensos defensores dos bons costumes, como elemento a ser considerado. Neste cenário, torna-se frágil a liberdade e a laicidade do que se ensina e o que se aprende nos espaços escolares. Escorados nos projetos Escola Sem Partido, que se multiplicam pelos legislativos Brasil afora, criminaliza-se a docência e questiona-se os saberes, os métodos e a bagagem profissional dos educadores. Neste sentido, vimos frases nas redes sociais “olha onde está indo o seu imposto” quando, corajosamente, educadores organizaram a Primeira Parada LGBT + do Campus Alvorada; ou quando fomos surpreendidos por um vídeo sensacionalista rodando pela internet, que, buscando fidelizar o seu público conservador, apresentava-se escandalizado porque no IFRS – Campus Alvorada os estudantes do Curso Superior de Tecnologia em Produção Multimídia assistiram palestra sobre a pornografia no cinema, atividade na qual o
rigor acadêmico e a densidade científica não foram deixados de lado.

Quando nos propomos à análise do cenário temos, também, que sublinhar a realidade socioeconômica, nada amigável com os mais pobres, que vivenciamos. Desemprego, subemprego e precarização das relações e formas de trabalho são elementos que tendem a colocar a escola em segundo plano no projeto dos que sentem na pele as agruras da conjuntura. Neste sentido, ganham força as concepções hegemônicas que olham de forma pragmática para a formação escolar. Logo, a educação profissional seria unicamente para os mais pobres garantirem emprego e, por outro lado, o acesso à universidade seria destinado aos setores sociais abastados. Assim, a dualidade está reafirmada. Toda essa problemática pulsante deve ser considerada para as nossas práticas pedagógicas futuras.

Percebemos que o Campus Alvorada deve reconhecer e colocar como contraponto ao cenário descrito. Para tanto, precisamos reafirmar alguns dos princípios que nos nortearam até aqui e que são bases para as políticas dos IFs. A formação humana integral é um desses. Precisamos nos apropriar desse conceito e criar estratégias para materializá-lo. Neste sentido, devemos, em todas as nossas práticas, verificar e perceber os seres humanos na sua integralidade.

Não podemos abrir mão da democracia. Em que pese todas as dificuldades que encontramos na sua prática, este é o melhor caminho. As práticas democráticas é que sustentarão as nossas ações afirmativas de caráter étnico-raciais, bem como a diversidade e a inclusão dos que historicamente foram excluídos. Ampliar a participação coletiva e diversificar as formas de diálogos, sejam estes internos ou com a comunidade externa, é central para enfrentar os
vendavais que se anunciam.

Faz-se necessário ouvir e, minimamente, entender o nosso território. É preciso observar com rigor as características do nosso entorno. Estamos localizados em um território que tem a busca pela dignidade, através da luta por moradia, como sua marca histórica. Existem duas ocupações populares exitosas e referenciais – o 11 de abril e o Parque Residencial Umbu – e outras duas ainda não regularizadas dando cores vivas ao nosso território. Nossas ações de ensino, pesquisa e extensão devem considerar essas pessoas. (ver: BERTOLDI, 2019)

Outro elemento importante: precisamos dar visibilidade ao que fazemos. No Campus Alvorada existem qualificados trabalhos, nas mais diversas áreas, que precisamos mostrar. Todos precisam saber disso. Ainda somos desconhecidos por parte da nossa cidade. Algumas pessoas não sabem que toda a nossa oferta é gratuita. Ainda mais cruel, as pessoas não têm a percepção desse espaço como seu de direito. A ideia criada por alguns, quando o nosso prédio estava em construção, de que naquela edificação funcionaria um presídio, infelizmente, ainda
não desapareceu por completo.

Finalmente, iremos fortalecer o Campus Alvorada, não abrindo mão dos nossos princípios – formação humana integral, democracia, diversidade e direito a educação – e estimulando a participação dos estudantes. Eles têm demonstrado uma relação bonita de pertencimento com a instituição. Evidentemente, anseiam por mais participação. Trazem ideias questionadoras e propositivas sobre o nosso fazer pedagógico. Não vamos colocar tudo nas costas deles, mas devemos abrir caminhos para o seu protagonismo na caminhada que construiremos.

Viva o IFRS! Viva o Campus Alvorada!

Referências:

– BERTOLDI, Gabrielli da Silva Pio. Compartilhar Saberes e Construir Fazeres: a educação popular em um contexto socioambiental no Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Campus Alvorada. Dissertação de mestrado. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2019.

– CARA, Daniel. “ Contra a barbárie, o direito à educação”. In FERNANDO, Cássio (org.). Educação Contra a Barbárie : por escolas democráticas e pelo direito de ensinar. São Paulo, Boitempo, 2019. p.25 -31.

– FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido . Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987.

(*) Fábio Azambuja Marçal é  Diretor Geral Pró-Tempore do Campus Alvorada. Guilherme Brandt de Oliveira é Pedagogo, Mestre em Educação e ex-Diretor de Ensino do Campus Alvorada (2014 – 2019).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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