Opinião
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25 de julho de 2019
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13:10

Dia Internacional da Mulher Negra e Rainha Tereza de Benguela (por Michele Corrêa)

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Sul 21
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Dia Internacional da Mulher Negra e Rainha Tereza de Benguela (por Michele Corrêa)
Dia Internacional da Mulher Negra e Rainha Tereza de Benguela (por Michele Corrêa)
Tereza de Benguela foi uma liderança quilombola que viveu no século XVIII.

Michele Corrêa (*)

Nos meus acordes vou contar
A saga de Tereza de Benguela
Uma rainha africana
Escravizada em Vila Bela
O ciclo do ouro iniciava
No cativeiro, sofrimento e agonia
A rebeldia, acendeu a chama da liberdade
No Quilombo, o sonho de felicidade
Ilê Ayê, Ara Ayê Ilu Ayê
Um grito forte ecoou (bis)
A esperança, no quariterê

(A história da “Rainha” foi relembrada em 1994 pela escola de samba Unidos da Viradouro no samba-enredo “Tereza de Benguela, uma rainha negra no Pantanal”).

Dia 25 de julho é data para celebrar o Dia Internacional da Mulher Negra e o Dia Nacional de Tereza de Benguela. Você sabe quem foi Tereza de Benguela? Segundo a ex-senadora e autora do texto Serys Slhessarenko, a instituição da data é uma forma de criar um ícone para as mulheres negras do país: “É preciso criar um símbolo para a mulher negra, tal como existe o mito Zumbi dos Palmares. As mulheres carecem de heroínas negras que reforcem o orgulho de sua raça e de sua história”, afirmou Serys ao site da Câmara dos Deputados. Assim, a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou, em caráter conclusivo, proposta do Senado (PL 5746/09) que institui a data de 25 de julho como Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, tendo a proposta sanção presidencial, em 2 de junho de 2014, por meio da Lei nº 12.987.

Tereza de Benguela foi uma liderança quilombola que viveu no século XVIII. Valente e guerreira, Benguela, não se sabe se africana ou brasileira, comandou o Quilombo do Quariterê, no Mato Grosso. Dizem que liderou um levante de negros e índios, instalando-se próximo a Cuiabá, não muito longe da fronteira com a atual Bolívia. Durante décadas. Tereza, o qual sobreviveu até 1770, século XVIII.

Mulher de José Piolho, esteve à frente do Quilombo, assumindo o comando daquela comunidade quilombola após a morte seu marido, liderando-o entre 1750 e 1770. O Quilombo do Piolho ou Quariterê abrigava aproximadamente 100 pessoas, nos arredores de Vila Bela da Santíssima Trindade, Mato Grosso. Durante seu reinado, a Rainha Tereza criou uma espécie de parlamento, comandou a estrutura política, econômica e administrativa do Quilombo e reforçou sua defesa com armas adquiridas a partir de trocas com os brancos ou resgatadas das vilas próximas ou levadas como espólio após conflitos. Nas suas terras eram cultivados milho, feijão, mandioca, banana e algodão, utilizado na fabricação de tecidos.

O Quilombo do Quariterê, além do parlamento e de um conselheiro para a rainha, desenvolvia agricultura de algodão e possuía teares onde se fabricavam tecidos que eram comercializados fora dos quilombos, como também os alimentos excedentes. No período colonial e pós-colonial no Brasil, os quilombos, espaços de resistência de homens e mulheres negros, reuniam milhares de habitantes, entre eles negros, indígenas e brancos pobres. Esses habitantes eram denominados de quilombolas ou mocambeiros. Esses termos aparecem na documentação desde o século XVI.

O Quilombo mais conhecido entre nós é o de Palmares, localizado na Serra da Barriga, em Alagoas. Este Quilombo é considerado por muitos especialistas um “estado africano no Brasil”; por outros, é considerado a “República de Palmares” devido sua extensão territorial. Seu líder Zumbi dos Palmares foi decapitado, no dia 20 de novembro de 1695. Por isso, o Dia da Consciência Negra é comemorado nessa data, com a finalidade de homenagear toda a população negra que lutou bravamente pela libertação do açoite, que liderou levantes em busca da liberdade e que construiu o patrimônio social e cultural brasileiro.

As atividades dos quilombolas se resumiam em caçar, pescar, derrubar mato, fazer roça, plantar e colher, criar aves, produzir mel e guerrear com os índios cabixis, que lhes roubavam as mulheres. A Coroa Portuguesa, junto à elite local, agiu rápido e enviou uma bandeira de alto poder de fogo para eliminar os quilombolas. Tereza de Benguela foi presa. Não se submetendo à situação de escravizada, suicidou-se.

Tereza de Benguela é, assim como outras heroínas negras, um dos nomes esquecidos pela historiografia nacional, que, nos últimos anos, devido ao engajamento do movimento de mulheres negras e à pesquisa ou ao resgate de documentos até então não devidamente estudados, na busca de recontar a história nacional e multiplicar as narrativas que revelam a formação sociopolítica brasileira.

“Governava esse quilombo a modo de parlamento, tendo para o conselho uma casa destinada, para a qual, em dias assinalados de todas as semanas, entrava os deputados, sendo o de maior autoridade, tipo por conselheiro, José Piolho, escravo da herança do defunto Antônio Pacheco de Morais, isso faziam, tanto que eram chamados pela rainha, que era a que presidia e que naquele negral Senado se assentava, e se executava à risca, sem apelação nem agravo. ” (Anal de Vila Bela do ano de 1770)

O dia Internacional da Mulher Negra e a Memória de Tereza de Benguela ganham especial força quando, no Brasil ainda ocorrem fatos absurdos como a denúncia feita à Justiça, na sexta-feira, dia 11 de julho, pelo promotor de justiça criminal Cassio Roberto Conserino, do Ministério Público do Estado de São Paulo na qual são acusadas 19 diferentes lideranças ou membros de movimentos de luta por moradia, entre os quais Carmen Silva Ferreira e Janice Ferreira da Silva, a Preta Ferreira, do Movimento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), por fazerem parte de uma suposta “organização criminosa”, inclusive com ligações com a facção PCCN. Por tal acusação Preta Ferreira, está presa há 30 dias mesmo sem ter cometido crime nenhum. Sendo detida junto de seu irmão, Sidney Ferreira e sua mãe, líder do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) e da Frente de Luta por Moradia (FLM), Carmen Silva. A acusação é de extorsão, por cobrança de uma taxa de moradores em condomínios ocupados do centro de São Paulo – num processo que desconsidera que essas contribuições são decididas em assembleias de moradores, registradas em cartório e comprovadas por recibos.

Para Preta, a verdade é outra. “Não sou bandida, sempre trabalhei. Estou presa porque nasci mulher, preta e pobre em um país aonde quem manda são homens machistas e racistas. ”, afirmação feita em entrevista concedida no 23 de julho à repórter Nahama Nunes, da Rádio Brasil Atual. Ela está na Penitenciária Feminina de Santana, na zona norte da capital paulista. A ativista da luta por moradia critica a decisão, justifica a cobrança da tal taxa e, emocionada, classifica sua prisão como política. “Estou presa porque briguei por direitos constitucionais. Quem deveria estar preso é quem não cumpriu com seus deveres constitucionais. Moradia é um direito constitucional”, disse.

A Preta está em cela especial, já que tem formação superior em Publicidade. Ela argumenta que o movimento social passa por um processo de criminalização no país e que, idealmente, sequer gostaria de travar sua luta cotidiana.

“Ninguém ocupa porque quer. Ocupamos por necessidade, para não morrer de frio. Não somos vândalos. Ocupamos porque precisamos. Acha que eu não queria ter minha casa? Queria, mas como vou comprar? Trabalho para comer ou para pagar moradia. Aonde em São Paulo alguém vive com um salário mínimo? ”, questionou.

A situação vivida por Preta e sua família não é uma singularidade na sociedade brasileira, muito ao contrário, é quase uma normalidade, uma constante. O Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) lançou no mês de Junho de 2019 o relatório ‘Mulheres em Prisão: enfrentando a (in)visibilidade das mulheres submetidas à justiça criminal’, com o objetivo de apontar como a justiça criminal brasileira prende e é seletiva em relação à liberdade de determinadas mulheres. O estudo acompanhou cerca de 200 mulheres em audiências de custódia, no período de dezembro de 2017 a abril de 2018. De acordo com a pesquisa, o Poder Judiciário brasileiro prende, julga e condena as mulheres sem nem ao menos levar em consideração possíveis medidas alternativas. Além disso, o sistema de encarceramento é seletivo. De acordo com os dados, 68% das mulheres encarceradas são negras, 57% são solteiras, 50% têm apenas o ensino fundamental e 50% têm entre 18 e 29 anos.

De acordo com outro estudo, o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias/ Infopen Mulheres, entre 2000 e 2014, a população carcerária feminina cresceu 567,4%, no Brasil. O ITTC afirma que estas mulheres, que estão à espera de julgamento ou estão condenadas, têm seus direitos violados diariamente e vivem uma vida dolorosa, pois, além de estarem excluídas da sociedade, sofrem por estarem longe dos filhos e familiares. Sendo o sistema prisional brasileiro um dos que mais prende mulheres no mundo. Somos a quarta maior população carcerária feminina do planeta. Mantemos privadas de liberdade aproximadamente 45 000 mulheres, estamos atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia, o que me faz deixar um questionamento:

A escravidão de fato foi abolida no Brasil?

Referências:
http://www.palmares.gov.br/?p=46450
https://www.letras.mus.br/unidos-do-viradouro-rj/474145/
https://carceraria.org.br/mulher-encarcerada/brasil-e-o-4o-pais-que-mais-prende-mulheres-62-delas-sao-negras
http://ittc.org.br/wp-content/uploads/2019/05/mulheresemprisao-enfrentando-invisibilidade-mulheres-submetidas-a-justica-criminal.pdf

(*) Graduanda em Filosofia na UFPel, feminista negra, assessora da Pastoral da Juventude (PJ) e
militante do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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