Opinião
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26 de julho de 2019
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16:10

Boris e Bozo (por Luiz Augusto E. Faria e Miguel Rossetto)

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Boris e Bozo (por Luiz Augusto E. Faria e Miguel Rossetto)
Boris e Bozo (por Luiz Augusto E. Faria e Miguel Rossetto)
Foto: Divulgação

Luiz Augusto E. Faria e Miguel Rossetto (*)

William S. Lind, junto com outros militares norte-americanos, propôs o conceito de guerra de 4ª geração num famoso artigo na Marine Corps Gazette em 1989. Era uma atualização da ideia de guerra total surgida durante a II Guerra Mundial em que os meios não diretamente militares (espionagem, propaganda, interferência política, ações econômicas, etc.) seriam os decisivos em superar a capacidade de luta do inimigo. Muitos autores hoje fazem referência a esse conceito sob o nome de guerra híbrida. É a forma predominante de conflito nos dias atuais e remonta à Guerra Fria, quando o enfrentamento militar era impossível pela paridade de armas entre EUA e URSS. Está presente na Venezuela, Irã, Turquia, Ucrânia e muito outros lugares. Mesmo entre nós, aqui no pacífico Brasil.

Uma série de acontecimentos que se desenvolve desde o primeiro mandato de Dilma Rousseff apontam para a presença de movimentos desse tipo de guerra contra nosso país. Vivemos um momento particular na ordem internacional em que o fim da Guerra Fria, em vez de ter dado lugar à estabilidade prometida pela globalização, iniciou um período de nova e acirrada disputa dos EUA para preservar sua posição de poder mundial. O enfrentamento é contra China e Rússia e se trava, assim, como no período anterior, principalmente de forma indireta, pela busca de controlar os demais atores na cena internacional. Foi nesse jogo que os norte-americanos traçaram o objetivo de submeter política e economicamente o Brasil.

Se fizermos um paralelo com os acontecimentos da década de 1990 na Rússia sob o governo de Boris Yeltsin, podemos ampliar a clareza do argumento. Com o fim da URSS em 1991, emerge um governo neoliberal na Rússia com a eleição de Yeltsin e cujo objetivo era uma transição acelerada ao capitalismo e uma mudança radical na estrutura do Estado e da economia daquele país. Combinando com essa orientação, um giro de 180 graus na política externa realizou uma aliança subalterna aos EUA inimaginável antes. Desregulação, privatização e extinção do planejamento produziram uma transformação profunda da sociedade e da economia russa. Ao mesmo tempo, o histórico centralismo autoritário permanece, mesmo sob a aparência democrática de eleições livres e multipartidarismo. Para tal empreitada, o governo russo contou com a assessoria de alguns nomes conhecidos no mundo acadêmico estadunidense, como Larry Summers e Jeffrey Sachs, que traziam no currículo a experiência do fascismo de mercado do Chile de Pinochet.

Como resultado, inaugurou-se uma espécie de capitalismo selvagem dirigido por um grupo de oligarcas – novos capitalistas criados pelo transformismo de uma parcela da antiga nomenclatura comunista em pseudoempresários – que se apossou dos ativos estatais. A desorganização social foi assombrosa. Entre 1990 e 2000 produziu-se uma queda do PIB de 50,3%, houve o retorno da fome e da miséria e uma redução da expectativa de vida de 68,9 para 65,5 anos. No mesmo período, as forças de defesa e a pesquisa científica e tecnológica foram sucateadas, jogando a Rússia para uma condição de periferia irrelevante no sistema internacional. Na virada do século o triunfo americano parecida completo. Um processo de reação a essa tragédia nasceu do movimento político liderado por Putin, Medvedev e Lavrov, artífice de um renascimento russo que parecia impossível. Hoje a Rússia voltou a ser uma peça decisiva no xadrez internacional, mais que um bispo, quase uma segunda dama branca ao lado da China, e cercando o rei preto americano.

A iniciativa é sempre das pedras brancas, por isso a estratégia de segurança dos EUA é hoje de prevenir a ascensão combinada da China e da Rússia. E para tanto, enfraquecer ou destruir possíveis aliados dos dois (Venezuela, Irã, Síria, …). É aqui que entram o Brasil e seus vizinhos. A partir da derrota da agenda ALCA em 2005, e juntamente com governos progressistas da região, a diplomacia brasileira vinha construindo uma posição de liderança no continente latino-americano através do aprofundamento do processo de integração (Mercosul, UNASUL, CELAC). Mais recentemente, dobrou a aposta nessa independência política participando da fundação do IBAS e dos BRICS e afirmando posições de um interesse nacional altivo nas instâncias multilaterais como OMC, FMI, e demais instituições da ONU.

A iniciativa Um Cinturão Uma Rota, reunindo a Eurásia e aproximando África e América Latina, acendeu o sinal vermelho para os EUA. Era preciso neutralizar o Brasil, afastá-lo da China, da Rússia e de outros aliados (Irã, Venezuela, …) e enfraquecer a autonomia e a integração latino-americana a qualquer custo. O princípio imperial da Doutrina Monroe segue atual. O instrumento escolhido foi a guerra híbrida. Seu primeiro movimento foi o processo do golpe que culminou com o afastamento da presidenta Dilma e, o segundo, a lawfare, não por acaso conduzido por Sergio Moro e seus procuradores, estreitamente vinculados aos EUA e patrocinadores da destruição da Petrobras e da engenharia nacional, concorrentes diretas dos interesses do “irmão do norte”. Depois, o impeachment e a mudança de regime até seu coroamento com Bolsonaro e quadrilha. O Brasil foi completamente anulado e domesticado para apoiar o projeto americano de manter todas as américas como seu pátio traseiro, participando, inclusive, da campanha sórdida contra a Venezuela.

Como expressão mais do que simbólica desta ocupação, a Exxon americana entra no Pré-sal, a Boeing passa a ser a dona da Embraer e Alcântara no Maranhão vira território americano. A economia do país está em frangalhos, com o PIB per capita tendo decrescido -8,05% entre 2014 e 2018 e seu papel tanto no plano regional como no global é desagregador e negativo. O Bozo veio para cumprir a mesma missão do Boris, destruir os recursos estatais e econômicos que possam sustentar um projeto nacional embasado na soberania popular: Petrobras, Banco do Brasil, BNDES, as Universidades, as instituições de pesquisa, as fabricas de medicamentos nacionais e outras empresas estratégicas. Não subestimemos a ambição de destruição desta turma, a exemplo do Boris. Hoje somos um lacaio do Tio Sam. E nossa esperança democrática está presa em Curitiba.

(*) Luis Augusto E. Faria é professor da UFRGS; Miguel Rossetto é ex-Ministro do Trabalho e Previdência.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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