Opinião
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6 de julho de 2019
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15:42

A deusa desvendada (por Valton de Miranda Leitão)

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A deusa desvendada (por Valton de Miranda Leitão)
A deusa desvendada (por Valton de Miranda Leitão)
O então juiz federal Sergio Moro, símbolo da operação da PF (Reprodução/Facebook/Conversa Afiada)

Valton de Miranda Leitão (*) 

A minha psicanálise é universal e particular, inglesa, francesa, brasileira. Também é individual e social, pois não creio que as formações socioculturais não estejam implicadas igualmente no funcionamento inconsciente. Compreendi que os linguistas trabalham num pantanal, no qual nenhuma língua comunica efetivamente o que sentimos. Também aprendi que um afeto esconde outro mais profundo. Assim, alguém que odeia pode estar escondendo um amor inconfessável.

Elisabeth de R. tem paralisias e sensibilidades nas pernas e coxas para esconder detrás da conversão o amor que sente pelo marido da irmã. O perverso não age suas libertinagens por opção pessoal, mas sim porque é obrigado a fazê-lo em virtude dos processos compulsivos que atuam no inconsciente. Quando Franz Kafka no livro O Processo mostrou as entranhas do inconsciente grupal do judiciário, apontou seu potencial tanto para a teatralização histérica quanto para a compulsão perversa. A leitura do texto mostra que K (personagem central do livro) desde sua detenção já está condenado à execução no final da narrativa. Joseph K compreende que sua sentença já estava proclamada e por isso dispensa os serviços do advogado Huld, dentro de cujo escritório existia uma grande pintura de um juiz com uma aureola de santidade.

É essa contravenção ética implícita ao Poder Judiciário que Kafka pretende demonstrar, pois toda a construção narrativa que revela o inconsciente do texto já aponta sua natureza ambígua sádico-anal. O leitor é tomado por um sentimento paranoico diante da confusão entre o Direito e a aplicação da Lei. A evidente injustiça que resulta desta aplicação foi maravilhosamente exposta pelo genial cineasta Orson Welles no filme sobre O Processo. Welles inverte a narrativa de Kafka e apresenta um camponês diante da porta do Tribunal, evidenciando a impossibilidade do homem para realmente alcançar a Lei.

Quando apresentei no Congresso Brasileiro de Psicanálise, em Belo Horizonte, meus dois artigos, Fundamentos Psicanalíticos do Autoritarismo Jurídico e O Discurso da Corrupção, pretendi mostrar que Kafka já antecipava em 1925 a perversão do Direito quando a Lei é aplicada dentro de um sistema jurídico pervertido pela politização do judiciário. Quando a figura maior desse sistema, o juiz, é orientado por um decisionismo religioso e político a Lei é utilizada para anular, prender ou matar o inimigo, cuja orientação política quer-se destruir.

Lacan opõe Creonte à Antígona para mostrar que a irmã de Polinice ao enterrar o irmão morto, enfrentando a proibição do rei funda no ato o princípio ético. A eticidade é justamente enfrentar atualmente o que todo Brasil já sabe que o judiciário brasileiro, principalmente o de Curitiba, é potencialmente corrupto, pois desonesto e antiético. No texto apresentado em Belo Horizonte sobre O Discurso da Corrupção mostrei como Bion em Atenção e Interpretação já acentuava a origem da mentira na falsificação encobridora da verdade inconsciente. O mesmo Bion acentua que a busca da verdade é o fundamento do Ser e transigir com o mentiroso, portanto, representa uma deformação ética.

A leniência com a atual indigência política, mental e moral do regime que ocupa o Poder no nosso país que se manifesta no silêncio de parte da intelectualidade, não é tolerável. Essa classe que faz a ciência e a arte não tem o direito de acomodar-se no mutismo, pois milhões de pessoas dependem de suas vozes.

Isso tudo implica a destruição da nossa democracia para atender a interesses geopolíticos de uma potência estrangeira sob o domínio de Pluto. Essa aplicação da psicanálise fora do consultório é, na minha opinião, a maior contribuição que neste momento os herdeiros de Freud podem prestar ao Brasil.

(*) Médico, psicanalista do Grupo de Estudos Psicanalíticos de Fortaleza, filiado à Associação Internacional de Psicanálise (Londres) e Coordenador da Escola de Psicoterapia Psicanalítica de Fortaleza. 

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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