Opinião
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29 de junho de 2019
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20:09

Uma pequena lupa sobre a questão ambiental, que anda apagada (por Gabriela Berwanger)

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Sul 21
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Uma pequena lupa sobre a questão ambiental, que anda apagada (por Gabriela Berwanger)
Uma pequena lupa sobre a questão ambiental, que anda apagada (por Gabriela Berwanger)
Governo Bolsonaro já aprovou 211 agrotóxicos só em 2019. (Foto: Divulgação/Seab – Paraná)

Gabriela Berwanger (*)

Mais uma vez nos deparamos com notícias relacionadas a fatores determinantes na agropecuária brasileira: o governo federal repete o episódio de aprovação de mais 42 agrotóxicos , agora somando 211 aprovados (somente) neste ano.

É mais uma notícia preocupante ligada ao meio ambiente no Brasil. Infelizmente, também é mais uma notícia facilmente engolida dentro de tantos escândalos gordos e viscosos que fervem durante este semestre do ano.

Poderíamos citar um grande leque de “façanhas” ambientais nesse ínterim de janeiro até finalzinho de junho: logo após da posse presidencial, o Ministério do Meio Ambiente cortou 24% do orçamento do Ibama, a maior autarquia brasileira que fiscaliza e monitora licenciamentos e crimes ambientais de cunho nacional (nosso “STF do meio ambiente”); atribuiu o poder de demarcação de áreas indígenas ao Ministério da Agricultura (que, assim como o COAB para o Ministério da Justiça, felizmente deu um passo para trás); enxugou de forma significativa a composição do CONAMA, retirando a representatividade social e técnica importantíssima desde a sociedade civil (passando de 22 membros para 4) à autarquias como ICMBio e ANA (talvez Ricardo Salles não saiba até hoje quem foi Chico Mendes); ameaçou reestruturações preocupantes para o licenciamento ambiental… Nesta semana, inclusive, tivemos a façanha diplomática de um comentário de sacerdote para seu discípulo, por mais que posteriormente justificada: a Alemanha tem muito o que aprender conosco (e, de certa forma, tem mesmo).

São tantos pontos e tantas linhas que se cruzam e se entrelaçam de forma tão dinâmica e desordenada que, até agora, já podemos tecer um tapete de tanta confusão. Para os curiosos, nos meus links tem uma trajetória do próprio Wikipédia com a linha de tempo do atual governo federal.

As notícias gerais que tratam sobre a atual política brasileira são tantas que várias acabam passando batido — as pessoas cansam de tanto problema. Sobre as notícias de cunho ambiental, é somente uma parcela pequena da população acaba sabendo: se não são políticos, que representam uma parcela minúscula de brasileiros obrigados a discutir este assunto, são os brasileiros minimamente ligados ao ramo da sustentabilidade, ou da agricultura, ou do mercado.

A informação sobre o meio ambiente não interessam a população em geral. Ela interessa em casos extremos, quando uma mineradora repete dois episódios catastróficos de rompimentos de barragens de resíduos. Infelizmente, a pauta ambiental é como exames de rotina: a gente vai deixando passar, passar… até levar o susto. Nós precisamos conversar mais sobre o meio ambiente. Precisamos entender o grau de sua importância, principalmente no nosso país.

No livro “O que economistas pensam sobre sustentabilidade”, organizado pelo jornalista Ricardo Arnt, temos relatos de diversos economistas, sendo ortodoxos ou não, sobre a questão ambiental. O livro, que acaba sendo um pouco atrasado quanto à noticias do agora (o livro data 2010), traz relatos como o de Aloizio Mercandante, quando perguntado sobre a busca de sustentabilidade na economia. Ele diz: “(…) o cenário catastrofista só serve para ações concretas. Se trabalharmos com o cenário ruim geraremos imobilismo, pânico e paralisia. Precisamos de uma perspectiva histórica com alternativas que começam a ser constituídas, acelerar as medidas e a mudança cultural.”

Mais uma vez: quem se interessa pela pauta ambiental ainda representa uma pequena parcela da população. Uma vez que o meio ambiente é o nosso mecanismo de obtenção de matéria prima, ele acaba sendo uma pauta que interessa a pessoas que possuem muito poder. Agricultura, pecuária, petróleo, água. Contestar quem possui isso tudo, é difícil. Ninguém quer perder suas posses. Além disso, muito das políticas públicas sobre o meio ambiente acabam, ao mesmo tempo que beneficiando muito a poucas pessoas, atingindo pessoas que não possuem clara a sua situação trabalhista. Afinal, sabe-se hoje que muitos agricultores e agricultoras estão expostos à substâncias de uso cotidiano que, a longo prazo, estão ligadas ao desenvolvimento de depressão e outras doenças da psique.

Infelizmente, o que se observa hoje é que o ambientalismo, assim como diz nosso presidente, é uma “besteira”. O ambientalismo seria um atraso para o crescimento econômico e para o desenvolvimento nacional. O ambientalismo é uma visão futurista de problemas que não vão acontecer. O aquecimento global e o licenciamento ambiental são duas coisas “inúteis”. O ambientalismo não possui base técnica. Pois então.

A questão é que: a ciência ambiental é sorrateira. Ela é o trabalho em cima de riscos, e falar sobre riscos é falar sobre medos. A verdade é que é difícil contemplar a aplicação da ciência ambiental no nosso cotidiano, apesar de que ela está presente em quase tudo. Ela pode começar na privada do banheiro. Na escolha da iluminação de um ambiente. Na escolha de asfalto para uma estrada.

O Brasil possui muitos profissionais do ramo ambiental com extrema capacidade executiva, técnica e social. A questão ambiental, hoje, está passando por uma transformação midiática de taxação sobre se tratar somente de uma visão política para tomadas de decisão. É claro que tratar do meio ambiente pode ser uma questão política: afinal, tudo é político. Porém, observar sobre essa ótima é como observar somente a ponta de iceberg. É preciso recapitular a atribuição técnica e científica desse assunto.

Cabe aqui discutir sobre a seriedade e a necessidade de trazer soluções técnicas e científicas para o rumo tomado pelo governo federal diante de políticas públicas. A tomada de decisão para assuntos ambientais acaba sendo mais complexa visto que não é somente moral ou legislativa, como por exemplo, a questão de candidatos laranjas de um partido. Ela precisa de muito embasamento científico. Não existe conversar sobre meio ambiente sem levantar assuntos biológicos, químicos, físicos e probabilísticos.

Por fim. Deveriam estar sendo tratadas com tanta levianidade as notícias ambientais? Deveriam estar sendo esquecidos os profissionais capacitados para falar sobre o meio ambiente? Os nossos profissionais são uma ferramenta não muito bem aproveitada para o desenvolvimento de políticas públicas.

Deveríamos observar as “restrições ambientais” como um atraso ou como um mecanismo de desenvolvimento que traz a saúde pública, o bem estar e poder tecnológico nacional? Queremos esperar outra catástrofe ambiental? É viável a flexibilização com o licenciamento ambiental, sabendo que, da forma como é hoje, por mais que tenhamos uma rica legislação ambiental, o empreendedor ainda minta?

Deveríamos estar contaminando ainda mais o agricultor e nossas águas com agrotóxicos que não são permitidos em vários países? Não existe outra forma? Ou o ambientalismo é só atraso?

Espero que até 2022 a gente consiga falar sobre isso. E, de fato, ser escutado.

(*) Graduanda em Engenharia Ambiental na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Estagiária na FEPAM – Divisão de Saneamento Ambiental.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 

 


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