Opinião
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10 de junho de 2019
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14:12

Pensar a memória, pensar acervos (por Jorge Barcellos)

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Sul 21
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Pensar a memória, pensar acervos (por Jorge Barcellos)
Pensar a memória, pensar acervos (por Jorge Barcellos)
Integrantes da Comissão Organizadora da IV jornada: ao centro, em destaque, à direita, Dr. Miguel Espirito Santo, Me. Anelda de Oliveira e Dra. Nádia Maria Weber dos Santos. Foto: Acervo Nádia Maria Weber dos Santos.

Jorge Barcellos (*)

No dia 8 de junho foi realizada a IV Jornada Sandra Jatahy Pesavento: arquivos pessoais, trajetórias intelectuais e estudos de gênero no Centro Histórico Cultural Santa Casa. O evento foi uma realização do Centro Histórico Santa Casa, Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, Fundação Nacional de Arte e Ministério da Cidadania do Governo Federal, com diversos patrocinadores como o Banrisul, com o apoio da Câmara Municipal de Porto Alegre e outras entidades. Composto por duas mesas principais. A primeira mesa tratou do tema “Arquivos pessoais e sua importância na trajetória de intelectuais“, conduzida pela Dra. Maria Teresa dos Santos Cunha (UDESC/SC), Dr. Antônio Herculano Lopes (FCRB/RJ) e Dra. Nádia Maria Weber Santos (UFG/GO e IHGRGS). A segunda mesa tratou do tema “Contribuições da trajetória intelectual da historiadora Sandra Jatahy Pesavento para os estudos de gênero”, conduzida pelas mestres Luciana Gransoto (UFSC/SC) e Anelda de Oliveira (IHGRGS), além do Dr. Vanderlei Machado, do Colégio de Aplicação da UFRGS. A conferência de encerramento esteve a cargo da Dra. Joana Maria Pedro, Presidente da Anpuh Nacional.

O seminário atualizou uma questão fundamental para órgão de memória, a da constituição de acervos históricos. Depois do incêndio do Museu Nacional e com a trágicas consequências da perda de um acervo histórico inestimável para o país, as políticas públicas tem diante de si uma responsabilidade quanto a memória e sua preservação. O tema dos arquivos pessoais insere-se no diagnóstico de qualquer ação de preservação da memória: afinal de contas, acervos e documentos são parte integrante da documentação de nosso tempo que devem ser preservados. Cabe ao poder público sua preservação e há inúmeros acervos em nossa cidade sem apoio oficial, produto do trabalho tanto de intelectuais dos quadros da universidade quanto de pessoas comuns que reúnem em sua casa documentos de grande valor. O acervo SJP é um destes casos, sobrevivendo aos dramas da memória, luta por sua organização com o apoio de valorosos pesquisadores.

Conheci o trabalho do acervo Sandra Jatahy Pesavento a partir do contato com sua curadora, Dra. Nádia Maria Weber dos Santos, por ocasião da produção de exposições para a Câmara Municipal de Porto Alegre. O Legislativo homenageou a historiadora com dois eventos: a primeira, uma exposição intitulada “Sandra Pesavento: 40 anos de pesquisa”, onde foi feito o traçado da produção historiográfica da pesquisadora; a segunda, “Porto Alegre, Cidade Maldita” onde foi analisada a história das camadas populares da cidade em sua obra. Nesse período, vi o acervo Sandra Pesavento ser transferido para o Instituto Histórico Rio do Rio Grande do Sul, e sob a direção do Dr. Miguel Espirito Santo, começar a organização do Centro de Documentação SJP. Eu mesmo fui orientado por Pesavento em meu TCC no curso história da UFRGS, ainda no ano de 1988, e pude experienciar o cuidado e a renovação de investigação que promovia a historiadora.

A organização deste acervo deve-se ao trabalho da sua curadora, Dra. Nádia Maria Weber dos Santos, que desde o falecimento de Pesavento tem-se dedicado a preservar a memória da ilustre estudiosa. Seu trabalho incansável na organização acervo localizado no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul, vem possibilitando a organização de um dos mais importantes acervos pessoais de pesquisa sobre história do país. E que já vem dando frutos, como exposições, seminários, mais ainda aquém às suas possibilidades, já que, como qualquer acervo, padece dos problemas oriundos da ausência de políticas públicas. O seminário tem o objetivo de ser parte das atividades de divulgação do acervo, mas na verdade, é mais do que isso: reunindo os documentos originais, biblioteca, textos e documentos, o Acervo SJP está se transformando em acervo-escola de referência não apenas novos estudos e projetos em história da cultura e da mentalidade, mas também em espaço pedagógico para novas gerações de pesquisadores.

Daí que os dois temas escolhidos para a organização do Seminário tenham ampla relação com a temática de organização de arquivos e possibilidades de pesquisa. O arquivo de Sandra Pesavento é exemplo de notável de uma trajetória pessoal, já que a historiadora era detalhista, metódica, atenta a documentação e registrou detalhadamente o seu processo de produção intelectual. Inúmeros pesquisadores, em maior ou menor grau, hoje detém acervos pessoais produtos de uma vida de trabalho. Arquivos sobre futebol de várzea, Universíade de 1963, moda, e tantos outros aguardam política públicas para sua preservação. Não é concebível mais a imagem de acervos que se destroem pela venda de bibliotecas e desinteresse de familiares: ao contrário, é urgente a realização de um mapa dos acervos pessoais do estado, estudo de referência para a reflexão sobre políticas públicas de memória para acervos pessoais. Quem e onde estão nossos acervos? Tem apoio público ou não? O que precisa ser feito? O tema já foi levado ao conhecimento do deputado Sebastião Melo (PMDB) para estudos e aguarda-se a continuidade do debate. Por outro lado, o seminário avançou no tema dos estudos históricos de gênero, onde Pesavento foi uma percursora. Seu trabalho detalhou a vida de mulheres, sejam vítimas de violência no passado ou daquelas que davam os primeiros passos em relação à sua autonomia. A própria autora foi um exemplo de pesquisadora que inovou e inspirou uma série de historiadoras em suas pesquisas.

Com pesquisadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Rio de Janeiro, a IV jornada Sandra Jatahy Pesavento é o reconhecimento da importância que tem acervos na preservação da memória, a necessidade de trabalho para sua organização e muita pesquisa para a consolidação da história. É um trabalho inspirador para várias correntes de estudos, especialmente para história política: no Memorial da Câmara Municipal de Porto Alegre encontram-se acervos pessoais de vereadores, razão do apoio da instituição ao evento mas também o entendimento de que deve-se aprofundar os estudos das biografias de políticos já que, em grande parte, a história dos vereadores ainda está por ser escrita. Isso é apenas uma das repercussões do evento, já que diversos acervos pessoais de vereadores já se encontram organizados, mas a necessidade de pesquisa ainda é um dos eixos de trabalho das equipes e objeto de pesquisa para novas gerações de historiadores.

(*) Historiador, Mestre e Doutor em Educação. Autor de O Tribunal de Contas e a Educação Municipal (Editora Fi, 2017) e “A impossibilidade do real: introdução ao pensamento de Jean Baudrillard (Editora Homo Plásticus,2018, é colaborador de Sul21, Le Monde Diplomatique Brasil, Jornal do Brasil, Folha de São Paulo e do Jornal O Estado de Direito. Mantém a página jorgebarcellos.pro.br.

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